Por Juliana Vannucchi
Este aniversário de Siouxsie Sioux é particularmente especial, uma vez que acontece justamente no ano e no mês em que a cantora retomou as turnês, voltando aos palcos após uma década. Ao longo desse período de inatividade, Siouxsie silenciou-se, teve uma vida reservada e manteve-se distante dos holofotes. A maior parte dos fãs certamente não acreditava numa volta da cantora, mas a vida, sabemos, é repleta de imprevistos e em dezembro de 2022, suas páginas oficiais surpreenderam a todos com o anúncio das apresentações de 2023. Ela nasceu das cinzas, como uma fênix, que ressuscita subitamente e repleta de força, intensidade e energia, prepara-se para aventuras vindouras.
Siouxsie fez seu primeiro show no início de maio, em Bruxelas, capital da Bélgica. A setlist foi formada por clássicos da banda Siouxsie And The Banshees, tal como “Cities In Dust”, “Spellbound”, “Christine” e contou também com um ou outro single do “Mantaray”, único lançamento solo da carreira de Sioux. A seleção de faixas, infelizmente, deixou de lado músicas de três icônicos discos: “The Scream”, “A Kiss In The Dreamhouse” e “Join Hands”. Também não há nada do “The Rapture”, mas, convenhamos, esse álbum de, digamos, “despedida” dos Banshees não emplacou, não empolga, e não faz muita falta que não haja músicas dele no repertório. Podemos perceber, a partir dessas observações, que os gigs estão definitivamente voltados a um público mais amplo, sendo centrados em canções retiradas dos álbuns nos quais estão os maiores sucessos comerciais da carreira dos Banshees. Também vale notar que, lamentavelmente, embora não seja surpresa alguma, o repertório não envolve uma canção do The Creatures.
Fazendo dos palcos o seu templo sagrado, sua luz soberana, que nunca se apagou, brilha agora com mais intensidade. |
De qualquer forma, independente da seleção musical escolhida, Siouxsie Sioux, vestida com trajes exuberantes criados pela estilista Pam Hogg, que potencializam seu poder e realçam sua nobre presença nos palcos, está arrasando em seu retorno, e suas performances tem sido amplamente elogiadas pelo público. Sioux continua cativante e graciosa em suas danças e ainda tem em si aquela velha habilidade de enfeitiçar os ouvintes com sua voz. Enfim: seus shows tem sido uma experiência transcendental, mágica e especial, tal como é, essencialmente, a própria Siouxsie Sioux, cuja trajetória sempre se caracterizou especialmente pela criatividade, ousadia e autenticidade, três heranças que ela carrega desde os primórdios do movimento punk. Nesse ponto de nosso texto, cabe refletir sobre uma coisa: a experiência sensorial da banda Siouxsie And The Banshees é possível sem Steven Severin e Budgie, por mais que eles façam falta. Por outro lado, seria uma experiência provavelmente impossível, incompleta, ou, no máximo, morna, sem a presença marcante da insubstituível Siouxsie Sioux.
Há alguns dias atrás, eu conversei com Braden Wright, um fã norte-americano da cantora que teve a rara oportunidade de estar “face to face” com ela - mas cabe dizer, que ele já esteve ao lado de grandes nomes do punk e do post-punk, como, por exemplo, Nick Cave e Iggy Pop. Em sua conta no Instagram, Wright comentou sobre o papel que a Siouxsie desempenha em nossa geração: “Sozinha, ela criou um arquétipo que ainda vemos em peso na era moderna. Sabemos que hoje em dia há inúmeros discípulos que tentam replicar a moda, a imagem e a atitude às quais ela deu vida há quase cinquenta anos atrás”. No papo com o Fanzine, ele refletiu: “O verdadeiro poder da música vem de sua capacidade de expressar coisas que as palavras não podem dizer. Eu poderia tentar expressar a magnitude que Siouxsie e seu trabalho com The Banshees e The Creatures tiveram em minha vida, mas eu realmente não teria muito êxito se tentasse. Quero dizer, o que mais há para ser dito? Ela é Siouxsie Sioux”.
Além de destacar a importância artística de Siouxsie Sioux, Wright nos contou como foi o encontro com a cantora, que hoje mantém uma vida discreta, longe das redes sociais, da mídia e mesmo dos fãs: “Conheci Siouxsie em Santa Monica alguns dias antes de sua apresentação programada no festival Cruel World em Pasadena. Eu nunca tive a chance de vê-la em turnês anteriores devido à minha idade, então acho que você imagina a minha emoção quando foi anunciado que ela faria sua primeira apresentação nos Estados Unidos em 15 anos. Como um ávido colecionador de autógrafos e fã de música, simplesmente fiz o que faço de melhor e tentei estar no local certo em que precisava estar para encontrar essa célebre heroína. Embora o encontro tenha sido curtinho, foi um momento repleto de doçura e imensamente marcante pra mim. Wright seguiu, descrevendo detalhadamente a ocasião: “Ao me apresentar, segurei sua mão e expressei a honra que era conhecê-la. Agradeci a ela por ser uma grande parte da minha própria juventude musical, ao que ela respondeu com um sorriso, complementado por essas palavras “foi um prazer”. Então, disse a Siouxsie que tinha um presente para ela. Falei que sabia que ela declarou uma vez que ver David Bowie se apresentar no Top of The Pops em 1972 mudou sua vida e a influenciou a se tornar uma artista. Ela respondeu “você tem razão". Foi algo absolutamente grandioso”. Quando lhe entreguei o presente, ela gentilmente o aceitou e agradeceu. Ela então concordou em tirar uma foto comigo e felizmente assinou alguns autógrafos para mim. Depois, agradeci pelo tempo e ela foi embora. Mais tarde, soube que era para conhecer Billy Idol. Pouco antes de ela sair, eu perguntei a ela: “Siouxsie, você acha que algum dia vai voltar? Eu adoraria ver você voltar e fazer uma turnê pela América”. Sua resposta foi simples: “Querido, temo que nem mesmo o futuro saiba.”
Atualmente, diante da espantosa crise enfrentada pela indústria musical, repleta de uma previsibilidade maçante que se expressa em padrões de voz, de melodia, ritmo, de rosto, de corpo e comportamento, e que não possui grandes originalidades, Siouxsie Sioux desponta como uma espécie de sibila ilustre cuja profecia desvela ao mundo uma vivência estética magnifica e rara. Fazendo dos palcos o seu templo sagrado, sua luz soberana, que nunca se apagou, brilha agora com mais intensidade do que antes. Ademais, Siouxsie confirma que o punk, principalmente enquanto estado de espírito, não está morto.
Braden Wright e Siouxsie Sioux em Santa Monica. |