Fanzine Brasil

SIOUXSIE SIOUX - SOPROS DE VIDA

Grandes homens, assim como grandes tempos são um material explosivo interior do qual uma força imensa é acumulada (....)

“DISCO DA BANANA”- A OBRA PRIMA IGNORADA

Eu sabia que a música que fazíamos não podia ser ignorada

SEX PISTOLS - UM FENÔMENO SOCIAL

Os Sex Pistols foram uma das bandas de Rock mais influentes da história.

ATÉ O FIM DO MUNDO

Com custos acima de mais dez milhões de dólares, é um filme encantador, artístico, típico das obras de Wim Wenders, realmente, é uma obra fascinante, mais uma certo do diretor alemão.

AFINAL, COMO SURGIU O CINEMA?

Um breve questionamento e historio sobre o assunto.

ATÉ O FIM DO MUNDO

Com custos acima de mais dez milhões de dólares, é um filme encantador, artístico, típico das obras de Wim Wenders, realmente, é uma obra fascinante, mais uma certo do diretor alemão.

WOLF CITY - AMON DUUL II

Wolf City é um dos maiores clássicos do Rock Progressivo. É um álbum que celebra magicamente este gênero musical, e que é foi gravado por artistas imensamente talentosos

sábado, 27 de maio de 2023

27/05: SIOUXSIE SIOUX

Por Juliana Vannucchi

Este aniversário de Siouxsie Sioux é particularmente especial, uma vez que acontece justamente no ano e no mês em que a cantora retomou as turnês, voltando aos palcos após uma década. Ao longo desse período de inatividade, Siouxsie silenciou-se, teve uma vida reservada e manteve-se distante dos holofotes. A maior parte dos fãs certamente não acreditava numa volta da cantora, mas a vida, sabemos, é repleta de imprevistos e em dezembro de 2022, suas páginas oficiais surpreenderam a todos com o anúncio das apresentações de 2023. Ela nasceu das cinzas, como uma fênix, que ressuscita subitamente e repleta de força, intensidade e energia, prepara-se para aventuras vindouras.

Siouxsie fez seu primeiro show no início de maio, em Bruxelas, capital da Bélgica. A setlist foi formada por clássicos da banda Siouxsie And The Banshees, tal como “Cities In Dust”, “Spellbound”, “Christine” e contou também com um ou outro single do “Mantaray”, único lançamento solo da carreira de Sioux. A seleção de faixas, infelizmente, deixou de lado músicas de três icônicos discos: “The Scream”, “A Kiss In The Dreamhouse” e “Join Hands”. Também não há nada do “The Rapture”, mas, convenhamos, esse álbum de, digamos, “despedida” dos Banshees não emplacou, não empolga, e não faz muita falta que não haja músicas dele no repertório. Podemos perceber, a partir dessas observações, que os gigs estão definitivamente voltados a um público mais amplo, sendo centrados em canções retiradas dos álbuns nos quais estão os maiores sucessos comerciais da carreira dos Banshees. Também vale notar que, lamentavelmente, embora não seja surpresa alguma, o repertório não envolve uma canção do The Creatures.

Fazendo dos palcos o seu templo sagrado, sua luz soberana, que nunca se apagou, brilha agora com mais intensidade.

De qualquer forma, independente da seleção musical escolhida, Siouxsie Sioux, vestida com trajes exuberantes criados pela estilista Pam Hogg, que potencializam seu poder e realçam sua nobre presença nos palcos, está arrasando em seu retorno, e suas performances tem sido amplamente elogiadas pelo público. Sioux continua cativante e graciosa em suas danças e ainda tem em si aquela velha habilidade de enfeitiçar os ouvintes com sua voz. Enfim: seus shows tem sido uma experiência transcendental, mágica e especial, tal como é, essencialmente, a própria Siouxsie Sioux, cuja trajetória sempre se caracterizou especialmente pela criatividade, ousadia e autenticidade, três heranças que ela carrega desde os primórdios do movimento punk. Nesse ponto de nosso texto, cabe refletir sobre uma coisa: a experiência sensorial da banda Siouxsie And The Banshees é possível sem Steven Severin e Budgie, por mais que eles façam falta. Por outro lado, seria uma experiência provavelmente impossível, incompleta, ou, no máximo, morna, sem a presença marcante da insubstituível Siouxsie Sioux.

Há alguns dias atrás, eu conversei com Braden Wright, um fã norte-americano da cantora que teve a rara oportunidade de estar “face to face” com ela - mas cabe dizer, que ele já esteve ao lado de grandes nomes do punk e do post-punk, como, por exemplo, Nick Cave e Iggy Pop. Em sua conta no Instagram, Wright comentou sobre o papel que a Siouxsie desempenha em nossa geração: “Sozinha, ela criou um arquétipo que ainda vemos em peso na era moderna. Sabemos que hoje em dia há inúmeros discípulos que tentam replicar a moda, a imagem e a atitude às quais ela deu vida há quase cinquenta anos atrás”. No papo com o Fanzine, ele refletiu: “O verdadeiro poder da música vem de sua capacidade de expressar coisas que as palavras não podem dizer. Eu poderia tentar expressar a magnitude que Siouxsie e seu trabalho com The Banshees e The Creatures tiveram em minha vida, mas eu realmente não teria muito êxito se tentasse. Quero dizer, o que mais há para ser dito? Ela é Siouxsie Sioux”.

Além de destacar a importância artística de Siouxsie Sioux, Wright nos contou como foi o encontro com a cantora, que hoje mantém uma vida discreta, longe das redes sociais, da mídia e mesmo dos fãs: “Conheci Siouxsie em Santa Monica alguns dias antes de sua apresentação programada no festival Cruel World em Pasadena. Eu nunca tive a chance de vê-la em turnês anteriores devido à minha idade, então acho que você imagina a minha emoção quando foi anunciado que ela faria sua primeira apresentação nos Estados Unidos em 15 anos. Como um ávido colecionador de autógrafos e fã de música, simplesmente fiz o que faço de melhor e tentei estar no local certo em que precisava estar para encontrar essa célebre heroína. Embora o encontro tenha sido curtinho, foi um momento repleto de doçura e imensamente marcante pra mim. Wright seguiu, descrevendo detalhadamente a ocasião: “Ao me apresentar, segurei sua mão e expressei a honra que era conhecê-la. Agradeci a ela por ser uma grande parte da minha própria juventude musical, ao que ela respondeu com um sorriso, complementado por essas palavras “foi um prazer”. Então, disse a Siouxsie que tinha um presente para ela. Falei que sabia que ela declarou uma vez que ver David Bowie se apresentar no Top of The Pops em 1972 mudou sua vida e a influenciou a se tornar uma artista. Ela respondeu “você tem razão". Foi algo absolutamente grandioso”. Quando lhe entreguei o presente, ela gentilmente o aceitou e agradeceu. Ela então concordou em tirar uma foto comigo e felizmente assinou alguns autógrafos para mim. Depois, agradeci pelo tempo e ela foi embora. Mais tarde, soube que era para conhecer Billy Idol. Pouco antes de ela sair, eu perguntei a ela: “Siouxsie, você acha que algum dia vai voltar? Eu adoraria ver você voltar e fazer uma turnê pela América”. Sua resposta foi simples: “Querido, temo que nem mesmo o futuro saiba.”

Atualmente, diante da espantosa crise enfrentada pela indústria musical, repleta de uma previsibilidade maçante que se expressa em padrões de voz, de melodia, ritmo, de rosto, de corpo e comportamento, e que não possui grandes originalidades, Siouxsie Sioux desponta como uma espécie de sibila ilustre cuja profecia desvela ao mundo uma vivência estética magnifica e rara. Fazendo dos palcos o seu templo sagrado, sua luz soberana, que nunca se apagou, brilha agora com mais intensidade do que antes. Ademais, Siouxsie confirma que o punk, principalmente enquanto estado de espírito, não está morto.

 

Braden Wright e Siouxsie Sioux em Santa Monica.

 

 

terça-feira, 16 de maio de 2023

LEMMY KILMISTER É ETERNO

 Por Juliana Vannucchi

1945 é um ano globalmente conhecido por marcar o fim da Segunda Guerra Mundial. E enquanto o mundo começava a respirar aliviado com o fim dos conflitos bélicos, nascia Lemmy Kilmister em Burslem, uma discreta cidade inglesa. Seus pais se divorciaram quando ele era novo. A mãe casou-se de novamente e a família mudou-se para o País de Gales. Foi lá que Lemmy teve seu primeiro contato e encanto pelo universo do rock and roll. E o ritual iniciático aconteceu com os Beatles, banda que Lemmy assistiu ao vivo quando tinha 16 anos. A partir de então, começou a tocar guitarra, embora posteriormente viesse a se destacar especialmente por seu talento como baixista. Foi também mais ou menos nessa mesma época que começou a abusar do álcool, perdendo-se nas doses intermináveis de Jack Daniels. E não demorou para Lemmy cheirar anfetamina. Aliás, cabe lembrar que nos primórdios de sua carreira o músico chegou a tocar no Hawkwind durante um tempo, mas teria sido expulso por seu consumo compulsivo de drogas, que incomodou os integrantes da banda. Falando nisso, os primeiros passos de Lemmy no cenário musical também lhe renderam o cargo de roadie do astro Jimi Hendrix, um dos maiores ícones do rock e da contracultura.

"Nós somos considerados uma banda da heavy metal apenas porque usamos cabelos compridos (...) Nós somos apenas uma banda de rock'n'roll". Lemmy Kilmister

O Motörhead foi fundado em 1975, quando Kilmister já estava com trinta anos, e lançou seu primeiro algum de estúdio em 1977, um dos anos mais mágicos da história do rock, no qual inúmeras bandas punks eclodiram tanto na Inglaterra, quanto não EUA. Embora o Motörhead seja comumente associado ao heavy metal, Lemmy preferia simplesmente fizer que powertrio tocava rock, sem que houvesse uma classificação definitiva. De fato, parece mais adequado fazer essa afirmação do que cair na armadilha de categorizações específicas, até porque o Motörhead foi um grupo notavelmente original no aspecto musical, tendo inclusive conquistado o respeito dos fãs de punk rock. Aliás, aqui vale citar aqui uma das histórias mais interessantes do rock: certa vez, Sid Vicious pediu para Lemmy dar aulas de baixo e o pedido logo foi aceito pelo líder do Motörhead. Mas os encontros entre os dois duraram somente três dias até que o próprio Lemmy disse que o aluno não tinha condição alguma de tocar o instrumento. Sid concordou com as palavras do mestre, e se despediu do instrutor. Poucos meses depois, se encontraram e Sid contou que havia se juntado aos Pistols (sim, mesmo não sabendo tocar direito e aparentemente não tendo talento algum). E lembremos que o Motörhead chegou a lançar um cover de “God Save The Queen”. Outro cover memorável e digno de menção foi “Heroes”, música originalmente gravada por Bowie que faleceu menos de um após o líder do Motörhead. É interessante observar que Lemmy tinha essa consideração por artistas que estavam fora da esfera do heavy metal e do hard rock, gêneros com os quais sempre foi tão associado. Inclusive, nesse contexto, é válido citar que o vocalista do Motörhead também já rasgou elogios a Flea, do Red Hot Chilli Pepears, e declarou que ele é um dos seus baixistas favoritos de todos os tempos.

"Na minha vida até agora, descobri que na verdade só há dois tipos de pessoas: aqueles que estão com você, e aqueles que estão contra você. Aprenda a reconhecê-los, pois eles são frequentemente e facilmente confundidos um com o outro". Lemmy Kilmister

A trajetória de Lemmy sempre foi um tanto polêmica, tal como é a da maior parte dos astros do rock. Drogas e sexo foram os principais elementos de sua vida fora do palco. Lemmy, inclusive, já declarou ter se relacionado com mais de mil mulheres, pois nunca se prendeu de fato a alguém e sempre passou muito tempo na estrada, e por isso buscou aproveitar as oportunidades que apareciam. O segredo para o sucesso, de acordo com o músico, é fazer as mulheres rirem e para isso, disse Lemmy, a beleza não é exatamente necessária. Mas a maior polêmica de Lemmy foi em relação a sua coleção de itens nazistas, que ele justificou como sendo itens de colecionador e sempre fez questão de esclarecer que colecionou várias outras peças antigas, não somente as que estavam ligadas à Hitler, pois seu interesse por história era grande:  O rockstar, apesar desses hábitos desregrados clichês que foram citados, tinha um lado inocente e ligeiramente infantil. Gostava muito de cavalos, adora assistir desenhos animados e amava jogar videogame. 

Lemmy é uma figura importantíssima para o rock e que nos deixou um legado incrível. Ao menos uma música do certamente Motörhead vai te cativar... É tipo um inexplicável de feitiço do qual a maior parte das pessoas simplesmente não escapa. Lemmy era querido por todos ao seu redor, e prova é que em sua última festa de aniversário estiveram presentes figuras icônicas como Steve Jones, Slash, Robert Trujillo e Billy Idol. O líder do Motörhead faleceu em dezembro de 2013 e nessa época sua saúde já estava bastante debilitada. Após sua morte, Mikkey Dee, baterista do powertrio disse que a banda chegava ao fim, pois “Lemmy era o Motörhead”. E ainda declarou: “(…) a banda vai continuar viva na memória de muitas pessoas (…) Lemmy vive no coração de todos".

"A lei morre onde o Motörhead estiver". Lemmy Kilmister


Referências:

https://www.google.com.br/amp/s/portalpopline.com.br/sete-anos-sem-lemmy-kilmister-sete-curiosidades-voz-motorhead/amp/

https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/amp/2015/12/lemmy-facts-curiosidades-e-fatos-que-marcaram-a-vida-do-lider-do-motorhead-4940498.html

https://whiplash.net/materias/curiosidades/041290-motorhead.html

https://www.google.com.br/amp/s/revistaquem.globo.com/amp/QUEM-News/noticia/2015/12/lemmy-kilmister-do-motorhead-aparece-abatido-em-ultimas-fotos.html

https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/amp/2015/12/lemmy-facts-curiosidades-e-fatos-que-marcaram-a-vida-do-lider-do-motorhead-4940498.html

https://revistafreak.com/lemmy-e-suas-aulas-de-baixo-para-sid-vicious/amp/
https://musica.uol.com.br/noticias/redacao/2017/08/03/bowie-e-lemmy-sempre-mitos-ouca-motorhead-fazendo-cover-da-faixa-heroes.amp.htm

segunda-feira, 1 de maio de 2023

TOMMY E O PROCESSO DE AUTOLIBERTAÇÃO

 Por Juliana Vannucchi & Natália Amanda

O sofrimento precisa ser superado, e o único meio de superá-lo é suportando-o”.

 Carl Jung

 

Tommy é um icônico álbum de estúdio lançado pelo The Who em 1969. Para muitos críticos e fãs, é a obra mais primorosa que a banda produziu durante sua longa e consistente carreira. Trata-se de uma “ópera-rock”, isto é, um álbum temático no qual as faixas narram uma história. Na década de setenta, Ken Russel produziu uma elogiável adaptação cinematográfica baseada neste referido disco, que contou, inclusive, com a participação de membros do The Who no elenco.

What about the boy?

A narrativa contada no álbum começa a se desenrolar no período da 2ª Guerra Mundial da qual participa o capitão Walker, um piloto de guerra, que ao ser convocado para servir o exército, deixa para trás Nora, sua esposa que estava grávida. Passado algum tempo, Nora acredita que Walker faleceu e envolve-se com outro homem, chamado Frank. Porém, inesperadamente, Walker retorna para sua casa e encontra Nora com o novo amante. Após uma discussão entre os três, Frank mata Walker e o pequeno Tommy presencia esse brutal assassinato de seu pai. Nora aflige-se ao perceber que a criança havia visto e ouvido tudo e eis que ela e Frank, insistentemente repetem para Tommy que ele “não ouviu, não viu e não dirá nada sobre aquilo”. Em choque e desconcertado com a situação, Tommy então, absorve essas ordens da mãe e do padrasto e, de maneira literal e se torna uma criança cega, surda e muda. Com o passar do tempo, mesmo com tais deficiências, acaba se tornando um campeão mundial de pinball... e mais do que isso: ele passa por um processo de autolibertação, sobre o qual refletiremos a seguir!

Eis Tommy, um disco que além da qualidade técnica e criativa no âmbito musical, aborda em seu percurso temático, uma série de analogias e simbolismos, e inúmeras questões profundas de cunho psicológicos. Tais aspectos podem ser identificados logo no início do álbum, no momento da história em que o protagonista Tommy, ao escutar seu padrasto e sua mãe dizendo que ele não “ouviu nada, não viu nada, e não iria dizer nada”, torna-se surdo, cego e mudo. Ou seja, inconscientemente, conforme citado acima,  Tommy incorpora, integralmente as negações que a mãe e o padrasto impuseram e, a partir do trauma vivido, configura isso para a sua realidade, isolando-se dentro de si mesmo e se afastando de tudo que faz parte do mundo exterior. Aliás, havia uma única coisa que o ligava com o mundo externo: a mesa de fliperama. O menino, ainda jovem, descobre um talento incrível para o pinball e, seguindo e se entregando à sua paixão, torna-se um jogador genial. E nessa atividade, ele não precisava de seus sentidos ausentes, apenas da sua intuição – esta sim era necessária. Logo, para vencer o jogo, Tommy seguia seus próprios instintos e era guiado por seu eu mais profundo, que se encontrava além dos sentidos convencionais. Vale mencionar aqui que, certa vez, Pete Townshend, guitarrista do The Who e autor da ópera-rock em questão, declarou que a ideia do protagonista ser surdo, cedo e mudo, era uma referência ao fato de que nossos sentidos nos limitam em relação ao conhecimento da verdadeira realidade das coisas e do infinito. 

 

Seria nossa vida uma mentira contada pelos outros, sobre aquilo que somos?
 

Tentativas fracassadas de cura:

Anos mais tarde, após Tommy ter crescido e passado um longo período de tempo com sua deficiência, inicia-se uma sequência de tentativas de cura. Primeiro, a tentativa ocorre numa Igreja, sem resultados positivos. Talvez aqui possamos encontrar uma crítica aos dogmas religiosos e suas tentativas frenéticas de domesticação dos fiéis. E ressalte-se: a religião falhou em sua tentativa de recuperar o garoto. Posteriormente, surge a “rainha do ácido”, uma mulher que representa explicitamente a clássica forma “sexo, drogas e Rock And Roll”, e injeta substâncias no rapaz. Mais uma vez, nada funciona. As drogas também foram ineficazes, o entorpecimento não funcionou. Até o momento, temos a representação de duas clássicas “válvulas de escape” e antídotos da humanidade: as drogas e a religião. Certamente, ambas desempenham um papel muito maior no processo de escravização do que numa possível libertação humana. Ademais, em sua trajetória dramática, Tommy também é vítima de bullying e de abuso dentro de sua própria família. Esse aspecto da história é relevante pois sabemos que pessoas com deficiência e/ou certas patologias são, de fato, mais vulneráveis a abusos em variados contextos e locais. 

“Estou curado, saí da escuridão silenciosa”.

O jovem Tommy é, então, por fim, levado a um médico que, após examiná-lo, faz uma declaração instigante: “Não há chances para uma cirurgia, toda esperança está com ele e não comigo”, o que deixa evidente que o problema do garoto é, de fato, de ordem psicológica e individual e que, só ele próprio é capaz de se curar, pois não há nada que terceiros possam fazer por ele. Tommy está em suas próprias mãos... a salvação não virá da Bíblia e tampouco das drogas.

Tommy, can you hear me? Tommy? Tommy?

Mas em meio a tudo isso, neste ponto, surge um aspecto interessante e bastante simbólico: o protagonista consegue enxergar toda vez que se coloca-se um espelho em sua frente. É como se seu próprio reflexo representasse sua mente e o induzisse a um mergulho dentro de sua solitária e turbulenta consciência que, aliás, é para ele a única realidade, já que o mundo externo não se apresenta para todos os seus sentidos. Há um momento então, em que, de repente, um espelho é quebrado por sua mãe e Tommy consegue finalmente libertar-se do que o prendia, livrando-se dessa maneira das dores e mágoas de seu passado. O que o acorrentava, no final das contas, conforme foi indicado pelo médico, era ele próprio, pois foi sua consciência que criou uma barreira com o mundo para que ele pudesse esquecer seu trauma. O protagonista declara entusiasmado: “Estou curado, saí da escuridão silenciosa”. E ainda: “A escuridão da minha infância passou”. A partir disso, Tommy diz que quer ensinar corações silenciosos (tal como era o seu) a falarem, pois ele afirma que as pessoas sempre tem condição de atingir esse estado de liberdade, livrando-se das portas interiores que se encontram fechadas e dos gritos sufocados que carregam em si: era uma questão de autolibertação. Não devemos, diz Tommy, nos importar tanto com a dor e com o medo, pois esses elementos integram a vida e compõe a psique de qualquer indivíduo. São componentes existenciais e não precisamos, necessariamente, nos apegar a eles como se fossem aspectos imutáveis de nossa jornada existencial. É possível olhar para o medo e para dor e a partir disso, se libertar deles. Nesse contexto, é importante ressaltar algumas simbologias que podem ser encontradas aqui: quem o salvou não foi Deus (por intermédio da Igreja), não foi um milagre e tampouco foi a Ciência (nem as injeções com drogas, nem o médico). A liberdade estava dentro dele – Tommy era seu próprio “Messias”, sua própria e única cura, ele era o artista de si mesmo. A solução não estava lá fora no mundo do qual isolou-se, mas sim dentro de si, na mais vasta imensidão de seu eu. Como o próprio protagonista profere numa faixa do álbum: “A liberdade tem sabor de realidade”.
Podemos considerar que cada um de nós é o próprio Tommy. Desde que nascemos, no decorrer de nossas vidas, mas principalmente em nossa infância, somos condicionados a nos formar de acordo com as experiências alheias, de nossos familiares e próximos e, muitos deles nos submetem a situações desamparadoras, frustrantes e alienantes, diante das quais o que nos resta é corresponder ou reagir à condição posta, afinal, enquanto ainda crianças, somos indefesos e por isso estamos sujeitos a acreditar na palavra do outro, principalmente nas palavras ditas por aqueles que mais nos afetam, seja por proteção, cuidado, ou medo, ainda é tudo o que temos, tal como o verbo que se encarnou em Tommy. No entanto, dentro de cada um de nós existe algo que é somente nosso, singular e único, o qual nos move, nos conduz e quer existir. Como no impulso do jogo de pinball, que não cessa enquanto houver o jogador...

Uma questão que devemos fazer a partir dessa reflexão é: seria nossa vida uma mentira contada pelos outros, sobre aquilo que somos? Esse álbum do The Who nos convida a pensar sobre essa questão. Torna possível refletir sobre a palavra que se manifesta em nós e nos constrói como seres humanos, refletir o mundo, as pessoas, nossas próprias crenças. Convida-nos a olhar para nós mesmos e responder, sim, eu estou aqui e quero existir a partir de mim.

Conforme consta no próprio encarte do álbum, o rico conteúdo da ópera-rock aborda temas como rejeição, bullying, ilusão, sexo, drogas, charlatanismo, assassinato, abuso, trauma e outros temas. Por fim, deixamos aqui algumas sugestões de reflexões para os leitores, rockers, amantes da Filosofia e afins. Sugerimos que assistam ao filme e escutem o disco na íntegra. Tommy é uma obra-prima inesquecível e encantadora para quem aprecia o bom e velho Rock And Roll. E claro, fundamental para quem gosta do gênero musical e também gosta perder-se em seus pensamentos...




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