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“DISCO DA BANANA”- A OBRA PRIMA IGNORADA

Eu sabia que a música que fazíamos não podia ser ignorada

SEX PISTOLS - UM FENÔMENO SOCIAL

Os Sex Pistols foram uma das bandas de Rock mais influentes da história.

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AFINAL, COMO SURGIU O CINEMA?

Um breve questionamento e historio sobre o assunto.

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WOLF CITY - AMON DUUL II

Wolf City é um dos maiores clássicos do Rock Progressivo. É um álbum que celebra magicamente este gênero musical, e que é foi gravado por artistas imensamente talentosos

quinta-feira, 24 de abril de 2025

BILLY IDOL: A HISTÓRIA DE UM DOS NOMES MAIS CONSAGRADOS DO ROCK

 Por Juliana Vannucchi

William Albert Michael Broad, que se popularizou mundialmente como Billy Idol, nasceu em 1955, em Middlesex, na Inglaterra. Em 1971, após passar um período nos Estados Unidos, sua família instalou-se no sul de Londres. Quatro anos mais tarde, o jovem William deu início a uma breve passagem pela Universidade de Sussex, porém, sua empreitada acadêmica durou somente um ano. O destino de Broad era outro. A música, afinal, que já estava em sua vida desde cedo, acabou atraindo-o mais do que os planos de cursar Língua Inglesa. Os Beatles, por exemplo, segundo declaração do próprio músico, entraram em seu caminho quando ele tinha apenas seis anos e nessa época, ainda na tenra idade, ele disse ter se apaixonado completamente pelo icônico quarteto inglês. Aliás, quando era criança, foi um aluno um tanto problemático. Certa vez, inclusive, um professor escreveu para seus pais um bilhete que dizia "Billy is idle (que significa algo como inativo)". Foi um grande ideia! Esse "idle" virou "idol"...

Em sua juventude, William Broad viu as ruas londrinas serem tomadas pelo espírito anímico do punk rock que, gradualmente, se tornava cada vez mais consolidado enquanto gênero musical e campo ideológico. Foi aí que ele se juntou ao famoso Bromley Contingent, um grupo de fãs alucinados dos Sex Pistols, que afim de seguir a banda, migrava de um lugar para o outro. Em relação a isso, Idol declarou mais tarde numa entrevista: “Os Sex Pistols e aquela pequena cena abriram a porta e todos nós poderíamos passar por ela”. 

Billy Idol no palco com a banda Generation X.

Seus primeiros passos musicais foram dados quando assumiu o papel de guitarrista da banda Chelsea. Mais tarde, ao lado do baixista Tony James e do baterista John Towe, com os quais formou a banda Generation X, um dos maiores nomes do punk rock inglês. Nessa fase, Idol mostrou-se um competente guitarrista e um vocalista com postura enérgica em cima dos palcos, que encantava o público com sua ferocidade punk. Foi inclusive com esse grupo embrionário que ele lançou em 1980, a primeira versão da famosa música "Dancing With Myself". Porém, seu ápice ainda estava por vir. Idol abandonou a banda punk e viajou para os EUA. Lá, travou contato com Steve Stevens, um engenhoso guitarrista que nesse período já era notavelmente conceituado. Mal sabiam os dois jovens que aquela conexão vibrante e imediata que surgiu entre ambos, os levaria a fazer história no mundo da música. Stevens ganhou sua primeira guitarra aos sete anos. Foi um contato inicial bastante precoce e absolutamente incomum, pois o garoto logo mostrou-se um verdadeiro prodígio com o instrumento, que dominava cada vez mais, tocando com destreza e glamour. Stevens sempre foi tecnicamente impecável, além de ser dono de uma criatividade refininada. Amante de hard rock, o guitarrista chegou a tocar com vários músicos desse universo - tal como, por exemplo, Peter Criss, baterista do KISS - antes que o destino o unisse a Billy Idol, com o qual viu seu talento atingir o auge. A respeito dessa união, Idol se recordou em entrevista concedida ao The Guardian: “Ele cresceu ouvindo muito rock progressivo e coisas assim, mas juntar o que eu fazia em termos de punk rock com o que Steve estava fazendo significava que poderíamos fazer qualquer coisa”. 

Uma das faixas mais conhecidos e lendárias que produziram foi “Eyes Without a Face”. Lançada em 1984, a música tornou-se mundialmente popular e até hoje é considerada uma das baladas mais aclamadas dos anos oitenta. Em entrevista concedida ao The Guardian, em relação a essa música, Idol explicou: “Eu só estava tentando não escrever uma canção de amor óbvia”. Em outra declaração, refletiu a respeito do significado do single: “Comecei a escrever palavras que, de alguma forma disfarçada, falavam da minha vida em Nova York e de um relacionamento que deu errado, à beira da desintegração na loucura. Talvez eu estivesse refletindo sobre minhas próprias infidelidades em turnê. De certa forma, esses (tipos de relacionamento) podem fazer com que você se sinta sem alma, especialmente se você está em um relacionamento que você valoriza, mas é degradante ao procurar em outro lugar estímulos sexuais adicionais”. A título de curiosidade, vale citar que durante a gravação do clipe, as lentes de contato de Idol foram atingidas acidentalmente por luzes do estúdio e o cantor perdeu a visão temporariamente. Um aspecto memorável dessa música é a frase “"Les yeux sans visage" (que significa “Eyes Without a Face”), cantada no fundo por Perri Lister, ex-companheira de Billy Idol. A frase em francês é o título de um macabro filme de terror que também serviu como inspiração para a criação da música. Aliás, cabe citar aqui que a letra do clássico single “Sweet Sixteen” foi justamente composta quando Idol e Lister romperam: “Eu estava de fato cantando uma música sobre ela”, contou ao The Guardian acrescentando que a amava muito quando o relacionamento deles chegou ao fim. 

Outro hit arrebatador que Idol carrega em seu vasto repertório é “Withe Wedding”. Em partes, a canção teve sua irmã como inspiração: “Acho que todo mundo, quando você escreve uma música, está sempre procurando por novas situações, novas circunstâncias, algo que vem da sua própria vida, mas nunca está completo. Minha irmã estava grávida. Ela ia se casar e não houve discussão nem nada, mas pensei em todas as pessoas diferentes e em todos os tempos passados ​​em que isso era um tabu. Eu pensei sobre isso, a natureza, o tabu e a convenção e o casamento como sendo uma grande celebração, mas que depois pode se transformar em algo como um casamento forçado (…) Então pensei sobre esse tipo incestuoso de irmão doente... que está vagando pelo mundo em alguma natureza selvagem, que sabe o que está procurando, levando uma vida completamente não convencional, deixando para trás todos os seus amigos e apenas indo e indo e todas essas coisas começaram a acontecer na música”. Mas não foram apenas essas suas fontes de inspiração. Uma parte de sua própria história traduziu-se na canção, que assume assim um tom ligeiramente autobiográfico: “Suponho que sair de casa, sair da Inglaterra e de repente me deparar com uma nova vida novamente me fez pensar que não há nada justo neste mundo”, disse Idol. “Não há nada seguro neste mundo. Não há nada puro neste mundo”. 

Gostar de rock e não apreciar o mítico Billy Idol são coisas incompatíveis. Junto com seu fiel escudeiro Steve Stevens, ele teve uma carreira consagrada e deixou uma herança arrebatadora que será sempre louvada e amplamente reconhecida na história do rock and roll.

Referências:

https://www.theguardian.com/music/article/2024/may/16/billy-idol-reader-interview

https://americansongwriter.com/the-meaning-of-billy-idols-white-wedding/

https://en.wikipedia.org/wiki/Billy_Idol

https://variety.com/2023/music/news/billy-idol-hollywood-walk-of-fame-star-interview-1235479903/

 

CONHEÇA ZÉ NINGUÉM, O FAMOSO POETA MARGINAL DAS RUAS SOROCABANAS

 Por Juliana Vannucchi

Muitos sorocabanos certamente já se depararam com Zé Ninguém, poeta marginal que ocupa ruas, vielas, encruzilhadas e transportes públicos da cidade, recitando seus versos para qualquer um que esteja disposto a ouvi-los. Ele usa seu dom poético como um grito de guerra, fazendo dele a mais poderosa arma de revolução existencial, cujo propósito é invadir corações e, com isso, salvar e ajudar as pessoas de alguma forma. É muita sorte ter um poeta tão sensível vagando por Sorocaba e figuras artísticas assim, tão criativas como Zé Ninguém, merecem nossa atenção e sempre devem ser valorizadas. Mas apesar de atualmente brilhar por nossa querida Terra Rasgada, a trajetória de Zé Ninguém começou em outro espaço e em outro tempo...

Por trás desse pseudônico, está o jovem Gabriel Gomes Almeida. Ele nasceu em Campinas, no hospital universitário da Unicamp, no dia 24 de novembro de 2000. É o oitavo filho da dona Josefa Gomes de Almeida, que tem mais sete filhas e outro menino. Almeida terminou os estudos escolares em 2019, aos 19 anos, poucos meses antes do início da pandemia. Posteriormente, ingressou na faculdade, matriculando-se no curso de Letras. Ao longo dos anos, trabalhou em diversos ramos, assumindo vários cargos diferentes. Atualmente, no entanto, é servente e trabalha com seu cunhado. Em meio a todas essas experiências de vida, sempre houve uma poderosa conexão entre ele e a arte, sendo que seu percurso poético começou ainda na tenra idade, quando Gabriel envolveu-se com a música: “Eu sempre gostei de rap, funk, música clássica e pagode”. A partir dessa afinidade, aos doze anos ele começou a escrever, e tinha a intenção de se tornar cantor de rap: “Foi exatamente com essa idade que eu passei a escrever alguma coisa, rabiscar, anotar os meus sentimentos e foi a partir daí que peguei gosto pelo conhecimento e, a partir disso, simplesmente não parei mais de buscá-lo”.

 

Zé Ninguém e sua companheira Fernanda.   
 

Desde então, seus escritos foram aumentando e a poesia foi ocupando um espaço cada vez maior em seu dia-a-dia, se tornando uma paixão sem a qual o jovem não vive: “A poesia, pra mim, é a própria vida. Não existe nada se não existe poesia. Antes mesmo de começarmos a nos comunicar, a poesia já existia... antes mesmo do primeiro átomo se formar, a poesia já estava versando o universo. Então, na vida das pessoas a poesia é a emoção de viver, de ser e de sonhar. Sem poesia, penso que não haveria vida”. No entanto, apesar dessa ligação com os versos ter se iniciado cedo, foi apenas mais tarde, precisamente em 2023, que a slam poetry entrou em seu caminho, fazendo com que Gabriel encontrasse de vez o seu verdadeiro rumo, ao qual tanto se dedica atualmente. Afinal, foi através dessa expressão poética que ele, aos poucos, foi se tornando um notável expoente poesia marginal de Sorocaba: "Eu desenvolvi com outros artistas o projeto Slam Trincheira que vai estrear oficialmente no mês que vem, na zona norte da nossa cidade. Em suma, o objetivo do projeto é revigorar a poesia sorocabana, trazendo novos poetas para a nossa cidade e criar, assim, uma nova frente de poemas, remetendo especialmente à zona norte que acredito ser ainda muito negligenciada na arte".  E foi justamente nesse meio poético da slam que Gabriel assumiu o pseudônimo de Zé Ninguém, pelo qual está consolidando seu reconhecimento. A respeito desse nome artístico, explicou: “Tento levar às pessoas que me veem recitando, a essência não só da poesia, mais das próprias pessoas, pois busco refletir ali a dor do mundo para que saibam que não estão só, que tem um outro alguém com elas. Porque geralmente, quando nos sentimos sós, pensamos que não somos nada, que não somos ninguém. Que somos só mais um em meio de tantos. E isso me inspirou a criar meu pseudônimo de Zé Ninguém, que representa a todos, além de ser mesmo tempo, um nome que serve como ato de resistência, força e coragem”. 

 

Zé Ninguém é um poeta que tem muito a nos ensinar e que possui uma maneira cativante e inspiradora de recitar seus versos.

Gabriel acredita que pessoas de todo o mundo podem se encontrar em seus versos, reconhecendo-se neles, como se fossem espelhos de suas almas, nos quais se sentem acolhidas e representadas de alguma maneira. E o cenário atual da arte sorocabana que, segundo o jovem poeta está evoluindo e se fortalecendo gradualmente, parece ser justamente o espaço ideal para que ele possa fazer com sua arte atinga um número de pessoas cada vez maior. Zé Ninguém, afinal, entende que a arte porta em si um potencial transformador, necessário para que as pessoas possam ter uma formação mais humana e digna, elevando o patamar de suas consciências. Nesse âmbito, refletiu: “Acho que aqui em Sorocaba devemos ser mais ativos no meio artístico. Essa cena, afinal, pode fazer muita gente mais feliz e tirar as crianças do caminho errado”.

Zé Ninguém é um poeta de rua que tem muito a nos ensinar e que possui uma maneira cativante e inspiradora de recitar seus versos. É um militante heroico da zona norte, nobre em seu propósito de difundir a arte por todos os cantos da cidade e abrir espaço para que outros artistas possam ter voz e, assim como ele, mostrando seus talentos ao mundo. Devemos nos orgulhar de ter um poeta como ele peranbulando por nossas terras. 

segunda-feira, 17 de março de 2025

HOWARD DEVOTO: DO BUZZCOCKS AO MAGAZINE

 Por Juliana Vannucchi

Sabemos que a Inglaterra é um país especial na história do rock, afinal, foi lá que surgiram alguns dos maiores expoentes desse gênero musical, tal como os The Beatles, Pink Floyd, Led Zeppelin, Sex Pistols e inúmeras outras bandas clássicas. Em meio a esse cenário inglês efervescente e tão prospero para o rock, a cidade de Manchester, localizada no noroeste do país, foi um ambiente particularmente excepcional, no qual nasceram grupos de grande importância que alcançaram sucesso mundial e que se tonraram inesquecíveis, como, por exemplo, Joy Division, The Smiths, Oasis e Magazine. Essa última banda, a mais peculiar e original do punk setentista, liderada pelo primoroso vocalista Howard Devoto, uma das personalidades mais emblemáticas do punk-rock britânico, que também foi o frontman do Buzzcocks. Devoto nasceu na cidade de Scunthorpe, mas foi apenas quando viveu em Leeds que sua vida musical começou a ser moldada. Lá, enquanto estudava no Leeds Grammar School, conheceu um sujeito chamado Richard Boon que, mais tarde, se tornaria empresário do Buzzcocks. Eles chagaram a ter uma banda que, na qual Howard tocava piano e que, conforme certa vez declarou, era muito "boba". 

Os anos setenta foram particularmente revelantes para Howard. Em 1973,  matriculou-se na Universidade de Bolton afim de estudar Psicologia. Largou o curso após um primeiro período de estudos absolutamente desastroso e passou a estudar Humanidades - área que engloba a Filosofia, a Religião, a Literatura e, em suma, disciplinas de humanas. Foi na faculadade que conheceu mais duas personalidades fundamentais  que faria parte de seu destino no universo do rock, Pete Shelley e Ben Mandelson. Ao lado de ambos, em 1976, tendo o Sex Pistols como fonte de inspiração, deu vida ao Buzzcocks, embora tenha abandonado a banda precocemente, em 1977, após o lançamento do EP Spiral Scratch e depois de fazer somente doze shows. Estava insatisfeito com o punk, que segundo ele, havia se tornado um "movimento", o que significa que havia tendências musicais específicas a serem seguidas e Devoto não compactuava com isso. Conforme declarou ao The Guardian, sentia-se, assum deslocado no Buzzcocks e precisa "explorar outros lugares". Devoto  continuava sendo um reduto elevado de criativiadade poética e talento que precisavam se expressar de alguma forma. Assim, dois meses após sair do Buzzcocks, na tentativa de produzir faixas mais distantes de um formado mais tradicional de rock, fundou o Magazine após conhecer o estudante de Artes, John McGeoch (que mais tarde, se destacaria amplamente com os Banshees). uma banda praticamente incassificável,  de cunho experimental e nada ortodoxa, que uniu cinco músicos geniais, no momento exato do tempo e espaço em que eles estavam inspirados e em plena sincronicidade. Howard Devoto já declarou que suas maiores inspirações são provenientes do glam, não do punk. As grandes influências estéticas de Devoto foram Bowie, Alice Cooper e The New York Dolls. Isso parece evidenciar-se no Magazine. As composições da banda tomaram um caminho oposto ao que era comumente produzido naquele período onde, muito gradualmente, o punk rock perdia um pouco de força no cenário musical. Assim sendo, é difícil de categorizar o grupo, pois ele não se enquadra diretamente nos moldes do punk rock, nem do universo dark, nem exatamente do pop, nem precisamente da wew wave. E eis que é neste aspecto que reside o seu grande valor: na criatividade, no fato de que, em essência, ele escapa aos padrões estabelecidos ao apresentar aos ouvintes uma vertigem niilista absolutamente única. É demasiadamente prazeroso embarcar nessa engenhosidade mística da banda e se perder no timbre assustador e deslumbrante da voz divina de Howard Devoto, que nunca sabemos para onde irá nos conduzir. Após lançar dois álbuns aclamados nos anos setente, o debut Real Life e o Secondhand Daylight, e dois na década seguinte, o The Correct Use Of Soup e o Magic, Murder And The Weather, a banda se dissolveu, voltando somente em 2011, com o inédito No Thyself, último álbum de estúdio. 

 

Devoto sempre será uma das figuras mais extraordinárias do rock, tanto pelo legado punk arquietado com o Buzzcocks, quanto e especialmente pela originalidade das músicas criadas com o Magazine.

Howard Devoto, mais tarde, chegou a se aventurar numa carreira solo que pouco ingrenou e  elaborou um projeto musical com o multi-instrumentatista Noko, chamado Luxuria que, apesar de ser interessante, também não implacou. Seu ápice enquanto artista, sem dúvida se manifestou vigorsamente com o Buzzcoks e se consolidou de maneira triunfante e definitiva com o Magazine. Cabe observar que em ambas as bandas, a composição lírica enigmática de Howard chama atenção. Certa vez, numa entrevista, em relação a tal aspecto, Devoto meditou: "As palavras existem para tentar fazer as pessoas aguçarem os ouvidos e agitarem os seus hormônios, e deixá-las preocupadas ou para obter um pouco de eletricidade. Isso não é apenas o som das palavras, vem do significado, é claro, do mar de significados – ou significados". Ateu, quando lançou seu último álbum inédito com o Magazine, Howard comentou que a religião foi um dos temas abordados nas letras e contou sobre seu passado religioso: "Fui criado na Igreja da Inglaterra, então, embora meus pais frequentassem regularmente a igreja, não havia aquela... vantagem... que uma educação católica pode ter (...) Sempre me interessei muito em saber de onde vem o impulso religioso na humanidade. Como ateu, olho para muitas práticas religiosas e penso: ‘Ooh, de onde vem tudo isso, todas essas coisas estranhas?". O músico ainda acrescentou que vê a religião como uma ferramenta de controle social. Mas suas abordagens, no geral, abarcam outras dimensões temáticas e variadas influências. Quando fundou o Magazine, por exemplo, lia obras de auotores como Proust e Dostoiévski.

Devoto sempre será uma das figuras mais extraordinárias do rock, tanto pelo legado punk arquietado com o Buzzcocks, quanto e especialmente pela originalidade das músicas criadas com o Magazine. Talvez, no entanto, o mundo nem sequer esteja suficientemente preparado para compreender e atribuir o devido valor à obra-prima deste vanguardista atípico. Sua carreira musical é um sucesso inconstestável e aliás, de acordo uma declaração do próprio vocalista, "sucesso é ter a mente em paz"...

Referências:

https://www.theguardian.com/music/2008/dec/12/magazine-howard-devoto

https://thequietus.com/interviews/magazine-howard-devoto-interview/

https://faroutmagazine.co.uk/howard-devoto-brought-punk-to-manchester/ 

https://en.wikipedia.org/wiki/Howard_Devoto

https://louderthanwar.com/howard-devoto-and-steve-diggle-of-buzzcocks-on-spiral-scratch-interview/

https://www.audiograma.com.br/2020/02/review-magazine-real-life/

A IMPORTÂNCIA DO BAUHAUS PARA A CONSOLIDAÇÃO DA DARKWAVE

 Por Juliana Vannucchi

O Bauhaus, com sua estética soturna e com suas performances teatrais, historicamente fez parte de um grupo de bandas com certas similaridades, que surgiram na Inglaterra entre o final da década de setenta e início dos anos oitenta, num momento em que o punk rock passava por um ligeiro desgaste, aspecto que serviu justamente como combustível para incendiar a proliferação desses grupos que se aventuraram por novos cenários e experimentos musicais. The Cure, Joy Division e The Sisters Of Mercy são exemplos clássicos dessa onda de bandas com estéticas sombrias que compõe o que alguns categorizam como “dark” e a respeito do qual outros, para desespero da maior parte dos músicos que fazem parte dessas bandas, se referem como “gótico”. Aliás, cabe citar que há artigo do The Guardian que narra um episódio em que Peter Murphy desligou o telefone na cara de um entrevistador quando o jornalista usou a palavra “goth” para se referir ao legado da banda. Siouxsie Sioux, Robert Smith e outros nomes associados a esse termo também o abominam. Rótulos, de fato, costumam limitar as bandas ao enquadrá-las em aspectos muito específicos e realmente, talvez possamos destrinchar as heranças artísticas e culturais de determinados grupos sem que nos prendamos propriamente a classificações - Siouxsie Sioux, por exemplo, numa entrevista concedida à revista Mojo afimrou que categorizar os Banshees é uma forma de diminuir o legado da banda. Numa ocasião, a esse respeito dessa associação entre o Bauhaus e a subcultura gótica, Murphy, bastante aborrecido, desabafou: “Pessoas me fazem perguntas sobre a cena gótica, e eu não tenho ideia do que estão falando. Eu nunca me identifiquei com isso. De vez em quando até subo no palco sem estar vestido de preto”. No entanto, historicamente falando, o Bauhaus, com sua trajetória e características visuais e musicais, ajudou a moldar a subcultura gótica. Inclusive, nesse âmbito, Haskins certa vez declarou: “(…) Quando gravávamos no final sempre tocávamos dub reggae ou algo dos Beatles, como Sgt. Pepper. Quando menciono isso para as pessoas, elas ficam meio surpresas. Então, não estávamos ouvindo música dark, havia muitas influências”. 

 

"Nossa banda sempre esteve interessada em não ser uma banda de 'rock' tradicional" (David J)
 

Com inspirações provenientes do punk rock e de nomes como David Bowie, Kraftwerk e Roxy Music, o Bauhaus foi formado na cidade de Northampton , em 1978 por Kevin Haskins, seu irmão David J, Peter Murphy e Daniel Ash. O nome da banda provem de uma escola artística alemã fundada em 1919. Após se unirem e consolidarem esse formação inicial, os integrantes do Bauhaus experimentaram uma intensa onda de criatividade que os levou a escrever o primeiro álbum, “In The Flat Field”, em apenas dois dias. Desde essa estreia, Peter Murphy se firmou como um dos vocalistas mais singulares dos anos oitenta. A música, no entanto, entrou na sua vida muito antes da formação do Bauhaus, quando ainda era  novo, sendo o piano o primeiro instrumento com o qual se familiarizou. Murphy, o sétimo filho e caçula, cresceu num ambiente no qual a música católica sempre esteve fortemente presente e sob tal influência, o menino cantarolava o dia todo. Numa entrevista concedida ao site Máxima, o frontman revelou um momento profético que viveu a respeito de sua juventude pré-Bauhaus: “Eu tinha 13 anos, ia com os meus pais e a minha irmã mais velha, estávamos de férias. Era noite… e eu estava no banco de trás do carro, com a cabeça pousada no meu braço, e tive uma epifania. Disse à minha mãe: “Mãe, já sei o que vou fazer. Vou ser cantor! Não sei como nem quando, mas vou”.

Enquanto o primeiro álbum foi escrito tão rapidamente, por sua vez, Bela Lugosi, o longo e mais popular single de nove minutos de duração do Bauhaus, demorou pouco mais de um mês para ganhar vida. Nessa faixa, o protagonista é um vampiro. Inevitavelmente, a canção tornou-se um verdadeiro hino para a subcultura gótico, independemente da banda estar ou não esteticamente ligada a tal grupo. Peter Murphy chegou a declarar que essa música foi escrita para ser irônica, mas como sua banda a executou com uma seriedade ingênua, o público a entendeu a partir dessa perspetiva sobrenatural, que flertar com o macabro e se caracteriza por uma sonoridade obscura. Numa entrevista concedida ao portal Vinyl District, Haskins contou a história por trás da composição do sucesso: “Bem, David tinha acabado de se juntar à banda e não tínhamos ensaiado com ele neste momento. Ele ligou para Daniel na noite anterior ao primeiro ensaio e disse a ele que tinha essa letra sobre Bela Lugosi, você sabe, com um tema de vampiros. E Daniel disse, bem, isso é bom porque eu inventei esses acordes assombrosos hoje, então talvez essas duas coisas se juntem bem. Então chegamos ao ensaio, David deu a Peter a folha de letras, Daniel começou a tocar os acordes assombrosos e David começou a procurar por uma linha de baixo. Então eles tinham algo acontecendo, e eu estava pensando, o que eu vou colocar nisso? Aprendi três batidas de bateria quando tive aulas de bateria. Um era uma batida pop, uma era uma batida de jazz e um era uma bossa nova. Então eu pensei em jogar a batida da bossa nova. Então eu joguei isso por 10 minutos e funcionou muito bem. A música realmente se juntou muito rápido. Na verdade, pode até ter sido a primeira revisão em que a forma era como você ouviu no registro. Foi um momento bastante mágico. Então foi assim que surgiu”. 

Além de Bela Lugosi's Dead, inúmeras outras canções também alcançaram imenso sucesso e o Bauhaus permaneceu consolidado com um dos nomes alternativos mais influentes da década de oitenta. A banda abordava temas líricos ligadas a decadência humana, a insanidade, martírio, desejo, desilusão, e aos horrores que tangem a existência humana. Era uma espécie orquestra byronista cuja proposta era disvincular-se de padrões musicais vigentes e arriscar-se em novos terrenos. Ademais, clássicos cinematográficos e literários como Jack Kerouac, Charles Baudelaire, Rimbaud, Oscar Wilde, David Lynch, dentre outros inspiraram muitos registros líricos do grupo. Essas buscas por inovações e pelo afastamento da ortodoxia, também asseguraram à banda um aspecto bastante teatral em suas performances, nas quais a dramaturgia do grupo, visando criar uma aura introspectiva, contava com uma iluminação em preto e branco já que, de acordo com o frontman, "luzes coloridas são para o Natal". Peter Murphy descreveu à Máxima sua impressão acerca do espectro de sua banda, enfatizando a ambição artística e o cunho experimental do Bauhaus: “Éramos muito ligados à Arte. Éramos uma força, carismáticos, não éramos iguais a ninguém… éramos estranhos. Apanhávamos coisas da rua, transformando-as em instrumentos, e isso seria o nosso álbum”. A banda, de fato, se tornou um dos mais consagradados nomes da art rock. Inclusive, nesse âmbito, David J, certa vez explicou: "Nossa banda sempre esteve interessada em não ser uma banda de 'rock' tradicional, e faziamos um grande esforço para evitar esse caminho bem trilhado". Eles chegaram, por exemplo, a compor com base numa técnica surrealista intitulada Exquisite corpse, na qual basicamente estruturava-se uma determinada frase a partir do uso de palavras inusitadas para gerar um resultado não-convencional.

Mas apesar de tantas destaques em sua trajetória, em 1983, com quatro discos de estúdio na bagagem e após se firmar na cena musical inglesa e ver suas músicas se difundindo em outros cantos do mundo, por fim a magia se esgota e o Bauhaus se dissolve: “Acho que foi apenas um choque de egos. Acho que estávamos nos ramificando em direções diferentes”, contou Kevin, acrescentando que divergências estilísticas em relação aos rumos das composições também pesaram significativamente para que essa ruptura ocorresse. Em 1998, os integrantes se reuniram para uma turnê, mas nada floresceu a partir desse encontro. Uma década mais tarde, a banda surpreendentemente lança o "Go Away White" e declara o fim definitivo de sua jornada. Murphy seguiu sua vida musical com uma carreira solo de sucesso. Ash também fez sucesso em seu percusso como músico solo, além de ter liderado o Tones on Tail e o Love And Rockets, que são basicamente ramificações da formação original do Bauhaus.

Referências:

https://www.popmatters.com/115525-bela-lugosis-dead-thirty-years-of-goth-gloom-and-post-post-punk-2496118963.html 

https://www.theguardian.com/music/2011/jun/14/bauhaus-invent-goth

https://www.thevinyldistrict.com/storefront/kevin-haskins-the-tvd-interview/ 

https://www.maxima.pt/atual/amp/eu-sou-um-icone-na-minha-cabeca-de-todas-as-vezes-que-pisei-um-palco-senti-me-assim-conta-a-maxima-peter-murphy

WUIVEND RIET: A OBRA-PRIMA DE JOHANNES SCHOELLING

 Por Juliana Vannucchi

Johannes Schmoelling  é um música excepcional e as composições desse genial músico alemão, são verdadeiras poesias instrumentalizadas. Lembremos, inicialmente, no final dos anos 60, a Alemanha foi palco de um movimento musical deveras relevante e essencialmente revolucionário: o Krautrock, que desde seus primórdios buscou inaugurar um período de criação musical próspera e autêntica no país.

Embora haja muitos aspectos para se analisar em relação ao Krautrock, de maneira geral, podemos mencionar que as bandas que fizeram parte desse movimento, eram essencialmente experimentais e produziam suas músicas com uma dose alta de criatividade que se complementava maravilhosamente com uma pincelada de ousadia. Foi justamente nesse contexto que surgiram grandes nomes da música alemã, que se destacaram mundialmente, tal como o Can, Faust, Amon Düül II, Kraftwerk, Neu!, e claro, o próprio Tangerine Dream. A sonoridade dessas bandas não é tão simples de ser analisada, pois devido ao fato de serem experimentais e de terem se proposto a inovar esteticamente, suas músicas pairam sob texturas bastante dinâmicas, embora de maneira geral, possamos dizer que são em parte psicodélicas e em parte eletrônicas.

Johannes Schmoelling começou a tocar piano aos oito anos de idade. Poucos anos mais tarde, aos doze, tocou órgão numa igreja e quando mais velho, estudou engenharia musical numa faculdade em Berlim. Depois disso, realizou um trabalho de som no meio teatral, no qual aprendeu técnicas que posteriormente lhe seriam bastante úteis. O tempo passou. A Alemanha mudou e o cenário sonoro também foi se alterando. Schmoelling vivenciou de perto e intensamente o contexto do Krautrock e certamente foi um dos nomes mais importantes do movimento. Ele brilhou no Tangerine Dream, criando melodias fantásticas e ajudando a banda a construir algumas das faixas e álbuns mais alucinantes do Rock And Roll. Mas o Wuivend Riet vai além de seus admiráveis trabalhos com o Tangerine Dream.

Em sua carreira solo, o aclamado músico alemão encontrou definitivamente o seu ápice musical. O Wuivend Riet é um álbum fascinante do começo ao fim, que através de sua singularidade e magia, envolve delirantemente o ouvinte. Seguindo a linha estética experimental do Krautrock, ele explora dissonâncias oníricas que se misturam com ruídos diversificados e genialmente estranhos. É um trabalho extremamente original no qual Johannes Schmoelling se arriscou a combinar as mais distintas, improváveis e atípicas melodias, mesclando-as com barulhos minimalistas bastante insólitos. Totalmente sui generis!

A dificuldade de categorização do álbum é algo difícil de se fazer. Conforme citado anteriormente, trata-se de um trabalho muito singular. Não são apenas ruídos amontoados. Não é apenas “música eletrônica”. Existe algo de profundo e especial nesse álbum tão fantástico, algo que faz com ele seja único e distante de qualquer gênero específico. No site oficial do músico, há um texto a respeito desse álbum e encontrei um trechinho interessante que merece ser transcrito: “O Wuivend Riet é uma tentativa de superar o mero elemento eletrônico e chegar a uma atitude inspirada musicalmente diferente em relação à eletrônica e suas possibilidades”. Definitivamente, esse álbum foi um paço a mais que rompeu qualquer tipo de barreira musical existente na época.

Johannes Schmoelling é uma espécie de “alquimista musical” bastante atrevido que gosta de misturar substâncias sonoras. Ele certamente deixou o Tangerine Dream com muitas ideias em mente. Mas é claro que deveria carregar também algumas incertezas, afinal, estava abandonando uma banda aclamada para trilhar um caminho incerto. O que podemos concluir é que ele sabia muito bem o que estava fazendo. Além de seus álbuns solos, também criou trilhas sonoras para filmes e programas de televisão.

Lançado em 1986, o álbum conta com um total de seis faixas.

domingo, 16 de fevereiro de 2025

CONHEÇA O "THE SECRET DOOR", PRIMEIRO LIVRO DE POESIAS DE CYNTHIA ROSS

 Por Juliana Vannucchi

No início deste ano, Cynthia Ross, lenda punk e ícone da cena underground de Nova York, lançou seu primeiro livro de poesias, intitulado “The Secret Door”, que foi publicado pela editora norte-americana Far West Press, e no qual encontram-se mais de setenta poemas que se alternam com ilustrações do artista Ian Wilson e com alguns registros fotográficos feitos pela própria autora. O primeiro evento oficial de lançamento do livro aconceterá em Paris, no Hôtel Grand Amour, em 26 de fevereiro.

Por meio de sua poesia sensível e reveladora, Cynthia Ross embeleza o mundo, decifra nossos medos e desejos, seduz nosso coração e traduz a vida em suas mais variadas instâncias, nos colocando, assim, diante de todo tipo de sentimento e emoção e, através disso, conforme sugere o título do livro, abrindo as portas mais secretas da existência. Podemos identificar um apelo magnético presente nos poemas de Cynthia Ross, que possui um jeito único de tornar tudo mágico – até as coisas mais simples se transformam em algo incrível através do dom que ela tem com as palavras, pois existe uma verdadeira força metafísica atuante dentro de Cynthia, um potencial peculiar que ela possui para lidar com os sentimentos. Tudo isso faz com que sua poesia seja um espelho que reflete o infinito e que gera efeitos intensos na alma de que se dispõe a ler seus profundos versos. Sua poesia, assim, é libertadora, reconfortante e magistral. É um diálogo tocante que ecoa dentro de nós e desperta nossos espíritos, nos conduzindo a um estado sagrado e misterioso de embriaguez... 

 

É um livro de qualidade atemporal que certamente será capaz de cativar e fazer sentido também para as gerações futuras.

Por meio dos poderosos e profundos poemas que fazem parte desta estimada produção literária, encontramos alguns segredos e sonhos da apaixonante Cynthia Ross, que por intermédio de sua intensa escrita, retira o véu de sua própria vida e partilha conosco os ecos de sua história. Dessa forma, seu livro consiste, em certa medida, nas páginas de sua jornada existencial, sendo uma verdadeira viagem por seu universo, pelas vias de sua alma, pelas estradas de seus sonhos, pelas melodias que pairam em sua mente, pelas paisagens de suas ideias e pelas excitantes emoções que tangem suas percepções. É, em suma, um legado comovente e repleto de afeto que Cynthia Ross nos deixa como herança.

 

Algumas personalidades que deram depoimento sobre o livro de Cynthia Ross. O Fanzine Brasil também teve a honra de oferecer algumas palavras sobre o livro.
 

Vale dizer que o “The Secret Door” conta com depoimentos de personalidades notáveis, como a cantora Debbie Harry, o ator Michael Imperioli, Lydia Lunch e Peter Perrett, que teceram inúmeros elogios a esta valiosa obra-prima poética à qual a talentosa Cynthia Ross caprichosamente deu vida. É um livro de qualidade atemporal que certamente será capaz de cativar e fazer sentido também para as gerações futuras!



 

THE BOLSHOI: A TRAJETÓRIA DE UMA DAS BANDAS MAIS MARCANTES DOS ANOS OITENTA

 Por Juliana Vannucchi

O The Bolshoi foi uma das principais bandas da New Wave oitentista e seu principal hit, "Sunday Morning" foi um dos singles mais aclamados dessa década, bombando principalmente no Brasil e na Argentina, países em que o grupo conquistou uma enorme quantidade de fãs. Em sua letra, essa clássica e hipnótica faixa retrata a hipocrisia e a tirania presentes nas instituições religiosas e o quanto esses aspectos podem ser destrutivos na vida de um indivíduo. Parece soar também como uma espécie de desabafo pessoal em relação ao tédio e ao desgosto enfrentados por uma devoção religiosa forçosamente imposta. 

É uma banda que canalisou toda a atmosfera dos anos oitenta e a eternizou em suas elogiáveis e memoráveis canções. 
 

A formação original do The Bolshoi, de 1984, consistia no brilhante Trevor Tanner nos vocais e no comando da guitarra, Graham Cox no contrabaixo e Jan Kalicki na bateria. O famoso Paul Clark se juntaria ao grupo em meados de 1986 para assegurar ao The Bolshoi o refinamento sonoro ideal através de seus teclados e também de sua guitarra. Tanner, principal letrista do grupo, contou numa entrevista que em sua infância já possuia uma grande afinidade com a música. Quando era criança escuatava canções celtas e na juventude foi um grande fã de David Bowie e Deep Purple, sendo que todas essas diversificadas influências, de alguma maneira reverberaram em suas produções musicais. Na mesma entrevisyta em questão, Travor também revelou que durante a adolescência, sofria uma certa pressão por parte de seus professores de escola que insistiam para que ele tivesse êxito profissional, enquanto o menino, contrariado e com uma postura bastante rebelde, desejava ser um guitarrista famoso. E sabemos que, afinal, foi exatamente isso que aconteceu ao menos durante os anos oitenta, em que o The Bolshoi brilhou e lançou uma trilogia marcanrte de álbuns de rock alternativo: O debut foi o "Giants", seguido do icônico "Friends", que foi o triunfo de banda, o álbum mais comercial e popular e, por fim, o grupo gravou o "Lindy's Party", que também fez sucesso e conseguiu se sobressair. Em 2015, a banda surpreendentemente lançou seu último trabalho inédito, intitulado "Country Life", que foi ao mercado numa edição limitada. Suas faixas, contudo, foram gravadas há décadas atrás, mais precisamente em 1988.

Paul Clarke, certa vez comentou que muito conteúdo musical mágico surgiu nos anos oitenta. Certamente sua banda era parte desse cenário tão rico e diversificado, de tal forma que é difícil pensarmos na música dessa década sem que "Sunday Morning" invada nossas mentes. Foi uma trajetória curta, embora bastante competente e, no final das contas, a banda dominou o mundo com um único single que bastou para que se eternizassem. De maneira geral, o The Bolshoi oferece canções que, por vezes, soam de uma forma ligeiramente sombria e, em outros momentos são empolgantes e oferecem uma clima mais pop e dançante. Mas todos esses traços distintos sempre funcionaram bem e os caminhos sonoros do grupo, mesmo que variados, foram grandes acertos. É uma banda que canalisou toda a atmosfera dos anos oitenta e a eternizou em suas elogiáveis e memoráveis canções e sobretudo na voz única de Tanner. Para concluir nossa abordagem, citaremos uma fala de Trevor que, sempre carismático e bem-humorado, numa entrevista proferiu alguns conselhos a jovens artistas: "Apenas divirta-se e seja você mesmo. Não se preocupe em ser legal. Não é legal tentar ser legal. Eu só acho que um músico jovem ou um músico antigo deveria fazer o que é certo para você. E se as pessoas não gostam, que merda. Se você gosta, ótimo. Mas não ceda e seja algo que você não é".

Referências:

https://issuu.com/revistathe13th/docs/paul_clarke

https://www.thebolshoi.co.uk/articles/

http://themadcapspeaks.squarespace.com/trevor-tanner-interview/

https://louderthanwar.com/the-bolshoi-friends-to-be-reissued-by-beggars-arkive/

O ENCANTO DOS BORDADOS DE EVELINE

   Por Juliana Vannucchi

A costura, se manejada de forma habilidosa e praticada com originalidade, pode, certamente, se tornar uma verdadeira expressão artística. E a parisiense Eveline, com seu potencial criativo e sua destreza para lidar com linhas, corte e arranjos, é prova disso. Ela começou a bordar há oito anos atrás, quando nasceu o primeiro filho de seu irmão mais velho: "Queria bordar o nome dele - William - no presente que comprei, pois adoro presentes feitos à mão. Então, pratiquei um pouco e consegui. Gostei  bastante do processo, pois sempre adorei trabalho manual. E gosto ainda mais quando demora para ser concluído e exige foco". A partir da primeira experiência com o presente de seu estimado sobrinho, essa prática artesanal passou a se tornar cada vez mais intesa na vida de Eveline que, então, começou a bordar roupas para si mesma, para alguns amigos e, posteriormente, começou também a criar produtos para algumas bandas - como cuecas -, por exemplo: "Mas essa prática se tornou, por assim dizer, mais 'artística' quando comecei a bordar poesia e letras de músicas em linho vintage". A versatilidade estilística, desde então, acompanha firmemente o seu trabalho. Assim como uma Moira, imersa e infalível em sua sofisticada atividade, e sempre afiada, inspirada, firme e dedicada, Eveline, permanece até hoje ativa em suas produções, que se transformaram numa verdadeira paixão e que possuem o amor como principal eixo condutor. A esse respeito, refletiu: "Na verdade, é uma das coisas mais fascinantes para mim: inspiração e criação, de onde vem isso?! É um mistério absoluto, mas sinto que tudo vem do Amor. A natureza expressa isso através de árvores, flores, animais, insetos. O ser humano faz isso através da arte, se é que minha colocação faz sentido". 

Quando está bordando, Eveline gosta, de preferência, de focar numa mesma peça durante horas. Ela entende que esse processo mais prolongado é relevante num mundo caoticamente inquieto, no qual os níveis de ansiedade andam aflorados e, consequentemente, o foco de atenção das pessoas em qualquer atividade se torna mais baixo: "Sou professora de meditação, e não vou dizer que é a mesma coisa, mas acho que tem algo que também traz uma espécie de paz interior quando estou bordado, por envolver uma coisa repetitiva e o modo como eu preciso estar focada nisso, me deixa bem tranquila. Na verdade, existem estudos que mostram os seus benefícios: os níveis de cortisol, que é o hormônio do estresse, diminuem quando estamos concentrados numa tarefa criativa. Portanto, recomendo fortemente que quem está ansioso, tente fazer algo criativo". Ora, sabemos que da experiência criativa pode surgir uma conexão com a arte que, nas palavras de Eveline: "Surge a partir de uma forma de olhar o mundo, uma forma muito especial e peculiar, às vezes estranha, de olhar para ele, de observá-lo, também de viver nele, e principalmente de senti-lo. A arte associa-se à necessidade de expressar tudo isso também de uma forma muito pessoal. Na verdade, não tem um propósito, mas tem que ser".

Eveline, que já teve algumas de suas produções artesanais expostas em diversos locais, atualmente tem algumas de suas peças expostas no Howl! Arts, em New York: "Neste mês, minha amiga Cynthia Ross lançou seu primeiro livro de poesias e ela, muito gentilmente, encontrou um espaço pra mim nesse lançamento, no qual estou tendo a oportunidade de apresentar o meu trabalho - no caso, especificamente, meus bordados de alguns poemas dela - em uma galeria em Nova York. Ainda não consigo acreditar que isso está acontecendo". Nos trabalhos manuais de Eveline, a arte encontra seu propósito e se concretiza materialmente de maneira brilhante. Em suas costuras e ideias, há muitas coisas para serem admiradas e aprendidas. 

 

Bordado de um poema escrito por Cynthia Ross, intitulado "The Universe Loves You". 

Nesse borbado, Eveline anuncia o lançamento do livro de Cynthia Ross, em Paris. 
    








sábado, 11 de janeiro de 2025

A HISTÓRIA DO LOVE AND ROCKETS

 Por Juliana Vannucchi

O Bauhaus foi uma das bandas darks de maior sucesso durante os anos oitenta, lançando quatro álbuns aclamados nessa referida década. No entanto, após conquistar inúmeros fãs, produzir singles de sucesso e realizar performances teatrais memoráveis, o grupo se dissolveu em função de algumas desavenças surgidas entre o vocalista Peter Murphy e os demais integrantes do grupo. Foi então que o guitarrista Daniel Ash juntou forças com o baixista David J e com o baterista Kevin Haskins para dar vida à banda Love And Rockets, que permaneceu ativa de 1985 a 1999, posteriormente, juntando-se brevemente para turnês entre 2007 a 2009 e, mais de dez anos depois, em 2023, a banda surpreendentemente se reuniu novamente para tocar no festival Cruel World, que teve um impacto significativo na trajetória do grupo, incentivando-o a permanecer ativo.

No decorrer de sua inspirada trajetória, de modo geral, o Love And Rockets incorporou estilos musicais variados em suas composições, flertando com o glam rock, com o rock progressivo, com o pop rock e com o cosmic rock e, nesse âmbito, a cada novo álbum, a banda progressivamente se distanciava cada vez mais da sonoridade do Bauhaus, consolidando aos poucos seu potencial criativo e arquitetando uma atmosfera sonora bastante singular, especialmente marcada pela poderosa voz do brilhante Daniel Ash, cujo talento antes era parcialmente ofuscado pela incontestável presença de Peter Murphy. Certamente, no Love Ane Rocketes, o trio Ash, David J e Haskins encontrou mais liberdade para suas composições do que quando estava no Bauhaus, que se prendeu quase que inteiramente ao território dark.

 

O Love And Rockets é uma banda poderosa, com um potencial verdadeiramente ritualístico

O single de maior sucesso da banda e talvez o único que tenha explodido globalmente foi “So Alive” que, curiosamente, assim como aconteceu com a faixa “Bela Lugosi’s Dead, do Bauhaus, foi gravada num único dia. Numa entrevista, Daniel Ash fez algumas revelações interessantes referentes às etapas de criação e produção desse grande hino do Love And Rockets: “Escrito, gravado e produzido em 24 horas (…) Todos as melhores músicas parecem ser absolutamente instantâneas (…) É estranho isso. Não sei, tudo meio que se alinha em um período de 24 horas e bum, você tem aquele momento mágico, como gosto de chamar. Muito estranho. Foi particularmente estranho em “So Alive”, a maneira como isso aconteceu, porque quando entrei no estúdio tudo que eu tinha era a primeira linha e os dois acordes. Na ocasião, deveríamos estar gravando uma outra coisa, mas eu disse: “Não, não, não, estamos fazendo essa música”. Fui muito arrogante e eles disseram: “Bem, podemos ouvir?” E então eu disse: “Não, ainda não escrevi!” [Risos] Eu tenho a primeira linha e os dois primeiros acordes, mas vou para o porão e escrevo, e estarei lá em cerca de meia hora.” E foi exatamente o que eu fiz. Desci ao porão do Black Wing Studios em Londres. Cheguei uma hora depois e foi isso. Nós o colocamos de lado. Kevin começou aquela batida de bateria imediatamente. Dave pegou a linha de baixo. Foi instantâneo. Que dia incrível". A música foi lançada em 1989 e alcançou várias marcas importantes de sucesso. Atingiu o primeiro lugar no Canadá e ficou entre as 30 mais tocadas na Austrália, na Nova Zelândia e nos Estados Unidos (nos EUA, liderando também a parada Billboard Modern Rock Tracks por cinco semanas). Mas por trás dessa composição tão espontânea e intuitiva, havia uma inspiração carregada de sentimento. Certa vez, num sábado à noite, em que a banda não tinha compromissos, Ash foi a uma festa e num determinado momento se deparou com uma linda mulher de cabelos longos e castanhos, que estava do outro lado de uma sala escura e sombria na qual o vocalista se encontrava. Ash se encantou com aquela atraente figura, mas não a abordou porque era casado nessa época. Entretanto, ficou apaixonado pelo resto do fim de semana. A esse respeito, certa vez declarou: “Foi como se eu a conhecesse em de outra vida ou algo assim. Foi exatamente isso que me atingiu como uma tonelada de tijolos. Eu não conseguia parar de pensar nela.” Como ela estava do outro lado do salão, ele não pode ver a cor de seus olhos e na letra, faz referência a isso...

Em outras composições do Love And Rockets, o método artístico que prevaleceu na vida de Daniel Ash foi o “cut-up, que consiste numa técnica dadaísta, na qual recorta-se palavras aleatórias de um jornal, livro ou revista para se construir um determinado texto. Sobre essa questão, num entrevista, o músico explicou: “Tanto um riff de guitarra quanto uma manchete podem gerar uma ideia (…) Eu uso há muito tempo, desde meus primeiros trabalhos, como ‘Slice of Life’, que ganhei de um fanzine em Nova York. Comecei cortando manchetes e continuo essa prática até hoje”. Ainda em relação ao seu método de composição, Ash também declarou: “O que descobri é que isso liberta você completamente porque, na maior parte do tempo, o processo criativo acontece no subconsciente. O método ‘cut-up’, onde você pega pedaços de texto e os reorganiza, funciona nisso. Minha fonte preferida é o National Enquirer, que tem manchetes altamente dramáticas que geram frases interessantes. Para mim, a técnica de ‘cut-up’ funciona incrivelmente bem. Acredito que William Burroughs tropeçou nisso acidentalmente quando cortou parte de seu próprio texto. Simplesmente parecia certo para ele, e lá estava, uma ferramenta transformadora que pegou a escrita comum e a transformou em algo extraordinário".

O Love And Rockets é uma banda poderosa, com um potencial verdadeiramente ritualístico, que atinge fortemente nossas almas e corações e que é facilmente capaz de dialogar com o universo de qualquer pessoa. Os álbuns desse icônico trio de rock alternativo, são substancialmente catárticos e podem conduzir os ouvintes, ou para uma aventura plenamente introspectiva, repleta de sensibilidade, ou, então, fora do planeta, levando-o para a lua, para o cosmos… numa interminável viagem mágica.

Álbuns de estúdio*

Seventh Dream of Teenage Heaven (1985) -
☆☆☆
Express (1986) -☆☆☆☆☆
Earth, Sun, Moon (1987) - ☆☆☆☆☆
Love and Rockets (1989) - ☆☆☆☆☆
Hot Trip to Heaven (1994) - ☆☆☆☆
Sweet F.A. (1996) -☆☆
Lift (1998) -☆☆

____


*Avaliação do site:
☆ - Modesto
☆☆ - Médio
☆☆☆ - Bom
☆☆☆☆ - Excelente
☆☆☆☆☆ - Lendário

Referências:

https://www.brooklynvegan.com/bv-interview-daniel-ash-talks-love-and-rockets-reunion-reissues-bauhaus-motorcycles-and-more/ 

https://viewlesswings.com/2023/05/30/daniel-ash-on-crafting-the-lyrics-for-love-and-rockets-part-1-interview/ 

https://en.m.wikipedia.org/wiki/So_Alive_(Love_and_Rockets_song) 

https://www.songfacts.com/blog/interviews/daniel-ash-love-and-rockets-bauhaus 

https://www.slicingupeyeballs.com/2023/05/01/daniel-ash-interview-love-and-rockets-reunion-bauhaus-ashes-diamonds/



A SHE IS DEAD É TUDO QUE OS FÃS DE ROCK QUEREM

 Por Juliana Vannucchi

A banda curitibana She Is Dead, surgida há alguns anos atrás como promessa musical, já se consolidou como um dos mais consagrados nomes da história do rock nacional. Em 2020, em seu período embrionário, antes de alcançar o estrelato, a She Is Dead, que se propunha a oferecer ao público um “rock para corações despedaçados”, lançou seu primeiro EP, o “Living In My Hate”, seguido pelo “Forget Our Dreams”. No ano seguinte, um novo passo profissional foi dado e a banda lançou o aclamado álbum “Story Of Lies” e também o elogiável “We Love Reverb”. Por fim, em 2023, a She Is Dead presenteou seu público com o lendário “All The Monsters”, o mais maduro, refinado e experimental de seus trabalhos. Todos os EPs e álbuns foram produzidos por Luís Orta. Atualmente, a formação conta com Mau Carlakoski (vocais e guitarra), Kim Tonieto (baixo e vocais), Maria Scroccaro (guitarra) e Alessandro Santiago (bateria).

De modo geral, em suas apaixonantes músicas, a banda apresenta uma mescla da velocidade e da fúria do punk rock com cargas sentimentais e melancólicas do pós-punk -especialmente nas letras - e boas doses de uma agressividade vocal tipicamente noventista. Nos palcos, o trio sempre mostra uma energia contagiante que lembra os momentos mais gloriosos do Sonic Youth e, assim, facilmente leva a plateia a chacoalhar a cabeça e corresponder com a barulheira excitante feita pelos integrantes da banda. O resultado de todos esses elementos sonoros é um deleite para qualquer fã de rock and roll e a She Is Dead, assim, merece estar na playlist de qualquer apreciador desse gênero musical, para os quais são simplesmente fundamentais. E... se por acaso, seu coração está ferido, pode ter certeza de que o trio, por meio de suas músicas, oferecerá o remédio ideal. Acredite: eles, de fato, têm a receita perfeita para esse tipo de enfermidade. São catárticos, selvagens e por sua competência, convencem fãs e críticos desde que estrearam no mundo do rock. Com certeza devem ser escutados no último volume! 


A banda She Is Dead em sua formação atual.

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