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segunda-feira, 17 de março de 2025

A IMPORTÂNCIA DO BAUHAUS PARA A CONSOLIDAÇÃO DA DARKWAVE

 Por Juliana Vannucchi

O Bauhaus, com sua estética soturna e com suas performances teatrais, historicamente fez parte de um grupo de bandas com certas similaridades, que surgiram na Inglaterra entre o final da década de setenta e início dos anos oitenta, num momento em que o punk rock passava por um ligeiro desgaste, aspecto que serviu justamente como combustível para incendiar a proliferação desses grupos que se aventuraram por novos cenários e experimentos musicais. The Cure, Joy Division e The Sisters Of Mercy são exemplos clássicos dessa onda de bandas com estéticas sombrias que compõe o que alguns categorizam como “dark” e a respeito do qual outros, para desespero da maior parte dos músicos que fazem parte dessas bandas, se referem como “gótico”. Aliás, cabe citar que há artigo do The Guardian que narra um episódio em que Peter Murphy desligou o telefone na cara de um entrevistador quando o jornalista usou a palavra “goth” para se referir ao legado da banda. Siouxsie Sioux, Robert Smith e outros nomes associados a esse termo também o abominam. Rótulos, de fato, costumam limitar as bandas ao enquadrá-las em aspectos muito específicos e realmente, talvez possamos destrinchar as heranças artísticas e culturais de determinados grupos sem que nos prendamos propriamente a classificações - Siouxsie Sioux, por exemplo, numa entrevista concedida à revista Mojo afimrou que categorizar os Banshees é uma forma de diminuir o legado da banda. Numa ocasião, a esse respeito dessa associação entre o Bauhaus e a subcultura gótica, Murphy, bastante aborrecido, desabafou: “Pessoas me fazem perguntas sobre a cena gótica, e eu não tenho ideia do que estão falando. Eu nunca me identifiquei com isso. De vez em quando até subo no palco sem estar vestido de preto”. No entanto, historicamente falando, o Bauhaus, com sua trajetória e características visuais e musicais, ajudou a moldar a subcultura gótica. Inclusive, nesse âmbito, Haskins certa vez declarou: “(…) Quando gravávamos no final sempre tocávamos dub reggae ou algo dos Beatles, como Sgt. Pepper. Quando menciono isso para as pessoas, elas ficam meio surpresas. Então, não estávamos ouvindo música dark, havia muitas influências”. 

 

"Nossa banda sempre esteve interessada em não ser uma banda de 'rock' tradicional" (David J)
 

Com inspirações provenientes do punk rock e de nomes como David Bowie, Kraftwerk e Roxy Music, o Bauhaus foi formado na cidade de Northampton , em 1978 por Kevin Haskins, seu irmão David J, Peter Murphy e Daniel Ash. O nome da banda provem de uma escola artística alemã fundada em 1919. Após se unirem e consolidarem esse formação inicial, os integrantes do Bauhaus experimentaram uma intensa onda de criatividade que os levou a escrever o primeiro álbum, “In The Flat Field”, em apenas dois dias. Desde essa estreia, Peter Murphy se firmou como um dos vocalistas mais singulares dos anos oitenta. A música, no entanto, entrou na sua vida muito antes da formação do Bauhaus, quando ainda era  novo, sendo o piano o primeiro instrumento com o qual se familiarizou. Murphy, o sétimo filho e caçula, cresceu num ambiente no qual a música católica sempre esteve fortemente presente e sob tal influência, o menino cantarolava o dia todo. Numa entrevista concedida ao site Máxima, o frontman revelou um momento profético que viveu a respeito de sua juventude pré-Bauhaus: “Eu tinha 13 anos, ia com os meus pais e a minha irmã mais velha, estávamos de férias. Era noite… e eu estava no banco de trás do carro, com a cabeça pousada no meu braço, e tive uma epifania. Disse à minha mãe: “Mãe, já sei o que vou fazer. Vou ser cantor! Não sei como nem quando, mas vou”.

Enquanto o primeiro álbum foi escrito tão rapidamente, por sua vez, Bela Lugosi, o longo e mais popular single de nove minutos de duração do Bauhaus, demorou pouco mais de um mês para ganhar vida. Nessa faixa, o protagonista é um vampiro. Inevitavelmente, a canção tornou-se um verdadeiro hino para a subcultura gótico, independemente da banda estar ou não esteticamente ligada a tal grupo. Peter Murphy chegou a declarar que essa música foi escrita para ser irônica, mas como sua banda a executou com uma seriedade ingênua, o público a entendeu a partir dessa perspetiva sobrenatural, que flertar com o macabro e se caracteriza por uma sonoridade obscura. Numa entrevista concedida ao portal Vinyl District, Haskins contou a história por trás da composição do sucesso: “Bem, David tinha acabado de se juntar à banda e não tínhamos ensaiado com ele neste momento. Ele ligou para Daniel na noite anterior ao primeiro ensaio e disse a ele que tinha essa letra sobre Bela Lugosi, você sabe, com um tema de vampiros. E Daniel disse, bem, isso é bom porque eu inventei esses acordes assombrosos hoje, então talvez essas duas coisas se juntem bem. Então chegamos ao ensaio, David deu a Peter a folha de letras, Daniel começou a tocar os acordes assombrosos e David começou a procurar por uma linha de baixo. Então eles tinham algo acontecendo, e eu estava pensando, o que eu vou colocar nisso? Aprendi três batidas de bateria quando tive aulas de bateria. Um era uma batida pop, uma era uma batida de jazz e um era uma bossa nova. Então eu pensei em jogar a batida da bossa nova. Então eu joguei isso por 10 minutos e funcionou muito bem. A música realmente se juntou muito rápido. Na verdade, pode até ter sido a primeira revisão em que a forma era como você ouviu no registro. Foi um momento bastante mágico. Então foi assim que surgiu”. 

Além de Bela Lugosi's Dead, inúmeras outras canções também alcançaram imenso sucesso e o Bauhaus permaneceu consolidado com um dos nomes alternativos mais influentes da década de oitenta. A banda abordava temas líricos ligadas a decadência humana, a insanidade, martírio, desejo, desilusão, e aos horrores que tangem a existência humana. Era uma espécie orquestra byronista cuja proposta era disvincular-se de padrões musicais vigentes e arriscar-se em novos terrenos. Ademais, clássicos cinematográficos e literários como Jack Kerouac, Charles Baudelaire, Rimbaud, Oscar Wilde, David Lynch, dentre outros inspiraram muitos registros líricos do grupo. Essas buscas por inovações e pelo afastamento da ortodoxia, também asseguraram à banda um aspecto bastante teatral em suas performances, nas quais a dramaturgia do grupo, visando criar uma aura introspectiva, contava com uma iluminação em preto e branco já que, de acordo com o frontman, "luzes coloridas são para o Natal". Peter Murphy descreveu à Máxima sua impressão acerca do espectro de sua banda, enfatizando a ambição artística e o cunho experimental do Bauhaus: “Éramos muito ligados à Arte. Éramos uma força, carismáticos, não éramos iguais a ninguém… éramos estranhos. Apanhávamos coisas da rua, transformando-as em instrumentos, e isso seria o nosso álbum”. A banda, de fato, se tornou um dos mais consagradados nomes da art rock. Inclusive, nesse âmbito, David J, certa vez explicou: "Nossa banda sempre esteve interessada em não ser uma banda de 'rock' tradicional, e faziamos um grande esforço para evitar esse caminho bem trilhado". Eles chegaram, por exemplo, a compor com base numa técnica surrealista intitulada Exquisite corpse, na qual basicamente estruturava-se uma determinada frase a partir do uso de palavras inusitadas para gerar um resultado não-convencional.

Mas apesar de tantas destaques em sua trajetória, em 1983, com quatro discos de estúdio na bagagem e após se firmar na cena musical inglesa e ver suas músicas se difundindo em outros cantos do mundo, por fim a magia se esgota e o Bauhaus se dissolve: “Acho que foi apenas um choque de egos. Acho que estávamos nos ramificando em direções diferentes”, contou Kevin, acrescentando que divergências estilísticas em relação aos rumos das composições também pesaram significativamente para que essa ruptura ocorresse. Em 1998, os integrantes se reuniram para uma turnê, mas nada floresceu a partir desse encontro. Uma década mais tarde, a banda surpreendentemente lança o "Go Away White" e declara o fim definitivo de sua jornada. Murphy seguiu sua vida musical com uma carreira solo de sucesso. Ash também fez sucesso em seu percusso como músico solo, além de ter liderado o Tones on Tail e o Love And Rockets, que são basicamente ramificações da formação original do Bauhaus.

Referências:

https://www.popmatters.com/115525-bela-lugosis-dead-thirty-years-of-goth-gloom-and-post-post-punk-2496118963.html 

https://www.theguardian.com/music/2011/jun/14/bauhaus-invent-goth

https://www.thevinyldistrict.com/storefront/kevin-haskins-the-tvd-interview/ 

https://www.maxima.pt/atual/amp/eu-sou-um-icone-na-minha-cabeca-de-todas-as-vezes-que-pisei-um-palco-senti-me-assim-conta-a-maxima-peter-murphy

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