Fanzine Brasil

SIOUXSIE SIOUX - SOPROS DE VIDA

Grandes homens, assim como grandes tempos são um material explosivo interior do qual uma força imensa é acumulada (....)

“DISCO DA BANANA”- A OBRA PRIMA IGNORADA

Eu sabia que a música que fazíamos não podia ser ignorada

SEX PISTOLS - UM FENÔMENO SOCIAL

Os Sex Pistols foram uma das bandas de Rock mais influentes da história.

ATÉ O FIM DO MUNDO

Com custos acima de mais dez milhões de dólares, é um filme encantador, artístico, típico das obras de Wim Wenders, realmente, é uma obra fascinante, mais uma certo do diretor alemão.

AFINAL, COMO SURGIU O CINEMA?

Um breve questionamento e historio sobre o assunto.

ATÉ O FIM DO MUNDO

Com custos acima de mais dez milhões de dólares, é um filme encantador, artístico, típico das obras de Wim Wenders, realmente, é uma obra fascinante, mais uma certo do diretor alemão.

WOLF CITY - AMON DUUL II

Wolf City é um dos maiores clássicos do Rock Progressivo. É um álbum que celebra magicamente este gênero musical, e que é foi gravado por artistas imensamente talentosos

sexta-feira, 25 de junho de 2021

PAM HOGG: A MODA COMO CAMINHO PARA A SUBVERSÃO DE VALORES

 Por: Juliana Vannucchi

Ilustrações: Marcelo Badari

O Fanzine Brasil teve o privilégio de conversar com Fernanda Damasceno, talentosa designer e pesquisadora de moda, com Sana Mendonça e Lauren Scheffel,  pesquisadoras e comunicadoras de moda alternativa.  Sana é criadora e autora do site “Moda de Subculturas” (http://www.modadesubculturas.com.br/), do qual Lauren é coautora. Nesse riquíssimo espaço, elaboram e disponibilizam textos diversificados sobre vários aspectos ligados à moda. Um dos materiais mais elogiáveis que o trio elaborou intitula-se “Punk e Fetichismo: Conheça a história da estilista Pam Hogg”. Com bastante segurança, podemos afirmar que esse é o material mais completo em língua portuguesa sobre a fashion designer Pam Hogg, e além de ele possuir um viés biográfico, também oferece precisas leituras sobre o trabalho e a carreira da criativa estilista. Foi através desse rico texto que eu conheci Sana, Fernanda e Lauren. Eu as convidei para uma conversa reflexiva especialmente focada nas produções da Pam, para que elas nos ajudem a conhecer e entender melhor o trabalho dessa subversiva e cultuada estilista escocesa. 

Embora a fashion designer Pam Hogg tenha raízes provindas do universo underground, ao longo do tempo ela, merecidamente, também obteve reconhecimento da grande indústria da moda. Pam sempre foi extremamente autêntica em suas criações e jamais abandonou a ideologia D.I.Y. que, até hoje, está essencialmente presente em suas produções estilísticas. A famosa designer também é autodidata e chegou a declarar que nunca estudou moda e por isso não segue regras específicas, fato que a faz trabalhar de uma maneira livre, espontânea, diferente e em contraponto com as imposições e exigências da grande indústria. Em suas peças são usados materiais bem variados, e suas inspirações são igualmente diversificadas. Todos esses aspectos fazem de Pam Hogg uma das mulheres mais inspiradoras, brilhantes e geniais de nosso tempo. 

Atualmente, além do seu trabalho na moda, ela se mostra engajada em questões políticas e sociais e, inclusive, em mais de uma ocasião, já demonstrou seu inconformismo em relação ao deplorável e medonho governo de Jair Bolsonaro. Em 2020, tive a oportunidade de fazer uma brevíssima entrevista com ela por intermédio do Zine Última Quimera. Quando perguntamos sobre o efeito que seu trabalho pode causar nas pessoas, ela respondeu: “Eu ofereço um jeito de olhar para as coisas e espero que a visão através dos meus olhos ressoe, conecte e inspire (...) Eu me esforço até que seja atingida por um momento de alegria e, assim, sinto que estou dando algo para as pessoas”. 

"Eu ofereço um jeito de olhar para as coisas e espero que a visão através dos meus olhos ressoe, conecte e inspire (...) Eu me esforço até que seja atingida por um momento de alegria e, assim, sinto que estou dando algo para as pessoas”.

SUBCULTURA, INDÚSTRIA DA MODA, ARTE E OUTRAS REFLEXÕES:

1. A primeira pergunta de nosso diálogo é direcionada para as três entrevistadas: gostaria de saber como vocês conheceram a Pam Hogg.

Sana: Não possuo lembrança de um momento específico em que tomei conhecimento da Pam Hogg, provavelmente eu a vi em alguma revista de moda mainstream e, logo depois, passei a acompanhar desfiles e matérias sobre ela pela internet, essa é a lembrança mais antiga que tenho. 

Fernanda: Conheci o trabalho da Pam Hogg em 2015 por meio da modelo e fotógrafa Alice Dellal, que é uma das modelos recorrentes nos desfiles da Hogg.

Lauren: Já faz um bom tempo, foi em alguma matéria sobre a estilista e num veículo de moda internacional, porque na mídia brasileira Pam é pouco conhecida ou comentada.  

2. Qual é o aspecto das produções estilísticas da Pam que mais chama a atenção de vocês? 

Sana: Para mim é a criatividade, o conhecimento técnico em tecidos e modelagem, porque quem costura sabe que não é nada fácil fazer a união de tecidos e a complexidade de recortes que ela apresenta nas peças.

Fernanda: Deixando a estética punk um pouco de lado, diria que a conceitualidade e a criatividade são o que mais atraem minha atenção nas produções da Hogg. Muitas vezes os seus designs extrapolam o utilitarismo, ou seja, o sentido básico do vestuário, adquirindo um lado mais alegórico e performático, cheios de discursos e questionamentos, afinal a moda não é só sobre roupas. 

Lauren: Quando vi pela primeira vez, chamou-me a atenção a estética alternativa de suas peças, inclusive a dela própria. O bom da moda alternativa é que não se tem limite na criação e as pessoas vão usar aquilo que foi apresentado. A Pam usa e abusa disso.

"Pam tem bastante afinidade com a cultura punk, pós-punk, fetichista e o club wear, embora crie coleções a partir de sua própria perspectiva criativa sobre estes grupos". (Sana)

Sana:

FZNBR: Inicialmente, gostaria que você apresentasse o site “Moda de Subculturas” aos nossos leitores. Qual é o objetivo desse espaço e como surgiu a ideia de criá-lo?

Sana: O Moda de Subculturas foi fundado em 2009, a partir de uma comunidade que eu tinha no Orkut desde 2006, chamada “Subculturas e Estilo”. Percebi que não havia um blog no Brasil que abordasse de forma aprofundada a estética usada pelas tribos e subculturas sob a perspectiva de uma bacharela em Moda. Tornou-se assim um blog pioneiro e independente sobre moda alternativa, sua relação com as subculturas, a história da moda e a moda mainstream.  

FZNBR: Sana, você poderia explicar o que significa a palavra “subcultura”?  

Sana: Existe um histórico sobre a palavra ‘subcultura’, mas como toda pesquisadora, escolhi uma linha teórica a partir de autores que considero que fazem uma boa análise da realidade, portanto uso o significado sociológico de subcultura como culturas menores presentes em culturas maiores, possuindo valores, crenças, normas, padrões de comportamento, símbolos e representações que se diferenciam da cultura maior.

FZNBR: Gostaria de saber sua opinião a respeito do último trabalho da Pam, chamado “Will There Be a Mouring/Morning”, realizado no início de 2020. A própria Hogg, aliás, já comentou que esse nome soou um tanto profético, tento a vista a pandemia que nos assolou em 2020...

Sana: Como todos os outros desfiles anteriores dela, eu apreciei muito! Pam Hogg é interessada em questões sociais e se utiliza da visibilidade de seus desfiles para comunicar seus posicionamentos. No primeiro look de “Will There Be a Mouring/Mourning”, ela já manda o recado da coleção: "Não existem direitos humanos num planeta morto". Ao longo da coleção, as características de sua marca estão lá: tule, vinil, chapéus imensos, a união de tecidos diferentes numa mesma peça, o conhecimento técnico. Podemos traçar, sim, um paralelo do desfile com a pandemia, já que esta surge a partir da exploração sem limites do homem sobre a natureza, e podemos a partir da perspectiva brasileira confirmar sua ‘premonição’, visto que os pretos, os pobres e a classe trabalhadora que não possuem o privilégio de ficar em home office têm tido seus direitos humanos negados.

FZNBR: De que maneira Pam Hogg se relaciona com o universo da subcultura? Quais são os principais pontos em comum entre a vida/carreira da estilista escocesa e esse meio?

Sana: Hogg estudou Belas Artes, na década de 1970, quando alguns clubes exigiam que seus frequentadores entrassem apenas se tivessem um visual diferenciado. Para ser aceita, ela usou sua habilidade de criar as próprias roupas e logo estaria vendendo para os amigos que faziam parte da cena alternativa, como ela. Pam tem bastante afinidade com a cultura punk, pós-punk, fetichista e o club wear, embora crie coleções a partir de sua própria perspectiva criativa sobre estes grupos.

Fernanda:

FZNBR: Poderia nos contar um pouco sobre a coleção “Courage”, de 2014, enaltecendo sua relevância social e sua motivação política?

Fernanda: Courage, além de uma coleção, é um manifesto político em apoio à libertação do grupo russo de ativistas Pussy Riot, que teve três de suas integrantes presas e condenadas em 2012, após protestarem em uma catedral de Moscou contra a candidatura do primeiro-ministro à presidência da Rússia, Vladimir Putin. Ao mesmo tempo,  Courage também é uma celebração à coragem e à individualidade, sendo uma homenagem à comunidade gay, que tanto inspira e apoia o trabalho da Hogg. A coleção é permeada de simbolismos, referências e mensagens, como "This collection is not for sale", que certamente a fazem ser uma das coleções mais emblemáticas da carreira da Pam Hogg desfiladas na London Fashion Week. 

FZNBR: Gostaria que você comentasse sobre uma passagem do texto sobre a Pam, em que vocês escreveram: “Para Pam Hogg, não há separação entre moda, música e arte”.

Fernanda: Embora saibamos que sim, há uma separação entre esses campos, para a Hogg essa separação é muito mais sutil, e creio que isso se deva ao fato de que, antes de ser uma designer de moda, cantora e cineasta, ela é uma artista, o que lhe confere mais liberdade e meios para expressar e experimentar sua arte, fazendo essas costuras entre os mais variados campos culturais.

FZNBR: Eu gostaria de saber o que significa “indústria da moda” e se esse conceito se opõe à cena underground. É possível fazer parte de ambos? Ou esse mercado, de alguma maneira, impossibilita a livre criação? A Pam já chegou a declarar que rejeita muita coisa que faz parte da indústria da moda... 

Fernanda: A indústria da moda é um termo bem amplo e complexo que envolve todos os setores e profissionais que estão ligados às atividades econômicas, sociais e de outros cunhos que tenham ligação com a moda. Quando se trabalha, principalmente para grandes empresas e conglomerados, o profissional criativo tem que seguir as demandas do mercado, como se basear em tendências e criar em grande escala de produção, e isso acaba limitando bastante a liberdade criativa de qualquer profissional de qualquer indústria, seja ele da indústria da moda, do cinema, da música ou da arte. Assim é sabido que a indústria da moda precisa urgentemente de mudanças e melhorias em toda sua cadeia de produção, e acredito que nomes de peso da moda, como o da Vivienne Westwood, Stella McCartney, Pam Hogg, entre outros estão levantando suas bandeiras em prol de uma indústria mais ética e justa.
Para quem quiser entender um pouco mais sobre o funcionamento da indústria da moda, eu indico os documentários “The True Cost”, de 2015, “Estou me guardando para quando o carnaval chegar”, de 2019, e a minissérie “Halston”, de 2021, baseada na vida do estilista Halston, que nos permitem visualizar de maneira ampla como funciona o mercado de moda.

FZNBR: Na sua opinião, qual é a principal característica, a grande assinatura das criações da Pam Hogg?

Fernanda: Eu acho que a ousadia e a irreverência em suas criações são definitivamente a sua marca registrada. Essas características que sempre norteiam suas produções vão da diversidade de modelos levada para a passarela da London Fashion Week à explosão de brilho e cor de seus designs.

(...) acredito que nomes de peso da moda, como o da Vivienne Westwood, Stella McCartney, Pam Hogg, entre outros estão levantando suas bandeiras em prol de uma indústria mais ética e justa". (Fernanda)

 

Lauren:

FZNBR:  Tem alguma coleção da Pam em particular que seja a sua favorita?

Lauren: Ui, pergunta difícil! Vou ficar com o desfile que citamos no MdS, o Outono-Inverno 2016. Tem muito preto, vinil, tachas, spikes e os maravilhosos macacões. Mas também gosto muito das peças com mensagens de protesto que vemos com frequência nas suas coleções.

FZNBR: Logo no início do texto que vocês escreveram sobre a Pam Hogg, há uma definição muito boa a respeito dela: “rockstar e rebelde”. Em que sentido, exatamente, ela pode ser considerada uma fashion designer rebelde?

Lauren: Como colocado no mesmo texto: “é uma das poucas estilistas do mundo que produz ela mesma todas as roupas”. É isso! Os estilistas são presos ao mercado. Por ela ser alternativa e criar uma moda nesse segmento, tem a liberdade e a rebeldia de ir contra as regras da indústria. Pam pode fazer a sua coleção sem precisar saber qual será a próxima moda; pelo contrário, ela é quem cria moda.

FZNBR: Você poderia explicar quais são as principais características do estilo punk/fetichista que faz parte da estética da Pam Hogg?

Lauren: O uso de tachas, spikes, telas, amarrações, correntes, vinil, PVC e peças pretas.

FZNBR: Para encerrar, gostaria que você refletisse sobre o que a Pam simboliza para o universo feminino, visto que no site oficial dela consta que um componente marcante em sua trajetória foi a criação de “roupas não convencionais para mulheres confiantes”.

Lauren: Eu diria que o que mais a Pam simboliza no universo feminino é o seu trabalho como artesã, um ofício que a deixou super independente e criativa, algo que deveríamos valorizar demais! Essa é uma forma de sobrevivência que não explora o meio ambiente e nem o ser humano, principalmente a mulher. Hoje em dia, esse tipo de atitude é mais rebelde do que a criação da peça em si, pois praticamente tudo já foi feito na moda.

"O que mais a Pam simboliza no universo feminino é o seu trabalho como artesã, um ofício que a deixou super independente e criativa, algo que deveríamos valorizar demais". (Lauren)


 Sobre as entrevistadas:

Sana Mendonça

Bacharel em Design de Moda, estilista de moda alternativa e produtora de conteúdo sobre moda e história da moda para mídias impressas e digitais. Pesquisa e escreve sobre moda alternativa, tribos e subculturas no blog, na revista e nos zines do Moda de Subculturas. É acadêmica na UFSC, tendo como objeto de estudo a relação entre história, moda e exposições.


 

Fernanda Damasceno

Formada em Design de Moda, sempre que possível dedica-se a pesquisas sobre moda, arte e história. Nos últimos anos, trabalhou com criação, curadoria e produção de moda.


Lauren Scheffel

É produtora de conteúdo para a web. Pesquisa moda e subculturas musicais. Colaboradora do blog Moda de Subculturas desde 2012. Cursou Design de Moda na UCAM e fez extensão em Jornalismo de Moda.


 

Conheça o site Moda de Subcuturas e confira suas redes sociais:

Site: http://modadesubculturas.com.br
Instagram: http://instagram.com/modadesubculturas
Facebook: https://www.facebook.com/pages/Moda-de-Subculturas

Agradecimento especial: 

Marcelo Badari

Para conhecer melhor o trabalho do ilustrador, acesse: 

 https://marcelobadari.com/


domingo, 20 de junho de 2021

RÁDIOS UNDERGROUND: SINTONIZE ESSA IDEIA

Por: Juliana Vannucchi

O Fanzine Brasil, honrosamente, costuma abrir suas portas para diversos músicos, bandas, desenhistas e pintores que compõem a vasta cena underground de nosso país. Hoje, no entanto, o protagonista do site é outro. Estamos aqui para falar sobre as rádios independentes que, aliás, lembremos, são um meio de comunicação simplesmente indispensável e de imenso valor para que o universo underground possa, alguma maneira, poder se sustentar.

A internet inovou as relações humanas e as formas de comunicação em vários aspectos. Uma das mudanças causadas por ela foi que, a partir das diversas ferramentas que disponibiliza, ela permitiu, por exemplo, que o DIY fosse, mais do que nunca, praticado a partir de um leque de possibilidades. Fanzines, álbuns, filmes e várias outras produções autorais se inventaram e se reinventaram nas redes. Ademais, a maior parte dos meios de comunicação mais tradicionais e conhecidos do mundo também migrou para a internet. Dentre esses meios, encontram-se as rádios e, nesse caso, tanto as mais populares quanto as underground - ou independentes, sempre inspiradas no DIY - podem ser encontradas no mundo virtual.

Existem inúmeras web rádios desse gênero que contribuem imensamente para a disseminação da cultura, além de oferecerem espaço e oportunidades para bandas autorais. É importante dizer que elas, de maneira geral, oferecem conteúdos mais enriquecedores do que as rádios grandes e tracionais que, embora tenham seus respectivos valores, estão sempre, de uma maneira ou de outra, atreladas a necessidades e imposições mercadológicas que certamente acabam por colocar limites e regras em muitas iniciativas. A submissão à indústria trava a autonomia. Esse tipo de limitação, contudo, não é um aspecto presente nas alternativas que, embora possam ter suas dificuldades, carregam a liberdade e autogestão como principais elementos constituintes. Em relação aos aspectos que destacam as rádios alternativas das tradicionais, Nilton Vieira, da Rádio Alternativa Rock, reflete: “A principal diferença nossa de uma rádio tradicional é a coragem em colocar para tocar novos sons e novas bandas. As rádios tradicionais, além do medo,  sentem-se inseguras e por isso ficam sempre com a receita de tocar clássicos apenas para não perderem ouvintes e patrocinadores. Nunca trocam o certo pelo “duvidoso”, não saem da zona de conforto. Outra diferença é o amor pela música, pelo rock, as pesquisas que fazemos, sempre procurando algo novo que pode ser revolucionário, surpreendente como foi em épocas passadas. As tradicionais só se preocupam com dinheiro. A liberdade também é outra diferença em relação às tradicionais. Não temos liberdade desorganizada, monta-se um padrão e aí de forma muito organizada fazemos uso da liberdade criativa, da coragem e do novo. Criar, inovar, ousar por aqui é requisito básico. Já nas FMs, esses requisitos podem inclusive atrapalhar o profissional, como já comentei anteriormente, devido ao medo de deixar de ganhar dinheiro, apostando em algo que não é certo “ainda”. Monta-se pelos “velhos” profissionais, principalmente pelos diretores das rádios, esse padrão das FMs errôneo para os dias de hoje e que acabam passando para as próximas gerações de profissionais”.

É também válido destacar que há uma importância imensa na união entre as web rádios. O mutualismo é fortalecedor para toda a cena underground. Sobre esse apoio conjunto, Ricardo Drago, da Mutante Rádio, comenta: “Somos web rádios muito pequenas, mas juntas somos gigantes, podemos fazer muito, temos muitos parceiros em web rádios, trocamos programas, é algo que não tem mais volta, as web rádios vieram para ficar e ampliar a boa música”. Em relação a essa mesma questão, Yuri Braule, criador da web rádio Rock no Pinheiro, declarou ao nosso site: “Acredito que uma cena unida é capaz de tudo, daí a importância que as bandas independentes se unam cada vez mais. A partir do momento em que bandas se unem, públicos se unem e, quanto mais os públicos se unem para conhecer e apoiar bandas novas, mais a cena cresce e fica melhor.

Selecionamos cinco web rádios que adoramos e que indicamos aos nossos leitores. Confira nossa lista, siga as rádios nas redes sociais, escute a programação e apoie esses projetos autorais! 

Rádio Alternativa Rock:

A Rádio Alternativa Rock surgiu em 2015, justamente para fugir da mesmice da maioria das outras rádios rock que só tocavam as mesmas bandas, mesmos sons, sem pensar no futuro do rock, numa renovação necessária para o estilo. Nossa ideia inicial era preencher 50% da programação com músicas de bandas novas, autorais e independentes para incentivar os ouvintes a conhecerem novas bandas e sons. Hoje estamos com 80% da programação só com bandas independentes, o que mostra que a cena independente tem crescido muito, e o mais importante, com muita qualidade e competência. Sons cada vez mais de primeira qualidade e que poderiam tranquilamente tocar em qualquer rádio. 
 
 

Acesse: https://www.radioalternativarock.com/

Web Rádio Resistência:
 
A Web Rádio Resistência tem o intuito de divulgar produções fonográficas brasileiras. É gerenciada pelo "Coletivo Resistência Sobral - CE", que marca presença também no YouTube e no Spotify, utilizando essas duas plataformas para apoiar bandas nacionais e disseminar cultura. A WRR recebe materiais de bandas independentes e possui uma programação rica e diversificada. 
 


Acesse: https://heylink.me/resistencia/

Mutante Rádio:


A Mutante Rádio nasceu em abril de 2016, são cinco anos tocando música independente / alternativa / underground. A Mutante é um grupo de amigos que foi se ampliando, um convidando o outro, e hoje é realmente uma grande família. Seus programas abrangem quase todos os gêneros, do metal ao ska, do indie ao punk rock, do folk ao mais obscuro underground!
 
Somos mais de 100 Mutantes, espalhados pelo Brasil todo. Temos Mutante em Londres, em Portugal, em Buenos Aires e na Alemanha. Tentamos ser um espaço onde aquela banda que gravou sua primeira canção sabe que vai ser ouvida. Temos uma série de programas chamada DEZGOVERNADOZ, que vai ao ar todos os dias, de segunda a segunda, tocando só música independente / alternativa / underground. Para sua música tocar nesse programa, é só enviar um e-mail com sua MP3, teremos o maior prazer em tocar suas canções. Nossa visão de web rádios é a mais simples possível, se você estiver ouvindo a Mutante, se você estiver ouvindo a Frida Rock de Porto Alegre, a Resistência do Interior do Ceará ou ouvindo a Indie Go, nossa parceira na Argentina, você indiretamente vai estar ouvindo a Mutante e vice-versa. Para nós, se você ouve uma web rádio, você está ajudando a transformar cada vez mais a música em algo incrivelmente democrático, principalmente nos dias de hoje.
 
 
Acesse: https://www.mutanteradio.com/
 


Rock no Pinheiro:

O Rock no Pinheiro foi fundado no dia 13 de janeiro de 2020 e a princípio começou como um projeto de TCC na pós-graduação de Jornalismo 4.0. O intuito foi falar sobre o rock em Curitiba e Região Metropolitana através das redes sociais e de seu podcast, dando assim uma visibilidade para o gênero na região.
 
Após a apresentação final e a grata surpresa do projeto ter recebido nota 10 na banca, o Rock no Pinheiro seguiu adiante, sempre trazendo os "pinheiristas" junto consigo e buscando falar sobre os shows (quando havia), as lives, os lançamentos e tudo que envolvesse o rock na região. Além disso, com o nosso podcast, podemos entrevistar diversos artistas, donos de bares, produtores, imprensa e fãs para falar sobre o contexto do rock em vários assuntos, como as mídias voltadas para o gênero, a perspectiva das bandas e o que mudou no meio musical com essa pandemia.

Em outubro de 2020, o Rock no Pinheiro recebeu o convite da Gralha azul FM para trazer o primeiro programa de rádio voltado para o rock na história de Araucária/PR, estreando assim no dia 26 do mesmo mês.

Agora, o Rock no Pinheiro é um programa que acontece de segunda a sexta, das 22h às 0h, na 87,9 FM de Araucária e também sendo transmitido em gralhaazulfm.com.br e no aplicativo para Android da Gralha azul FM.

Em nossa programação, trazemos notícias voltadas para o rock, os principais lançamentos e entrevistas com diversos músicos e bandas, além de dedicar pelo menos um terço da programação do dia para o rock independente, conhecido no programa como "bandas pinheiristas".
 
 

 Acesse: https://linktr.ee/rocknopinheiro


Nosso Rock:
 

O Nosso Rock é um projeto universitário que visa apoiar, valorizar e dar voz à cena underground nacional. Muito além de abrir espaço para as bandas do cenário underground, o programa propõe um bate-papo sobre temas importantes desse local. Cada episódio conta com um tema para debate, assim, os artistas que participam podem expor suas ideias e, dessa forma, ajudar na construção de uma cena melhor e igualitária.


Acesse: https://www.uninter.com/radioweb/
 


sábado, 12 de junho de 2021

ELE TOCOU EM 72% DAS BANDAS QUE VOCÊ GOSTA: UM PAPO COM JAMES STEVENSON

 Por: Juliana Vannucchi e Camilo Nascimento

O próprio James Stevenson brinca que tocou em 72% de todas as bandas do mundo. O número pode não ser tão preciso, mas uma coisa é absolutamente certa: ele já passou, de fato, por algumas das melhores bandas do planeta. Já dividiu o palco, por exemplo, com o The Cult, com o X-Generation, com o Chelsea, com o icônico Tony Visconti, gravou e se apresentou com a banda Gene Loves Jezebel, e fez muita mais do que isso. Mandamos 11 perguntas para ele e agora compartilhamos com vocês o resultado desse super bate-papo!

1. Quando você começou a tocar guitarra? Você sempre quis fazer da música um ofício?

Meu melhor amigo na escola comprou uma guitarra elétrica quando tínhamos 14 anos e insistiu que eu comprasse uma também para que pudéssemos formar uma banda juntos. Desde então eu queria tocar em bandas.

2. Você poderia nos contar como foram os primórdios do punk rock? Você se considerava parte desse movimento?

Com certeza. Eu entrei para o Chelsea em março de 77 - foi quando o punk estava no seu auge.

3. Você já veio ao Brasil? Conhece músicas e/ou bandas brasileiras?


Sim, eu já fui ao Brasil para tocar com as bandas Gene Loves Jezebel e The Cult.

4. Qual é o seu modelo de guitarra favorito hoje em dia? Tem preferência por algum amplificador?

Sempre toquei Les Pauls e provavelmente sempre tocarei, embora recentemente tenha sido feita para mim uma guitarra de alumínio que adoro! Em relação aos amplificadores, eu usei amplificadores Marshall.

5. Você já tocou com grandes bandas como X-Generation, The Cult, Gene Loves Jezebel, etc. Qual foi o maior desafio da sua prolífica carreira musical?

Provavelmente quando eu tive que voar para os EUA para me juntar ao GLJ, quando o guitarrista da banda os deixou repentinamente justo no início da sua primeira turnê que fizeram nos EUA. Eu nunca tinha ouvido a música deles antes disso. 

 

Segundo Stevenson, o mundo não voltará a ser o mesmo após a pandemia

 

6. De todos os álbuns que você já gravou, qual é o seu favorito e por que as pessoas deveriam ouvi-lo?

Bom, estou muito orgulhoso do meu novo álbum solo, o The Other Side Of The World - mas provavelmente Heavenly Bodies do Gene Loves Jezebel. Eu amo esse disco.

7. Qual foi o show mais memorável que você já fez na vida?


Foi quando o Gene Loves Jezebel esteve com o David Bowie no Milton Keynes.

8. Como você descreve o lendário Ian Astbury? Somos muito fãs do The Cult!


O Ian é um personagem e tanto - ele pode ser muito engraçado. Além disso, é um frontman incrível também - e um ótimo cantor.

9. Qual é a melhor memória que você tem dos momentos com a banda Gene Loves Jazebel?

Provavelmente quando gravamos nosso quarto álbum, o The House Of Dolls num estúdio localizado no interior da Inglaterra chamado The manor - foi lindo lá.

 

O que Stevenson faria se encontrasse uma máquina do tempo? Continue lendo para descobrir!

10. No momento o mundo está vivendo um período muito peculiar e esquisito. Como você acha que serão as coisas depois de tudo isso que estamos enfrentando?

Eu acho que o mundo nunca voltará a ser exatamente o mesmo de antes.

11. Se você tivesse uma máquina do tempo e pudesse voltar ao passado, que momento gostaria de reviver?


Eu provavelmente voltaria para a escola e prestaria mais atenção nas aulas para poder aprender alguma coisa!





quinta-feira, 10 de junho de 2021

THE MUMMIES: UMA LENDA... VIDA (?)

 Por: Camilo Alves Nascimento

Existem bandas de rock, e existem lendas. O The Mummies é uma lenda do rock. Eles surgiram em 1988, na cidade de San Bruno, com Larry Winther na guitarra, Maz Kattuah no baixo, Trent Ruane nos teclados e tocando sax e Russell como baterista. A principal marca da banda era o fato de todos os integrantes tocarem vestidos de múmias e, devido a isso, um clima de mistério fez parte do grupo, já que ninguém sabia quem eram os integrantes. O que se sabia, porém, é que eles tocavam em troca de cerveja e gasolina e criaram o slogan “Fuck CDs”. 

Avesso a tudo que é tecnologia e ao sucesso, sumiram dos palcos e do cenário musical desde 1994. Dizem que os integrantes da banda tinham feito um pacto entre eles, segundo o qual assim que uma grande gravadora oferecesse um contrato, eles acabariam com o grupo. E foi o que aconteceu...

 

O The Mummies surgiu em 1988 e lançou apenas um álbum de estúdio.
 

O The Mummies ficou conhecido por gravar vários singles, sempre usando em seus lançamentos o formato de disco de vinil em pleno ápice do CD, demonstrando o quanto a banda odiava o MP3 e qualquer coisa que fosse digital. Seu único álbum ao vivo foi gravado durante uma festa na casa do guitarrista. Assim que fecharam o tão famigerado acordo com a gravadora e devido às pressões da mesma para lançarem um álbum e deixarem os singles do lado, a reação não poderia ser outra: pegaram todos os singles, um gravador e um toca-discos e, num admirável ato de rebeldia, eles próprios gravaram a reprodução dos seus singles e enviaram para a gravadora, dando origem à compilação “The Mummies: Play Their Own Records! (1992)”.

 

O The Mummies é uma daquelas bandas admiradas pelos fanáticos por rock

 

Misturando um som sujo, curto e pesado, criando um mix de pós-punk, garage e cultura trash, eles denominam seu estilo como “budget rock".

Em 2002, a gravadora quis relançar em CD uma coletânea com suas músicas, e a banda aceitou a proposta, mas não digitalizou o som e o deixou pior ainda. Nessa mesma época, no site oficial do grupo, havia um comunicado dizendo, entre outras coisas: "Ok, não iremos mentir pra vocês, nós precisamos de dinheiro...”. 

O The Mummies é uma daquelas bandas admiradas pelos fanáticos por rock, uma das lendas que fazem o rock ter mais sentido.

 

Uma das bandas mais autênticas da história do rock and roll


 

domingo, 6 de junho de 2021

MINHA ALMA, MINHA VIDA É O PUNK ROCK DE CORAÇÃO!

 O punk rock é uma espécie de linguagem universal capaz de engrandecer qualquer indivíduo.

Por: Juliana Vannucchi

Durante meados dos anos setenta, o mundo se deparou com o embrião e o desenvolvimento de uma expressão cultural provinda dos subúrbios de Nova York e de Londres: o punk rock. Essa manifestação iniciou-se na música, mas posteriormente adquiriu um caráter cultural mais amplo, fazendo-se presente também na moda, no cinema, em ideologias de cunho político e social e em outros elementos, tornando-se, com o passar do tempo, uma verdadeira filosofia de vida. Desde que o punk rock surgiu, inúmeras especulações e diversos estudos a seu respeito têm sido desenvolvidos. Ao longo do tempo, também surgiram produções cinematográficas (filmes e documentários) e livros a respeito do assunto que, de certa forma, tornou-se uma inesgotável fonte de reflexões, discussões e críticas.

De maneira geral, podemos dizer que o movimento punk foi arquitetado por jovens inquietos que deram início a um novo gênero musical e que criariam um comportamento que sobreviveria durante décadas, superando tempo e espaço, e que se serviria como inspiração para pessoas nos quatro cantos do mundo. Mas quando formularam as bases do movimento, esses referidos personagens, que em parte, um dia se tornariam nomes mundialmente conhecidos, não se encontravam numa situação de vida muito favorável. Eles viviam situações de vida dramáticas e repletas de desesperança... Não podiam nem ao menos ser sonhadores, pois, de alguma maneira, sentiam-se oprimidos pelo sistema econômico, político e social do período em que viviam. Especificamente em Londres, uma cidade marcante para a história do punk, as taxas de desemprego e de inflação estavam altas na década de setenta e não havia muita esperança de progresso e melhorias futuras. Dessa forma, considerando tal contexto, grande parte das letras que os punks desse período elaboravam eram baseadas em suas perspectivas de realidade social e problemas urbanos, além de certa dose de sentimentalismo, desespero e agressividade, ingredientes que foram somados a uma considerável porção de barulho. O punk rock desde os primórdios foi, em suma, um verdadeiro incentivo à revolta, uma chamada às transformações (sociais, subjetivas, musicais, estilísticas etc.) e uma retrato autêntico de inquietações e espantos para com um mundo exterior defeituoso, incerto e problemático. Eis o punk, em suas profundezas, um verdadeiro grito de coragem e de liberdade!

A seguir, o leitor poderá desfrutar de uma breve análise histórica, ideológica, reflexiva e musical sobre o punk rock. Entretanto, mais do que se deparar com linhas que descrevem esse universo sob tais perspectivas, esperamos que o leitor possa também mergulhar nas essências ideológicas que impulsionaram e guiaram o surgimento do movimento subversivo e que ajudaram a moldar seu espírito.

“CAMINHE DO LADO SELVAGEM” (Lou Reed)

Como tudo começou?

Grande parte dos primeiros músicos que deram vida ao punk rock eram provindos da massa, sendo muitos deles, conforme já antecipamos, residentes dos subúrbios. Geralmente, possuíam influências ideológicas e musicais de grandes e perigosos visionários da época, como David Bowie, Iggy Pop, Lou Reed, New York Dolls, T-Rex, The Velvet Underground, The Stooges e outros músicos e bandas que, por intermédio de seus conteúdos líricos, sonoros e atitudes, estavam dissolvendo normas impostas e propondo inovações. Esses e vários outros artistas compõem o que hoje, se traçarmos uma linha do tempo na história do rock and roll, podemos entender por “protopunk”, isto é, um movimento musical, comportamental e ideológico que antecedeu a manifestação e o surgimento do punk rock. 

O conteúdo das letras desses músicos mencionados proclamava suas paixões, pensamentos e sentimentos através de uma linguagem subversiva que visava ser essencialmente livre e, justamente por isso, muitas vezes tais artistas abordavam personagens e temas tipicamente rejeitados socialmente e moralmente, tais como prostitutas, drogas, vício, viciados, sexo e qualquer outro tipo de temática que pudesse perturbar alguns indivíduos, tirando-os de sua zona de conforto.

O norte-americano Richard Hell, um dos pioneiros do punk rock, em uma de suas letras mais icônicas, dizia fazer parte de uma “geração oca” (“Blank Generation”). A música se tornou um hino que parecia ironizar as críticas feitas à sua geração.  Por outro lado, David Bowie, até o início dos anos 70, continuava ditando suas próprias regras e confundindo críticos e fãs com suas incessantes e criativas metamorfoses. Iggy Pop era um rebelde sangrento capaz de tornar qualquer ambiente harmônico no espaço mais caótico possível. O Velvet Underground lançou um álbum cuja capa possuía uma banana desenhada em um fundo branco e teve o mundo das drogas como protagonista da temática do disco. Algo de estranho estava acontecendo e os futuros punks estavam adorando essa onda de esquisitice, talento e fuga do estabelishment! 

Como embrião e prelúdio do punk, alguns desses artistas do protopunk, no início, eram praticamente outsiders da cena musical, pois se encontravam à margem do que geralmente agradava a grande mídia. Porém, a atenção da imprensa voltou-se a eles (embora com certo desprezo) no momento em que esses artistas começaram a se desvincular de padrões de pensamento e a tomar atitudes tidas como extravagantes, as quais estavam visivelmente distantes de tradicionalismos vigentes. Esse natural afastamento do habitual e o desapego de clichês iriam inspirar fortemente os primeiros artistas e todo o espírito autêntico do punk rock.

REVOLUÇÃO NOS ANOS 70: O PUNK ENTRA EM CENA E SE ETERNIZA

O punk rock, em suma, surgiu nos subúrbios e nos ambientes undergrounds de Nova York (EUA) e de Londres (Inglaterra). Na primeira cidade, seu berço foi especialmente o consagrado C.B.G.B, e na segunda talvez o principal cenário tenha sido o caloroso 100 Club. Em qual dos dois locais houve, de fato, a primeira manifestação? Há bastante controvérsia sobre isso, especialmente pelo fato de que bandas de protopunk dos dois países (como o The Sooges, MC5 e Richard Hell nos EUA, e David Bowie e T-Rex na Inglaterra) já sinalizavam alguns traços que seriam parte essencial do punk rock.

O fato é que houve um momento em que, de certa forma, o protopunk se “deteriorou” e então os punks conquistaram de vez o seu espaço. Assim como esses seus antecessores, eles pareciam recusar as construções sonoras presentes na atmosfera daquela época, especialmente as que vinham do rock progressivo e do hard rock. Estavam cansados de mesmices e complicações desses dois gêneros musicais. As letras do rock progressivo divagavam demais, eram cheias de criaturas míticas, de mensagens simbólicas e idealizações. No documentário “Punk: Attitude”, Legs McNeil, da Punk Magazine, reclama que muita gente já estava exausta dos solos prolongados do Deep Purple. Assim sendo, os novos músicos que estavam surgindo buscavam desvincular-se de tradicionalismos e construir algo diferente, seja lá o que significasse “diferente”. Eles tinham espaço para isso, os locais underground, e então decidiram tentar. Não havia a menor necessidade de ser um gênio musical, pois o rock não era mais elitizado. O importante é que estavam sendo acolhidos e escrevendo suas aventuras de maneira autônoma. Em suas letras, podiam ser engajados social e politicamente ou fazer qualquer tipo de rima e preenchê-la com barulho. Podiam tocar músicas muito curtas ou mais longas (eram permitidos três acordes ou refinamento). Tratava-se, em suma, de ser livre.


Chateados, rejeitados, enganados, manipulados e ignorados – isso é o que sente a juventude britânica (…)”. (SANTOS, p. 20, 1985).

“DO IT YOURSELF”

Quando o punk rock surgiu, não era necessário ser um gênio musical para criar música. Tampouco era preciso ter qualquer tipo de aprovação por parte da imprensa ou do público. E é justamente nessas circunstâncias e nessa ideologia de independência que surgiu a retomada de uma atitude denominada “DO IT YOURSELF”, ou, em português, “faça você mesmo”. É importante esclarecer que tal termo, historicamente, existia desde a década de cinquenta e, conforme dito acima, foi apenas retomado e adaptado pelo punk rock.

 

"Zine DF Caos", produzida por Ulixo
 

No contexto geral, o “DIY” estava diretamente relacionado com uma atitude (individualista e/ou coletiva) pautada na capacidade de se buscar concretizações para quaisquer objetivos. Portanto, sob esse ponto de vista, não é preciso se esperar algo de outrem, deve-se agir por conta própria e, dessa forma, o DIY era uma atitude encorajadora e motivadora, que propunha competência e capacitação. Além do que diz respeito à produção musical, outra expressão do DIY que marcou o cenário do movimento punk foram os fanzines, revistas alternativas e independentes elaboradas por pessoas que acompanhavam o desenvolvimento do punk rock, sendo que uma das principais representantes era a Sniffin’ Glue. As edições dessas revistas eram inteiramente executadas por seus próprios criadores e não contavam com terceirização ou qualquer outra intervenção externa. Eram meios de comunicação de cunho cultural, notavelmente eficientes para os admiradores do movimento. As edições dispunham de informações sobre bandas, shows, além de poesias e outros tipos de artigos: “Os fanzines, especialmente o Sniffin’ Glue, espalhavam ética/estética punk por toda a cidade. Nesses fanzines podiam-se ler coisas como: “Chateados, rejeitados, enganados, manipulados e ignorados – isso é o que sente a juventude britânica (…)”. (SANTOS, p. 20, 1985).

O “Do It Yourself” existe até os dias de hoje e pode ser aplicado nas mais diversas situações ou áreas: estudar por conta própria, produzir suas próprias vestimentas, gravar músicas sem depender de agentes externos, arquitetar um ambiente, decorar uma casa, elaborar um festival, enfim, fazer qualquer coisa possível de maneira independente, por si mesmo. Em nosso próprio país, temos um exemplo vivo do DIY: o Woodgothic Festival, que acontece periodicamente em São Tomé das Letras (Minas Gerais), sob planejamento, organização e idealização de Zaf e Karolina, membros da banda Escarlatina Obsessiva. Conforme comentaram os idealizadores: “A principal característica que torna o Woodgothic um evento DIY é que fazemos tudo sozinhos; nessa última edição tivemos inclusive que construir bilheteria, bar e instalar toda a fiação que iluminou a entrada do evento; três dias antes de o festival acontecer, estávamos lá, martelando, serrando e subindo em árvores para passar o fio elétrico. Fora todo o resto, desde falar com as bandas/DJs, contratar a equipe de som, os seguranças, o pessoal da cozinha, defender-nos dos ataques políticos da administração política local, na Câmara Municipal da cidade (risos) que aconteceu nessa última edição, quando nos impediram de realizar o Festival no Centro de Eventos, e tudo mais que você possa imaginar”. Karolina complementou dizendo que outro notável fator que caracteriza o evento com o DIY é que não recebem nenhum apoio financeiro para realizar o festival e ainda pedem ao público que leve, além dos ingressos, 1kg de alimento que é doado à Associação Viva Criança de São Thomé. Perguntei se incentivam outras pessoas a praticarem o DIY, e a resposta dos músicos foi: “Sim, claro, tem muita gente por aí que poderia organizar algo legal, mas não faz achando que seria impossível, e que precisa disso e daquilo…”.

 

A postura ideológica e a estética do punk exploravam a agressividade e transpunham em seus conteúdos uma notável expressão de insatisfação, descrença e cansaço perante a existência (...)
 

A LIBERDADE COMO COMPONENTE ESSENCIAL DO “ESPÍRITO PUNK”

A mensagem dessas novas bandas era, em geral, de raiva, frustração e alienação. Todas imprimiam em suas músicas um sentimento de urgência em transformações”. (SANTOS, p.23, 1985).

E, afinal, o que significa “ser punk”? Se considerarmos que existem divergências ideológicas e estéticas e que não existe um padrão único e fechado que defina o punk rock, podemos, ainda assim, encontrar uma característica essencialmente comum a todas essas diferenças? Provavelmente, sim, muito embora as respostas para essa essência possam ser diversificadas, partindo de subjetivismos. Contudo, se analisarmos a história do punk rock, podemos encontrar um fundamento que sempre, de alguma maneira,  mostrou-se presente em seu núcleo: a liberdade. E essa liberdade dialogou variadamente com diversos artistas, punks e apreciadores do movimento. As mulheres, por exemplo, puderam, mais do que nunca, estar em cima dos palcos e se expressar através da música. Não que antes não houvesse mulheres em meio ao rock and roll, mas certamente o punk rock as acolheu e lhes deu um espaço significativo, afinal, foi em meio a esse cenário que surgiram nomes como Siouxsie Sioux, Lydia Lunch, Poly Styrene, Lora Logic, as garotas do The Slits e Patti Smith, algumas das crias dos primeiros “points undergrounds”, tanto da Europa quanto nos EUA. Perceba: essas grandes lendas – e tantas outras – do rock provavelmente não teriam encontrado seu espaço se não fosse pelo punk rock!

 

Girl poweeerr!

Além da forte presença feminina em bandas punks, houve também a liberdade de se construir a música de maneira mais simplificada, pois, de certa forma, o punk foi a “ressaca” do rock progressivo, uma vez que ao menos em partes entrou em cena como uma resposta ao exagero maçante de construção sonora do progressivo, além de os punks defenderem a ideia do “do it yourself”, o “faça você mesmo”, segundo a qual qualquer um pode ser músico, basta tocar um instrumento, escrever uma letra e então se expressar. Não é necessário solar na guitarra com os olhos vendados e/ou buscar a harmonia ideal em cada uma das notas, mas sim tocar as notas conforme a alma dita, sendo que isso não exige, necessariamente, sofisticação técnica. E ressalte-se que a ausência de sofisticação exacerbada não implica (ao menos não fatidicamente) um empobrecimento musical. O rock progressvio, tão forte e presente na Inglaterra, já estava cansando ouvintes e críticos. Paul Cook, um dos lendários membros do Sex Pistols, certa vez vestiu uma camiseta na qual havia uma frase em inglês cuja tradução é: “Eu odeio o Pink Floyd”, mostrando a insatisfação dele e de muitas outras pessoas em relação a esse gênero que vivia um momento de desgaste. Nesse sentido, é importante estarmos cientes de que uma das características históricas do rock é a reciclagem, isto é, a criação e a inserção de algo novo no mercado. Ora, foi o que esse movimento fez em relação ao progressivo.

O punk rock surgiu diretamente do universo underground que, principalmente em suas raízes, era menosprezado pela imprensa cujos interesses eram essencialmente mercadológicos. Com o passar do tempo, isso mudou, e os meios de comunicação voltaram-se ao punk rock, embora sempre com o claro interesse de apresentá-lo sob uma ótica absolutamente precipitada, que descaracteriza seu pano de fundo cultural e inovador, para, ao invés disso, enaltecer a violência física, como se o punk pudesse ser reduzido a tal aspecto.

A postura ideológica e a estética do punk exploravam a agressividade e transpunham em seus conteúdos uma notável expressão de insatisfação, descrença e cansaço perante a existência, aspectos que fazem com que os primeiros punks possam ser identificados por uma postura um tanto niilista. Consequentemente, considerando tais traços, pode-se perceber que esse gênero musical, em certa medida, retomou a postura rebelde das raízes do rock and roll. Conforme menciona Santos: “O punk-rock era uma retomada do significado e função original do rock and roll. Era a revolta contra a pasteurização da rebeldia e acomodação do rock, que lentamente havia se transformado num “divertimento leve”, super produzido, longe da vida e da rua”. (p.23, 1985).

Conforme citamos, essa aura de rebeldia, presente tanto no punk quanto no rock, sempre possuiu um ingrediente especial: a liberdade. Tal elemento, que tange a história do punk rock, pode ser sintetizado por estas palavras que, certa vez, foram proferidas por Sid Vicious, um dos maiores representantes e ícones do referido movimento cultural: “Eu faço o que gosto e o que importa é isso. Se ninguém neste planeta gosta do que faço, não reclamo (…).” O músico prosseguiu com a reflexão: “(…) o essencial é que fazemos o que queremos (…) “Se você faz alguma coisa, deve fazer porque gosta, e não por dinheiro. (p.40, 1985).

De alguma maneira, portanto, a ideia de liberdade sempre caminhou ao lado do punk, que abriu espaço e incentivou pensamentos e práticas que capacitavam a autenticidade do indivíduo, pois de repente, como vimos, mulheres, por exemplo, podiam cantar, tocar instrumentos e até mesmo liderar uma banda. As pessoas podiam realizar seus próprios feitos a partir de si mesmas, sem necessariamente ter alguma dependência externa (“DIY”) e, claro, houve uma modificação na construção musical, que se tornou relativamente e voluntariamente simplificada e que rompeu com os efeitos musicais e a tradição sonora pertencentes ao rock progressivo. Dessa forma, qualquer um passou a ter capacidade de compor e criar uma banda (esse, aliás, foi um grande incentivo herdado pelo punk rock – não se aflija, pegue sua guitarra, escreva seus pensamentos num papel e tente esboçar e/ou gravar algo). Ademais, havia um estímulo para que as pessoas rompessem com tradições vigentes (morais, culturais, artísticas, profissionais etc.) que não fossem satisfatórias. Podia-se construir a si próprio, ser gestor de si, além de refutar, criticar, reprovar e até mesmo abdicar do sistema e instituições em vigor.

PUNK IS NOT DEAD – AND IT WILL NEVER BE!

Ao longo do tempo de sua existência, o punk, em suas diversas formas de manifestação (sejam elas ideológicas e/ou musicais), significou uma verdadeira ruptura com tradições vigentes, e as consequências desse abandono para com aquilo que era corrente, culminou em transformações estilísticas (musicais, na moda e, enfim, na arte, em geral) e comportamentais (em grupo ou individualmente). A história que foi escrita pelo punk rock permanece viva e é atemporal. Mesmo que os traços dessa cultura e seus aspectos não sejam de interesse dos grandes meios de comunicação, ainda assim, de alguma maneira, o movimento punk encontrará seu espaço e estará sempre vivo para inspirar e influenciar indivíduos de todo o planeta, independentemente de suas divergências sócio-culturais, pois o punk rock foi e ainda é, em essência, um incentivo à capacidade individual ou coletiva e um manifesto pelo fortalecimento da autenticidade, pautada num incentivo à prática da refutação e das rupturas com qualquer tipo de situação vigente.

Certamente haveria muito mais conteúdo para se explorar neste texto. Prova disso é a quantidade de livros, filmes, documentários, pesquisas, palestras e afins, cuja abordagem temática é o punk rock. No entanto, encerraremos nossa abordagem por aqui, lembrando os leitores de que O PUNK ESTÁ VIVO. 


O punk rock é uma espécie de linguagem universal capaz de engrandecer qualquer indivíduo

O QUE O PUNK ROCK NOS ENSINA?

A pergunta acima é instigante e possibilita incontáveis respostas e caminhos reflexivos. O punk rock é uma espécie de linguagem universal capaz de engrandecer qualquer indivíduo. Dentre  tantas lições que podemos extrair do universo punk, vamos mencionar quatro aspectos:

Faça você mesmo: não dependa de terceiros, tente, crie, ouse e arrisque. Não se preocupe tanto com o resultado, mas foque especialmente no processo criativo. Faça sua própria roupa, revista ou música do jeito que quiser e se não der certo, não tem problema. Concretize suas ideias.

Reciprocidade: o punk também nos ensina a apoiar projetos alheios, afastando-nos assim de qualquer forma de egoísmo e mesquinharia. Colabore, respeite, valorize e ajude projetos independentes, fortalecendo assim a cena autoral. Dialogue, troque, una-se a alguém e progridam juntos. Tenha com quem contar, alimente essa reciprocidade.

Segurança: o punk pode nos tornar pessoas mais seguras, mas fortalecidas, corajosas e mais preparadas para sermos aquilo que queremos ser e para termos voz ativa na sociedade.

Senso crítico: também nos incentiva a ter o tão indispensável senso crítico, que nos faz filtrar e questionar as informações recebidas ao invés de simplesmente aceitar tudo o que nos é despejado. Questione sempre, questione tudo, pergunte algo antes de simplesmente absorver aquilo que lhe é transmitido.

Referências bibliográficas:

SANTOS, Hugo. Sid Vicious. São Paulo: Brasiliense, 1985.

BIVAR, Antônio. O que é Punk. São Paulo: Brasiliense, 2001.

*Texto adaptado de publicação feita em: www.acervofilosofico.com.br

 AGRADECIMENTOS:

*O título do texto é uma referência e uma menção honrosa à banda "Os Maltrapilhos", uma das maiores lendas do punk rock brasileiro e um dos grupos que melhor representa o espírito punk. A frase foi retirada da faixa "Punk Rock Nacional".

Instagram: @osmaltrapilhos

Escute a música "Punk Rock Nacional": https://www.youtube.com/watch?v=TbCeHcbqzgA

*Todas as ilustrações utilizadas nesta matéria são criações originais de Ulixo, criador do fanzine "Zine DF Caos", um dos zines mais autênticos e elogiáveis do país.

Instagram: @musicpunk1977


"Do wanna you wanna do and fuck everyone else". - Siouxsie Sioux.






 

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