Por: Julina Vannucchi
Uma das grandes e
mais recentes novidades do cenário musical underground foi o lançamento da
faixa “730 Passos ~ 罪と罰”, do “HallecӃ”, projeto solo do músico Thiago Halleck, artista
que se destacou por sua participação nas bandas Gangue Morcego e 1983, através
das quais se firmou como um dos mais notáveis nomes do Pós-Punk nacional. Thiago,
literalmente, é responsável por todos os elementos que compõem a música recentemente
lançada: ele gravou a voz e todos os instrumentos, revelando assim sua habilidade
como multi-instrumentalista. De maneira geral, “730 Passos~ 罪と罰 ” possui uma aura que me faz lembrar do Killing Joke e do
Joy Division, e é como se o trabalho de Thiago fosse uma espécie de fusão
poética original desses dois grandes mitos musicais britânicos. Abaixo, você
confere com exclusividade uma conversa que tivemos com o artista, na qual ele
nos contou muitas coisas interessantes sobre o processo de produção da faixa
inaugural de seu novo projeto solo.
1.
Qual é o significado do nome desse projeto musical?
HallecӃ
vem do meu sobrenome, Halleck. O Ӄ vem do alfabeto cirílico, mas apenas por um
fator estético, não há nenhum motivo em especial. O nome da música vem do livro
Crime e Castigo, do Dostoievski. 730 Passos é a distância que o Raskolnikov
percorre entre a casa dele e a casa da vítima. Os kanjis dizem "tsumi to
batsu", que, em japonês, significa justamente "crime e castigo".
Eu gosto muito das bandas japonesas de visual kei e muitas delas possuem
músicas chamadas Tsumi to Batsu, então esse título foi uma referência dupla: ao
livro que inspirou a letra e às bandas que me inspiram musicalmente.
2.
Como surgiu a ideia de gravar algo sozinho?
Essa
ideia se deve a vários fatores. O pontapé inicial foi com uma banda que eu tive
que começou em 2008 e passou por 3 vocalistas. Substituir um vocalista é sempre
uma aposta muito alta, porque ele representa uma figura muito forte e a
identidade de uma banda está quase sempre subordinada a isso.
Quando a terceira
vocalista daquela banda saiu fora, em 2015, eu já estava de saco cheio daquilo
tudo, além de perceber que tudo sobre a banda já estava extremamente
desgastado. Eu nunca fui um puta cantor e fiquei pensando "se eu cantasse
direito, não precisaria passar por isso nunca mais". Mas, na verdade, tem
muita banda que a gente adora e que os caras não são nenhum prodígio de voz. É
mais uma questão de saber trabalhar bem com as próprias limitações. Quando eu
estabeleci isso na minha cabeça, lá para 2017, o projeto tomou forma na minha
cabeça.
Além
disso, tem o fato de que ter banda é o máximo, mas você acaba esbarrando em
algumas limitações. São 3, 4, 5 interesses de pessoas diferentes para
conciliar. Nem sempre tudo sai como você gostaria, e, por muitas vezes, alguns
planos e idéias precisam ser descartados ou modificados de um jeito que você
pensa "ok, assim é a forma mais democrática e acertada", mas que, lá
no fundo, você também fica pensando "poxa, não gostei disso de
verdade". Fazendo sozinho, há um controle maior do rumo do projeto.
E,
por fim, tem exemplos como o Phil Collins, o Prince, o Stevie Wonder e o David
Grohl, que gravaram discos inteiros sozinhos. Compor, tocar e gravar todos os
instrumentos e vozes é um tremendo exercício musical. Em banda, eu acabo
pensando como baixista, mas, agora, eu também penso como baterista, guitarrista
e vocalista. Isso muda a forma como você entende a música e a forma como você
se relaciona com cada instrumento. Além de tudo, se torna um processo de
autoconhecimento.
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Recentemente, o músico brasileiro Thiago Halleck divulgou a primeira faixa de seu projeto solo. |
3.
Quanto tempo você levou para fazer essa música?
Foi
em 2017. Eu compus a música toda em poucas horas. A letra só veio mais de um
ano depois, enquanto eu relia Crime e Castigo. A gravação deve ter levado algo
em torno de uns dois meses. O baixo eu gravei de primeira, em um take só, e a
bateria eu programei no computador, o que também é algo que eu tenho muita
facilidade em fazer. As guitarras e os vocais, que são os instrumentos que eu
tenho menos domínio, deram mais trabalho, e eu gravei e regravei inúmeras
vezes, até ficar satisfeito. No final, mandei tudo para o Sérgio Filho para
mixar e masterizar.
4.
Pretende lançar mais material? Caso sim, quando?
Agora
que a primeira música saiu, ninguém mais me segura! Já tenho algumas outras
quase prontas, faltando gravar apenas as vozes e mandar para o Sérgio. Também preciso
fechar as artes de cada single, já que também sou eu quem faz essa parte. Sem
datas por enquanto. Um dos propósitos deste projeto é fazer tudo no seu tempo e
sem me estressar.
*Para conhecer a música de estreia da carreira solo de Thiago Halleck, acesse o link abaixo:
*Confira a seguir a letra de 730 Passos~ 罪と罰:
Trago
na alma um desdém raivoso
Passam
objetos fugazes sob o olhar do poente
Praças,
madeira, tijolos, poeira
Um
gosto amargo rola até os meus lábios
É
preciso que haja um lugar para onde ir
Os
olhos cansados, fechados no meio da noite
Esboçam
um quadro medonho, num sonho, o açoite
Isolado
na cela, na gaiola amarela
A
roda da máquina invisível me traga
É
preciso haver um lugar onde haja piedade
Sórdido,
nojento, abjeto
Deslizo
no sangue
Sinistro
projeto
Arrasto-me,
exangue
Um
crime sem pecado
Um
corpo no chão
Um
golpe certeiro assustado
O
eclipse da razão
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