Fanzine Brasil

SIOUXSIE SIOUX - SOPROS DE VIDA

Grandes homens, assim como grandes tempos são um material explosivo interior do qual uma força imensa é acumulada (....)

“DISCO DA BANANA”- A OBRA PRIMA IGNORADA

Eu sabia que a música que fazíamos não podia ser ignorada

SEX PISTOLS - UM FENÔMENO SOCIAL

Os Sex Pistols foram uma das bandas de Rock mais influentes da história.

ATÉ O FIM DO MUNDO

Com custos acima de mais dez milhões de dólares, é um filme encantador, artístico, típico das obras de Wim Wenders, realmente, é uma obra fascinante, mais uma certo do diretor alemão.

AFINAL, COMO SURGIU O CINEMA?

Um breve questionamento e historio sobre o assunto.

ATÉ O FIM DO MUNDO

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WOLF CITY - AMON DUUL II

Wolf City é um dos maiores clássicos do Rock Progressivo. É um álbum que celebra magicamente este gênero musical, e que é foi gravado por artistas imensamente talentosos

sábado, 16 de dezembro de 2023

A PODEROSA KIM DEAL

 Por Juliana Vannucchi

Kim Deal é uma das baixistas mais conceituadas da história do rock. Ela foi responsável por ajudar a criar alguns dos hits mais célebres da banda Pixies, aclamado grupo de rock alternativo noventista que viveu seu auge justamente no período em que Kim esteve na banda, sendo inegável que ela foi o ponto forte responsável por alavancar o grupo americano. A baixista participou das gravações dos discos “Come on Pilgrim” (1987), do glorioso e memorável “Surfer Rosa” (1988), do popular (e talvez mais qualificado da banda) “Doolittle” (1989), do primoroso “Bossanova” (1990) e, por fim, do “Trompe le Monde” (1991), sendo esse último, em termos gerais, já bem menos cativante e original do que os outros. Os Pixies se separaram em 1993, devido a uma série de divergências e brigas entre Deal e o vocalista Black Francis. Eles se acusaram e se alfinetaram mutuamente ao longo dos anos, deixando claro que a relação entre ambos na banda era amarga e que sempre houve um certo rancor entre os dois. Numa entrevista mais recente, concedida um tempo atrás ao jornal britânico The Guardian, Francis finalmente assumiu uma postura ligeiramente mais branda ao comentar sobre Kim: “Fizemos muitas turnês juntos, escrevemos juntos e gravamos todos aqueles discos juntos...mas nada é para sempre”. O vocalista, apesar disso, também revelou que os dois não conversam há muito tempo.

Kim tem uma irmã gêmea chamada Kelley Deal, com a qual formou a banda The Breeders, cuja atmosfera musical é elogiável e essencialmente falando, lembra bastante a sonoridade dos Pixies. Certa vez, na adolescência, as irmãs  pediram um teclado Yamaha de aniversário. Quando ganharam o instrumento, usaram o assento sanitário do avô como suporte e, por meio de tal improviso, começaram a frequentar diversos bares pelo distrito de Oregon. Esse fato inusitado foi o ponto de partida que lançaria Deal ao universo do rock. No entanto, fora do campo musical, Kim Deal fez um curso ligado a tecnologia médica e, curiosamente, chegou a atuar profissionalmente como técnica de laboratório na área de biologia celular. Nesse período de sua vida, conheceu John Murphy, com quem iniciou um relacionamento, vindo a se casar em 1985. Ela, então, mudou-se para Boston, onde sua afinidade com a indústria musical e com o rock se estreitou, conforme refletiu certa vez: “Achei a cidade muito vital e muito interessante”. Deal se recordou de folhear o jornal Boston Phoenix e sempre se deparar com anúncios de bandas que precisavam de músicos: “Diziam frases como ‘preciso de um baterista’. Atitude profissional apenas. Costeletas: Obrigatório.’ (...) mas então, certa vez me deparei com um que dizia algo sobre não ter costeletas. Foi tão bom. Foi para quem liguei e eles estavam procurando por ‘baixista’ e foi assim que nós começamos a tocar juntos.”

 

Fora dos palcos, Kim Deal gosta de comer chocolate e se interessa por plantas.

O grupo The Breeders, que obteve bastante reconhecimento ao longo de sua carreira, chegou a contar com a talentosa Kim Gordon na produção do vídeo da faixa “Cannonball”, presente no álbum “The Splash”. Deal, certa vez, lembrou-se do quanto estava nervosa quando perguntou se a baixista do Sonic Youth poderia participar do disco: "Nós simplesmente perguntamos a ela. Eu não a conhecia. Não tínhamos amizade. Fiquei muito nervosa quando perguntei, pensei que ela não iria querer”. É interessante e inspirador pensar que existiu esse breve contato artístico entre Kim Deal e Kim Gordon, duas baixistas consagradas para os amantes do rock alternativo dos anos 90.

Aproveitando o clima natalino que se aproxima, vale citar aqui uma declaração de Kim Deal a respeito das músicas de Natal: "As canções cristãs usam todas essas coisas... se você der a volta na montanha, e se trabalhar duro com o martelo, e encontrar um carpinteiro chamado Jesus Cristo, e viajar quilômetros e quilômetros... todos esses simbolismos estúpidos que o povo cristão usa”. A ex-integrante dos Pixies parece não ser muito religiosa. Ela chegou a refletir sobre o assunto numa ocasião, assumindo uma postura consideravelmente ateísta ao declarar que passou parte da sua vida buscando uma divindade, mas como não encontrou, acha que não há nada do outro lado.

Há quem diga que Kim Deal tem uma personalidade forte e que seu jeito durão foi um dos motivos que causaram problemas com a banda Pixies. Mas esses aspectos são considerações supérfluas. O que vale é nos concentrarmos no legado, nas inesquecíveis melodias de baixo que ela gravou com a referida banda e que são capazes de elevar qualquer ouvinte a um estado de êxtase. Seu talento é fora da curva, seu domínio instrumental e suas ideias são simplesmente extraordinários. 

Referências:

https://www.theguardian.com/music/2022/feb/03/pixies-frontman-black-francis-kim-deal-were-always-friends-but-nothing-is-for-ever

https://www.abc.net.au/listen/doublej/music-reads/features/kim-deal-breeders-pixies-last-splash-cannonball-1993-interview/13370482

https://writebyte.com/pages/art_deal.htm

https://www.pastemagazine.com/music/the-breeders/the-breeders-last-splash-interview


domingo, 10 de dezembro de 2023

MARIANNE FAITHFULL: A INCRÍVEL TRAJETÓRIA DE UMA LENDA DOS ANOS 60

 Por Juliana Vannucchi

Marianne Faithfull é uma prolífica cantora inglesa, que se tornou um verdadeiro ícone cultural dos anos 60, tendo sobrevivido às loucuras e excessos experenciados na referida década. Sua vasta e original discografia é composta por um total de mais de vinte álbuns de estúdio, nos quais encontram-se ritmos e melodias notavelmente diversificados. Além do imenso legado deixado no universo musical, a britânica também se popularizou por seus papéis no cinema e principalmente pelo relacionamento que teve com Mick Jagger, que a levou a se tornar uma musa inspiradora de algumas das faixas mais conhecidas dos Stones. Cabe observar que a carreira artística de Faithfull, embora muito abundante e digna de elogios, foi amplamente encoberta pela fama de Mick Jagger, uma vez que o relacionamento com o astro do rock a colacava, de modo geral, em segundo plano, levando-a, inclusive, a vivenciar ao lado dele alguns escândalos que prejudicaram sua carreira como atriz. Apesar de Jagger ter contribuído para que a imagem dela fosse comprometida, Faithfull, por sua vez, ajudou, ainda que indiretamente, a alavancar a imagem do líder dos Stones, tendo inspirado várias de suas músicas e até mesmo tendo ajudado a escrever ao menos uma letra de sucesso da banda. Mas ainda que um tanto ofuscada por Mick Jagger, ela conquistou seu espaço, principalmente por sua voz fabulosa que é capaz de tirar os ouvintes da dimensão terrestre e também por seu espírito incansável. Infelizmente, quando o namoro entre os dois acabou, a cantora perdeu-se completamente no  uso compulsivo de álcool e drogas...  

 

Faithfull simplesmente sobreviveu através da produção artística que lhe serviu como combustível.

Faithfull sempre portou e propagou uma postura bastante underground e destemida, tendo, inclusive se tornado referência para vários nomes da cena punk de Nova York (como Lydia Lunch, Bush Tetras e vários outros). Ela chegou a viver como andarilha nas ruas londrinas em função de seu vício em heroína e sua vida foi marcada por crises turbulentas e períodos decadentes, que foram sensivelmente transportados para muitas de suas poderosas e sombrias letras, sempre tão carregadas de emoção. Seu jeito melancólico de cantar e as poesias muitas vezes autobiográficas, inspiradas em suas desventuras, em seus medos, desejos, paixões e vícios, a transformaram numa personalidade emblemática, memorável e bastante cativante. Aliás, uma das pessoas que ela conquistou e com a qual até mesmo contribuiu artisticamente foi David Bowie. Podemos dizer que Faithfull simplesmente sobreviveu através da produção artística que lhe serviu como combustível e como um ponto de apoio necessário sem o qual, talvez, ela não tivesse aguentado enfrentar alguns dos duros e perigosos momentos que atravessou em sua vida.

No decorrer de sua história, a elegante Marianne Faithfull já recebeu inúmeras e merecidas honrarias culturais e permanece sendo um nome aclamado ao redor do mundo. Nutre uma forte amizade com grandes nomes da música, tal como Warren Ellis, Nick Cave e Brian Eno, além de ter influenciado significativamente muitos músicos e bandas importantes. Em 2022, foi anunciado que Marianne estava internada numa clínica afim de reabilitar-se de uma série de sequelas deixadas pela Covid-19, doença que a atacou fortemente, fazendo-a ficar internada durante três semanas. Força é algo que não falta a essa mulher: a incrível Marianne Faithfull já superou um câncer de mama, além de também ter enfrando um quadro grave de hepatite C, e sobrevivido a uma queda que a fez quebrar seriamente o quadril. A vigorosa e sempre inspirada fera inglesa também já sobreviveu a uma grande infecção e venceu um sério quadro de anorexia. Faithfull  possui uma história de vida muito impressionante. Ela já foi do glamour ao inferno, dos palcos aos suburbios... mas o fato é que ela sempre se manteve afastada das regras sociais, esteve longe do convencional e, sobretudo, das normas de comportamento esperadas para uma mulher dos anos 60. Essa donzela decadente nos ensina a sermos mais corajosos, a suportarmos dores que parecem insuperáveis e, claro, a transformarmos todos os pesares, aflições e calamidades existenciais em poesia. 

Referências:

http://www.mariannefaithfull.org.uk/biography/

https://www.nytimes.com/2021/04/22/arts/music/marianne-faithfull-she-walks-in-beauty.html

https://www.theguardian.com/music/2021/jan/15/marianne-faithfull-i-was-in-a-dark-place-presumably-it-was-death


domingo, 3 de dezembro de 2023

ALÉM DO THE CURE: A TRAJETÓRIA DE ROBERT SMITH

 Por Juliana Vannucchi

Robert Smith, aclamado vocalista do The Cure, é imensamente conhecido por sua voz ímpar, por seus cabelos desgrenhados, seu borrado batom vermelho e pelos hits icônicos e históricos de sua banda. Contudo, o que nem todos conhecem é a sua trajetória de vida, até porque, convenhamos, o músico sempre foi muito discreto em relação a isso. Felizmente, porém, apesar de sua discrição, pesquisas mais acuradas e entrevistas nos revelam aspectos bem interessantes da vida do vocalista do The Cure. A história de Robert começou em 21 de abril (data lembrada pelos brasileiros por causa de Tiradentes) de 1959, em Blackpool, pacata cidade litorânea inglesa, localizada no norte do país. Ele foi o terceiro filho (vale citar a título de curiosidade que Janet, irmã de Robert, é casada com Porl Thompson, lendário guitarrista do The Cure) do casal Rita Mary e James Alexander Smith. Sua família mudou duas vezes de cidade e, consequentemente, Robert estudou em várias escolas diferentes ao longo da infância e da adolescência. Smith cresceu cercado por uma atmosfera familiar católica que fez sentido para ele durante um período de sua vida, embora posteriormente, tenha assumido uma postura mais cética em relação à existência de Deus: “Venho de uma família religiosa e por isso houve momentos em que senti a unidade das coisas, mas elas nunca duraram, e passei a crer que é apenas o medo que leva as pessoas à religião”. Robert Smith teve afinidade com a música desde tenra idade, aprendendo inicialmente a tocar piano e, logo depois, ainda na infância, familiarizando-se com a guitarra, após aprender alguns acordes com seu irmão. Posteriormente, buscou aperfeiçoar-se no instrumento através de aulas feitas com um guitarrista profissional.

A formação embrionária do The Cure data de 1976, quando Smith juntou-se aos colegas de escola. Lol Tolhurst assumiu a bateria, Michael Dempsey tocava baixo e o guitarrista era Porl Thompson. O grupo, nessa fase inicial, chamava-se “Easy Cure”. Nessa época, o movimento punk inglês estava vigorosamente em ascensão. O jovem Robert acompanhou de perto a eclosão e o auge desse novo fenômeno. Admirava principalmente bandas como Stranglers, Buzzcocks e Siouxsie And The Banshees, tendo, inclusive, tocado no último grupo durante um tempo e estreitado laços com Steven Severin, ao lado do qual formou uma banda chamada The Glove. Entretanto, o The Cure nunca esteve musicalmente limitado a influências provenientes do punk rock e foi assumindo, ao longo de sua história, uma tonalidade mais sombria ou, por vezes, bastante pop. Até porque Smith cresceu escutando outras bandas como Beatles e Pink Floyd e, portanto, carregava inúmeras outras referências musicais quando formou o The Cure. Ademais, sua alma portava uma enorme paixão pela literatura e uma sensibilidade que certamente se distanciava da agressividade característica do punk. Durante a adolescência, por exemplo, apreciava Edgar Allan Poe e Rimbaud. Posteriormente, mais maduro, passou a interessar-se fortemente por filósofos como Albert Camus e Jean-Paul Sartre, sendo grande admirador de ambos e tendo grande interesse pelo modo como Sartre discorre a respeito da condição humana. Smith também já citou Charles Baudelaire, John Milton, Nick Hornby e Franz Kafka como alguns de seus escritores favoritos. A respeito desse último, chegou a declarar: "“Pela primeira vez, a voz do narrador era minha. Eu era o narrador. Eu estava me misturando com suas palavras. Li e reli todos os seus livros: O Processo, A Metamorfose, O Castelo… Sua influência na minha escrita é enorme, como em ‘Uma carta para Elise’, inspirada diretamente em suas Cartas para Felice". Penelope Farmer é outra autora que o marcou e um de seus livros inspirou a letra "Charlotte Sometimes", nome de um dos livros da escritora. 

 

O The Cure segue firme e criativo, atraindo diversas gerações, conquistando novos fãs e aquecendo o coração dos admiradores mais antigos. É uma banda que sobreviveu por méritos.

Por tais aspectos, podemos observar que enquanto inúmeras bandas punks voltaram-se, por exemplo, para letras de cunho político e social, Smith, que já alegou preferir manter-se distante de tais conteúdos, possui letras fortemente sentimentais cujas ideias muitas vezes foram provenientes de estados alterados de consciência por ele experimentados. 

Robert Smith casou-se em 1988. O vocalista do The Cure conheceu Mary Poole, sua atual esposa, na época da escola. Eles se aproximaram depois que ele a convidou para ser sua dupla numa atividade. Estão juntos desde os 14 anos. Nunca tiveram filhos e Smith certa vez declarou não se arrepender disso. No entanto, há diversas fontes que mencionam que os dois tem 25 sobrinhos e sobrinhas. Robert se inspirou numa viagem com Mary para escrever “Just Like Heaven” e, aliás, é ela que aparece dançando com o vocalista no vídeo oficial da música. Parece ser uma das canções das quais ele mais se orgulha. Smith chegou a declarar que quando terminou de escrevê-la, pensou que nunca mais seria capaz de escrever algo tão bom. No estúdio, os integrantes do The Cure chegaram a brincar, dizendo que poderiam até fazer as malas e parar de criar mais: “Felizmente, não fizemos isso”, brincou Smith ao contar esse episódio. Cabe dizer que “Love Song” foi um presente de casamento de Smith para Mary!

Atualmente, Smith continua sua performance de maneira impecável. Certa vez, quando completou 60 anos, disse que não sentia a idade. Nos palcos, essa declaração parece absolutamente confirmada, pois Smith parece estar sempre em transe, convidando a plateia a mergulhar num estado catártico. A esse respeito, numa entrevista, o vocalista do The Cure refletiu: “Quando estou cantando e tocando, sou meio que transportado (...) Parece algo meio hippie, mas sempre foi assim comigo. Eu simplesmente sinto que se estou me perdendo nas músicas, acho que há uma boa chance de que todos os outros também estejam”. O The Cure segue firme e criativo, atraindo diversas gerações, conquistando novos fãs e aquecendo o coração dos admiradores mais antigos. É uma banda que sobreviveu por méritos e uma das poucas do remanescente punk que ainda continua poderosa, estável e qualificada.


Referências:

https://amp.theguardian.com/music/2018/jun/07/the-cures-robert-smith-i-was-very-optimistic-when-i-was-young-now-im-the-opposite

https://post-punk.com/six-different-ways-the-cures-robert-smith-won-our-hearts/amp/

https://www.irishtimes.com/culture/music/the-cure-s-robert-smith-i-survived-a-lot-of-people-in-london-didn-t-1.3538003

https://faroutmagazine.co.uk/how-punk-changed-the-cure-singer-robert-smiths-life/

https://www.rollingstone.com/music/music-features/cure-band-robert-smith-interview-40-live-893005/

https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&ved=2ahUKEwj1he6l7_GCAxWyppUCHc7EAMkQFnoECBcQAQ&url=https%3A%2F%2Ffaroutmagazine.co.uk%2Fthe-cure-robert-smith-12-favourite-books-list%2F&usg=AOvVaw0-vBt23iYKGh7FmRJYA_WQ&opi=89978449

https://amp.theguardian.com/music/2018/jun/07/the-cures-robert-smith-i-was-very-optimistic-when-i-was-young-now-im-the-opposite

segunda-feira, 30 de outubro de 2023

THE EDWOODS EM PAUTA: CAOS, LOUCURA E ROCK AND ROLL

 Por Juliana Vannucchi

No mês mais macabro do ano, época de Halloween, não poderia faltar material sobre a banda underground mais bizarra do país, o The Edwoods, duo paulistano formado por Andy e Eron. Acompanhei a movimentação da dupla ao longo dos últimos meses e decidi bater um papo com os meninos para que me contassem melhor sobre o sucesso e sobre os próximos passos de suas produções musicais. Andy contou que 2023 foi um período particularmente dinâmico para o The Edwoods: "Tocamos pela segunda vez no PsychoCarnival em Curitiba, dividindo o palco com os Sick Sick Sinners, Frenetic Trio, com os Flicts e lá ainda vimos de pertinho os Replicantes, que é uma banda que nos influenciou muito. Gravamos também dois singles novos com a produção massa do Jairo dos Autoramas e de quebra ainda tocamos em uma cena de spanking no Dominatrix Bar, durante uma performance da Ramona e Kinky Alien".

A dupla faz parte de um vasto grupo de artistas do país que luta pela música independente e, com resistência, faz com que a cena autoral brasileira permaneça sólida. A esse respeito, Andy comentou que tanto o punk quanto o rock permanecem fortes e longe de qualquer tipo de crise, ainda que tais gêneros culturais estejam distantes da grande indústria musical: "O rock e o punk estão por aí e sempre estarão. Eles não estão nas grandes mídias, pois não há o devido e merecido espaço, mas estão muito vivos nos bares, pubs e garagens Brasil afora". Sobre esse tema, Eron refletiu: "Acho difícil conciliar interesse comercial com arte. Não é uma equação fácil. Creio que um pouco da liberdade criativa é perdido neste processo, mas vai de cada um também. Olha, se uma grande gravadora nos oferecesse um contrato, nós mudaríamos tudo! Investiríamos no visual para melhorar esta aparência deplorável que temos, aprenderíamos a tocar e faríamos músicas melhores que passassem alguma mensagem positiva".

 

"Se uma pessoa gosta de música ruim, mal tocada e que não fala nada e útil, somos a banda certa". (Eron)

Durante nossa conversa, perguntei aos meninos do que mais se orgulham na trajetória do The Edwoods. Seus rostos foram imediatamente tomados por sorrisos macabros e risadas diabólicas. Então a dupla mais trash do Brasil simplesmente respondeu que se orgulha, sobretudo, de estar “cada vez mais feia, insana e descarada". Aliás, é praticamente impossível manter um diálogo sério com os dois, porém, temos que entender que essa é justamente a essência e a proposta de suas criações musicais: a grande qualidade do The Edwoods encontra-se no barulho, no espírito do rock and roll que encarna em suas vozes e instrumentos e agita o público, fazendo-o perder-se em melodias que afastam, ainda que momentaneamente, qualquer problema ou desassossego. O duo não pretende disponibilizar mensagens profundas ou reflexões complexas (chupa, Pink Floyd!), pois, no final das contas, nem sempre são esses os elementos da vida que mais nos encantam ou dos quais mais precisamos. A realidade cotidiana é penosa e, nesse sentido, a fantasia e o humor são recursos necessários para nossa sobrevivência e para que possamos manter o gosto de continuar encarando a vida da melhor maneira possível. Nossas paixões se encontram, por vezes, no que há de mais simples e banal, e é justamente isso que o The Edwoods revela. Nesse sentido, Eron explicou o papel da dupla e por que alguém deve escutá-los: "Se uma pessoa gosta de música ruim, mal tocada e que não fala nada e útil, somos a banda certa! Se você é assim, procure um psiquiatra e ouça The Edwoods".

Para encerrar a conversa, perguntei a eles com quem gostariam de subir ao palco (valia citar artistas vivos ou que já morreram). Com prontidão e entusiasmo, responderam que escolheriam o "The Cramps"... A única coisa que pude pensar, sinceramente, foi: "Coitados dos integrantes do Cramps, seria bagunça demais para eles... o Lux não aguentaria".

 

 

CONHEÇA O "ALL THE MONSTERS", NOVO ÁLBUM DA SHE IS DEAD

 Por Juliana Vannucchi

A She Is Dead, que há anos figura entre as bandas brasileiras mais consagradas, continua firme e ativa no cenário do rock nacional. No último dia 28, o trio curitibano lançou o álbum “All The Monsters”, gravado e produzido por Luís Orta, que também atuou nos outros materiais do grupo. O disco possui um total de 13 faixas e conta com Mau Carlakoski nos vocais e na guitarra, Kim Tonietto no baixo e nos vocais e, como novidade em relação ao último lançamento de estúdio, as baquetas foram assumidas por Alessandro Santiago, que já havia feito parte da banda no passado e agora retornou no momento certo, se encaixando magicamente na She Is Dead. Santiago nos contou sobre a importância e a satisfação de estar de volta: “Estou feliz com esse momento, tanto pela amizade que tenho com os outros integrantes, quanto pela honra de estar numa das bandas mais viscerais da atualidade. A She Is Dead evoluiu muito ao longo desse tempo em que fiquei fora do grupo. É uma banda que vai ficar marcada na história do rock e, por isso, com certeza estar de volta é algo muito especial pra mim”.

De modo geral, o “All The Monsters”, que pode ser considerado o mais maduro da carreira da banda, possui uma pitada criativa de experimentalismos e carrega uma atmosfera mais próxima do pós-punk, embora mantenha, tal como ocorre nas produções anteriores, bastante afinidade com o rock noventista. Carlakoski nos contou que atualmente a She Is Dead está vivendo seu auge: “Esse novo trabalho apresenta nossas melhores composições e certamente reflete meu momento mais criativo como músico”. Tonietto também comentou sobre o atual momento que vive como músico: “Tivemos um amadurecimento não apenas nas composições, mas também na parte da produção musical. Com mais tempo e calma, pudemos criar melhores faixas para esse álbum. Devemos também agradecer muito ao excelente trabalho do Luiz Orta, que faz mágica com nossas músicas”.


(...) não é exagero algum dizer que o “All The Mosters” é uma produção histórica do rock brasileiro.

 

“All The Monsters” é o disco mais profundo da banda e o que mais cativa o ouvinte. Mau Carlakoski refletiu sobre a simbologia por trás do título escolhido para o álbum: “Nessa nova produção estão reunidos todos os meus monstros, meus fantasmas existenciais, tal como a saudade, as frustrações, a angústia, a esperança e outros monstros. Consegui colocar muitos dos meus sentimentos nesse trabalho”. Nesse novo disco, repleto de emoções e capaz de provocar efeitos poderosos nos ouvintes, o trio se mostra mais confiante, mais solto, mais talentoso em relação aos trabalhos anteriores e definitivamente se supera em termos de criatividade, especialmente ao explorar diversas camadas, nuances vocais e linhas de guitarra muito variadas. Escutar o álbum é uma verdadeira volta ao melhor que os anos noventa pode oferecer em termos de rock and roll. De certa maneira, é como se integrantes do Pixies, Sonic Youth e The Cult tivessem se unido e feito experimentos e gravações conjuntas.

A faixa de abertura, “That´s Ok” começa com bastante barulho, distorções e com um efervescente espírito anárquico que seguirá presente em praticamente todo o restante do álbum, embora na oitava música surja uma leve transição estilística em que os ruídos migram para um clima ligeiramente mais introspectivo. Por fim, cabe dizer que quem não é tocado pela maravilha que esse poderoso álbum oferece, certamente já deve estar morto por dentro, pois não é exagero algum dizer que o “All The Mosters” é uma produção histórica do rock brasileiro. Ao compartilhar seus monstros pessoais no álbum, Carlakoski leva aos ouvintes a exorcizarem os seus num processo catártico hipnotizante.

A banda curitibana tem shows agendados na capital paulista e em Santo André, além de estar confirmada no icônico festival “Punktober”. Para acompanhar a programação e os lançamentos da She Is Dead, acesse os links abaixo e siga o grupo nas redes:

Facebook: https://m.facebook.com/sheisdeadrock/

Instagram: https://www.instagram.com/sheisdeadrock/

Youtube: https://www.youtube.com/channel/UC5rr9E5T52fy6i3mc40-urA

Spotify: https://open.spotify.com/intl-pt/artist/2X18P5qiLWbpeWbcHaCIZb



domingo, 22 de outubro de 2023

GENESIS: PARA SOBREVIVER NO MUNDO REAL

 Por Juliana Vannucchi

No início de outubro, o multi-instrumentista Thiago Halleck, especialmente conhecido por sua carreira como baixista da banda Gangue Morcego, lançou, por meio seu projeto musical solo intitulado HallecӃ, seu primeiro álbum, o “genesis”, mixado e masterizado por Leandro Souza e que certamente consiste na produção mais madura, poderosa e qualificada do músico carioca, que nesse disco, pareceu mais livre e seguro ao aventurar-se em seus experimentalismos. 

Com um total de dez faixas, o consistente álbum caracteriza-se especialmente por sua atmosfera sombria que se mescla harmoniosamente com camadas sonoras eletrônicas e dançantes, resultando num clima essencialmente oitentista. Em meio a esse cenário, Halleck articula seus pensamentos e emoções por meio de sua voz, embalando os ouvintes em suas poesias, repletas de reflexões e lampejos sentimentais. Vale destacar, em particular, alguns excelentes solos e arranjos ferozes de guitarra que talvez sejam, no aspecto instrumental, o ponto mais forte e original deste elegante álbum. As pancadas tribais da bateria são outro ponto precioso que é digno de menção e remetem aos bons tempos em que Thiago era baterista e tocava tal instrumento com mais frequência. Em algumas passagens, cabe dizer também que, propositalmente ou não, Halleck resgata sutilmente a aura musical da banda Gangue Morcego e em tais trechos, o disco faz o ouvinte lembrar nostalgicamente de seu antigo grupo. 

 

Genesis: um dos álbuns independentes mais poderosos de 2023.
 

Embora Thiago Halleck tenha sido responsável pela gravação de todos os instrumentos principais do "genesis", a produção contou também com a participação enriquecedora de convidados especiais e influentes, como o brilhante Dennis Sinned, Edu Krumen, Ricardo Martins, Rafaela Mathias, Priscila Branco, Thiago Castilho e Leo Saitou, que figuram entre os principais nomes do pós-punk nacional e que fortaleceram a qualidade do álbum.  

Nosso site recomenda o “genesis” para todos aqueles que buscam inspiração e forças para sobreviver neste Mundo Real. É um álbum visceral, verdadeiramente impecável e figura entre os lançamentos independentes mais interessantes de 2023. Ficaremos na torcida para que Thiago continue tão inspirado, uma vez que sua inspiração é capaz de abastecer muitas almas e animar muitos corações!

Escute o álbum na íntegra acessando o link abaixo: 

https://www.youtube.com/watch?v=K4QgL3q-w_o


domingo, 1 de outubro de 2023

MOMENTOS MARCANTES, BANDAS QUE INSPIRAM E DICA DE MÚSICA: UM PAPO COM DAVE EVANS, PRIMEIRO VOCALISTA DO AC/DC

 Por Claudio Júnior & Juliana Vannucchi

O AC/DC é uma das bandas de rock mais populares e mais importantes de todos os tempos. É raro encontrar um fã desse gênero musical que ao menos não simpatize com alguns dos mais famosos singles e riffs da banda. Geralmente, corpos e espíritos se rendem facilmente ao som cativante do AC/DC. Essa icônica banda australiana deu seus primeiros passos em 1973. Os primeiros capítulos da jornada do grupo começaram a ser escritos pelos irmãos mais queridos do rock and roll, Malcolm e Angus Young. Assim que decidiram formar uma banda, logo encontraram o baterista Colin Burgess e o vocalista Dave Evans, que juntou-se a eles após ver um anúncio de jornal, mas que deixou o AC/DC precocemente, tendo feito parte da banda apenas ente os anos de 1973 e 1974. Segundo o cantor, a banda passava por momentos complicados e turbulentos na época e a questão financeira era bastante incômoda. De qualquer forma, esse curto período de tempo foi suficiente para que Evans vivesse experiências fantásticas e cravasse sua marca na história no rock, afinal, certamente o AC/DC, ao menos em partes, solidificou seu estilo e sua carreira a partir do legado passageiro de Dave Evans e carrega em sua assinatura as fagulhas deixadas por sua passagem relâmpago. O vocalista original do AC/DC, continua ativo até hoje e sobe em palcos do mundo todo, e em meio a sua atribulada agenda de rock star, ele encontrou um tempinho para conversar com o Fanzine Brasil.
 
A princípio, queríamos entender um pouco da experiência que ele teve com a banda. Dave nos contou que viveu momentos ótimos e memoráveis, como as primeiras gravações, o primeiro clipe, o primeiro show nacional com ingressos esgotados, um hit gravado e já logo de cara tocando nas estações de hora em hora, entre outras tantas coisas que foram muito boas. Contudo, por outro lado, enfrentou dificuldades na época embrionária do ACD/C, enfrentando uma série de precariedades: “As piores experiências foram algumas más condições em turnês e não sermos pagos em alguns shows”. 

 

Dave Evans (primeiro esquerda) foi o primeiro vocalista do AC/DC.

Dave deixou o AC/DC, mas nunca perdeu o contato com a música. Continua firme, forte e marcando presença nesse universo. Ele ainda compõe, canta e vive em busca de inspiração. Em relação aos artistas e bandas que o agradam, contou que escuta produções bem diversificadas e refletiu: “Eu ainda amo canções que tenham algum significado, que possuam uma história para contar e melodia, podendo ser uma balada, rock, blues ou música clássica. Eu não escuto apenas uma categoria ou estilo musical, ou somente um artista, já que a música é tão diversa e eu gosto disso”. Evans também comentou sobre o que escuta atualmente, enfatizando que não tem grande interesse pela música moderna e por produções recentes: “Em boa parte do meu tempo, estou no YouTube viajando para o passado, ouvindo bandas e artistas com os quais não estou familiarizado ou estou descobrindo pela primeira vez. Volto até a década de 1920 para ouvir e assistir artistas nos antigos vídeos em preto e branco. Há tantas bandas e músicos para pesquisar e podemos apreciar seus talentos na música e performance”.

O músico já esteve no Brasil em várias ocasiões, tocou por aqui inúmeras vezes e demonstrou bastante carinho por nossas terras: “Sempre utilizei músicos brasileiros na minha banda. A última turnê de alguns anos atrás foi definida como a maior turnê de um artista internacional no Brasil, mesmo não tocando no Rio de Janeiro, já que os agentes pareciam achar que o Rio não era uma cidade do rock. Eu fiquei desapontado, mas ainda tenho esperança de estar lá um dia”.

Para encerrar nosso papo com icônico Dave Evans, nós o convidamos para um desafio e fizemos a seguinte pergunta: se você fosse escolher suas cinco melhores músicas para apresentar a alguém, quais seriam elas? O rocker pareceu ter uma certa dificuldade em responder e ressaltou que há muitas faixas interessantes em suas produções, mas conseguiu selecionar cinco delas que, inclusive, ficarão aqui como dicas para os leitores: "Sold My Soul To Rock And Roll", "Bad Ass Boy", "Put Up Or Shut Up", "Only The Good Die Young", "Baby Blue Eyes", além de muitas outras que, aliás, estão disponíveis nas principais plataformas de música.

 

Dave Evans já se apresentou em várias cidades do Brasil e costuma ser aclamado pelos fãs brasileiros.

FLORES, SIM. ARMAS, NÃO: COMO O VERÃO DO AMOR MUDOU O MUNDO

Por Juliana Vannucchi

Em 1967, o verão do hemisfério norte não foi uma estação do ano qualquer. Nessa época, o bairro Haight-Ashbury, em São Francisco, sediava uma concentração grandiosa de hippies. E foi justamente nessa cidade, no dia 14 de janeiro que ocorreu um evento chamado “Human Be-In,” encabeçado por movimentos estudantis provenientes da San Francisco State University, da City College e da Berkeley. Na ocasião, intelectuais, poetas, músicos, entusiastas da esquerda, moradores de rua, rebeldes insatisfeitos com o sistema e outros ativistas se uniram na busca por uma ruptura radical em relação aos padrões vigentes. Trajes coloridos, flores, rock and roll e o uso abusivo do LSD tomavam conta da cidade. Alguns meses mais tarde, no dia 17 de abril, a cidade de Nova York colocou trezentas mil pessoas nas ruas e sediou uma passeata pela paz, que criticava veementemente a sangrenta Guerra do Vietnã e propunha uma busca por modelos de vida alternativos. Em julho do mesmo ano, ocorreu na Califórnia o famoso Festival Pop de Monterey, que contou com a presença de lendas como Jimi Hendrix e Janis Joplin. Chama-se “verão do amor” o conjunto dessas e outras manifestações que desabrocharam naquele verão de1967 do hemisfério norte e que, de modo geral caracterizava-se por contestar a cultura dominante, propondo uma revolução pautada na ruptura com os tradicionalismos e as convicções dessa época. Essas manifestações culminaram na contracultura. 


"If you’re going to San Francisco, be sure to wear some flowers in your hair”.
 

Levando em consideração o contexto acima, podemos dizer que, de modo geral, tanto o final dos anos sessenta, quanto um período da década seguinte simbolizaram um momento globalmente revolucionário, no qual uma série de pessoas de diferentes ocupações e situações sociais protestou pelos mesmos ideias: a paz, o amor, a liberdade e o fim guerra. O principal fio condutor desses fenômenos sociais foi o rock e os grandes nomes desse gênero, como o consagrado guitarrista Jimi Hendrix, Jim Morrison, o famoso Rei Lagarto, Joplin, a rainha do rock, Lennon, líder dos Beatles e pacifista militante, e inúmeros outros músicos. Aliás, em tal contexto, cabe citar que a icônica frase “make love, not war”, proferida certa vez por Lennon, se tornou um jargão da contracultura. E teve outro lema que se popularizou ainda mais: “If you’re going to San Francisco, be sure to wear some flowers in your hair”, que certamente foi a frase mais famosa do período. Aproveitando que citamos alguns mitos do rock & roll como influências da contracultura, vale mencionar que 1967, ano o “summer of love”, foi justamente um dos momentos mais prolíficos desse gênero musical. Nessa época foram lançados, inclusive, alguns dos álbuns mais lendários e visionários de todos os tempos, como é o caso da produção de estreia do The Doors, o clássico e influente "Stg. Peppers", dos The Beatles, o psicodélico "The Piper At The Gates of Dawn", o magnífico "Are You Experienced", de Hendrix, "Disraeli Gears", do Cream o experimental “álbum da banana”, do Velvet e muitos outros. Os conteúdos e estéticas presentes nesses discos, serviam de combustível para que aquela geração rebelde e insatisfeita em relação aos padrões predominantes se fortalecesse em suas lutas e propostas ideológicas e estéticas. 

O “summer of love”, não foi apenas um verão utópico marcado pelo sexo, pelas drogas e pelo rock and roll. Foi uma época verdadeiramente transformadora, marcada por libertações e conquistas sociais. É importante observarmos que os principais ideais propostos durante o “verão do amor” reverberam em lutas contemporâneas, tal como a busca pela consciência ecológica, a igualmente social, a emancipação da mulher, liberdade sexual e outras. Até porque, vários movimentos de esquerda eclodiram nos EUA durante a contracultura e posteriormente se espalharam pelos outros cantos do mundo, como é o caso, por exemplo, do Women's Lib (movimento feminista) e do Gay Liberation, tido como precursor do movimento LGBT. É certo que 1967 foi uma época, em suma, de conscientização e questionamento. Tudo isso foi tingido por criatividade e guiado pelo rock. De São Francisco para o mundo. Do passado, para os dias de hoje. Sua realidade, de alguma forma, foi notavelmente influenciada por esse ano tão decisivo e pelo verão mais lendário e especial de todos os tempos.

Em 1965, o poeta beat Allen Ginsberg usou pela primeira vez a expressão “power flower”, ao sugerir que os ativistas que se manifestavam contra a Guerra do Vietnã deveriam receber "massas de flores" para distribuir aos policiais, imprensa, políticos e espectadores. Essa brilhante ideia foi literalmente colocada em prática.

 

Sonhos e realidade, delírio, loucura, flores, êxtase, liberdade, drogas e amor...
 

“Power Flower”: Essas duas palavras se tornaram um slogan hippie. Até hoje, sabemos, as flores continuam sendo imensamente poderosas. Há, porém, outros inúmeros objetos poderosos no mundo, e, infelizmente, são os mais ameaçadores e sanguinários que costumam ser cultivados, tal como ocorre com as armas. Mas por que nós ou, ou o Estado, não podemos simplesmente escolher o poder das flores? Plante. Colha, envie e distribua flores. Isso tende ser sempre mais saudável. Adote esse slogan hippie e deixe que ele faça parte do seu cotidiano. As flores não podem resolver todos os nossos problemas e certamente não acabarão com o sofrimento, a crueldade e hostilidade que tangem a existência, porém, elas possuem o enorme potencial de tornar nossas almas mais serenas e geralmente nos dão fôlego para que possamos prosseguir em nossa desafiadora jornada de uma forma mais inspirada e tranquila. As flores são pura transcendência.

O Festival de Woodstock foi também fruto do verão de 1967. Esse glorioso evento sintetizou toda a energia que compunha a contracultura norte-americana dos anos sessenta. Musicalmente falando, até hoje, é considerado por muitos como o maior festival da história do rock & roll. A magia aconteceu em 1969, numa fazenda localizada na cidade de Bethel, n estado de New York e se estendeu do dia 15 a 18 de agosto. Janis Joplin, The Who, Hendrix e outros grandes artistas marcaram presença nos palcos e embalaram o público a um delírio catártico ímpar. Cerca de quinhentas mil pessoas estiveram presentes. Sonhos e realidade, delírio, loucura, flores, êxtase, liberdade, drogas e amor, foram alguns dos ingredientes que se misturaram para elucidar a química do memorável Woodstock. Ao menos durante três dias, absolutamente tudo foi possível e liberado. Barreiras foram rompidas e normas destruídas com afinco.

Referências:

https://billpetro.com/history-of-the-summer-of-love

https://www.google.com.br/amp/s/amp.theguardian.com/travel/2007/may/27/es

https://pt.wikipedia.org/wiki/Ver%C3%A3o_do_Amor

https://www.vanityfair.com/culture/2012/07/lsd-drugs-summer-of-love-sixties

sábado, 29 de julho de 2023

A PROPOSTA PACIFISTA DE LENNON É UMA PRÁTICA POSSÍVEL?

Por Juliana Vannucchi

Há três figuras icônicas que todos que vivem no Ocidente certamente conhecem: Jesus Cristo, Adolf Hitler e John Lennon. Lennon, é claro, é o melhor dos três. O músico inglês, além de ter se destacado como vocalista dos Beatles, também se tornou um dos maiores pacifistas do século, tendo envolvimento crítico e forte militância em diversas questões políticas e sociais. Não à toa, foi um dos responsáveis por pavimentar os caminhos da cultura hippie, cujas raízes possuem clara inspiração em muitas de suas atitudes e discursos. 

As contribuições e lutas de Lennon pela paz foram inúmeras, e nesse sentido a música sempre foi o principal meio de protesto. Exemplos não faltam: em 1970, o músico presenteou o mundo com a famosa canção "Give Peace a Chance", através da qual se posicionou veementemente contra a Guerra do Vietnã. Pouco depois, Lennon também se manifestou politicamente, postando-se contra a participação da Grã-Bretanha na Guerra Civil Nigeriana. Vale citar ainda as clássicas e populares músicas “All You Need Is Love”, lançada em 1967, cuja letra pretendia veicular uma mensagem objetiva capaz de ser compreendida em todo o planeta, e “Revolution”, de 1968, que expressa um discurso antiviolência, mensagens humanistas e um ideal pacifista de mundo. Em tal contexto, cabe lembrar que a célebre e famosa frase “Faça amor, não faça guerra”, que se tornou lema da contracultura e ainda reverbera em nossos tempos, também é de autoria de Lennon. E não podemos deixar de citar a famosa faixa "Imagine", lançada originalmente num de 1971, e aclamada até hoje nos quatro cantos do planeta, tornando-se um hino atemporal pela paz. Curiosamente, até mesmo Fidel Castro, que vetou as canções dos Beatles durante seu governo, rendeu-se à música e ergueu uma estátua em homenagem a Lennon. Falando nisso, vale citar que o próprio músico, aliás, chegou a associar a faixa com o comunismo: "Imagine que não exista mais religião, imagine que não exista mais país algum, imagine que não exista mais política' é virtualmente um manifesto comunista, mesmo que eu não seja particularmente comunista e não pertença a nenhum movimento". Por outro lado, apesar dessa aproximação com bandeiras comunistas, entenda-se que o princípio de antiviolência defendido por Lennon estava além de qualquer bandeira e por isso chegou a incomodar e gerar atrito com uma ala da esquerda britânica que acreditava que a destruição deveria anteceder qualquer revolução, discordando, assim, do conceito pacifista de Lennon. Em suma: exemplos do engajamento do artista não faltam.  

 

Não seria incoerente ou mesmo contraditório pensarmos que para atingirmos a paz, precisamos, necessariamente, de meios violentos?
 

Neste ponto de nossa abordagem, torna-se válido examinar com mais atenção o conceito de antiviolência que foi amplamente defendido pelo ex-Beatle e ao qual nos referimos brevemente no parágrafo acima: Lennon adotava assumidamente uma postura antiguerra, o que significava que para ele a violência poderia ser evitada em qualquer circunstância, pois não seria um caminho sensato para a resolução de problemas e muito menos seria o único meio existente para a obtenção da paz. Esta, segundo o músico, poderia ser alcançada por outras vias, sem que houvesse destruição, bastando disposição e esforço dos lados envolvidos. A letra de “Revolution” aborda justamente essa questão e elucida bem a perspectiva pacifista de Lennon. Isso pode ser notado no seguinte trecho, no qual nota-se que, embora a maior parte das pessoas almeje mudanças e se disponha a lutar por elas, muitas vezes apoiam-se na violência para atingir seus objetivos tidos como pacíficos.  Lennon coloca-se fora dessa rota, reprovando essa postura: 

“Você diz que quer uma revolução
Bem, você sabe
Todos nós queremos mudar o mundo
Você me diz que isso é evolução
Bem, você sabe
Todos nós queremos mudar o mundo
Mas quando você fala de destruição
Você não sabe que não pode contar comigo?”

Globalmente falando, é certo que a maior parte das pessoas, de fato, conforme sugere o músico inglês, deseja mudanças e profere discursos a favor da paz. Um mundo sem guerra, com mais harmonia, justiça e igualdade parece sempre um ideal nobre pelo qual deve-se nutrir esperança e pelo qual todos devemos nos engajar. Lennon constata isso na passagem examinada acima, colocando-se como uma dessas pessoas em busca de mudanças positivas. No entanto, como vimos, ele se situa fora da multidão de indivíduos que clama e mesmo pratica a destruição para a obtenção da paz, e levanta com isso o seguinte problema: não seria incoerente ou mesmo contraditório pensarmos que para atingirmos a paz, precisamos, necessariamente, de meios violentos?

Após se unir à contestada Yoko Ono, o músico deixou a carreira com os Beatles de lado para se dedicar de vez ao seu engajamento pacifista. A dupla marcou presença em diversas campanhas humanitárias. Em 1969, após se casarem, passaram a lua de mel numa cama – a famosa bed peace - no Hotel Hilton, na capital da Holanda. Enquanto estavam lá, recebiam jornalistas todos os dias. Numa das entrevistas realizadas na ocasião, Lennon, conforme divulgado pelo portal DW, declarou: "Todos falam de paz, mas ninguém faz nada por ela. A gente pode deixar crescer os cabelos ou renunciar a uma semana de férias pela paz. O importante é que ela só pode ser atingida com métodos pacíficos. Combater um sistema com as armas é errado. Eles são milhares e ganhariam sempre. Se quiserem te apagar, te matam”.

O conceito de antiviolência é uma possibilidade plausível que pode ser efetivamente aplicada em nossa realidade?
 

Teoricamente, o tipo de discurso propagado pelo músico é tocante, e não há dúvida de que seus feitos continuam inspirando ativistas do mundo inteiro e dos mais diversos movimentos sociopolíticos. Lennon, de fato, foi um militante enérgico, e certamente seu engajamento foi muito determinante para o mundo. Mas será que as lutas de Lennon continuam fazendo sentido em nossos tempos? O conceito de antiviolência é uma possibilidade plausível que pode ser efetivamente aplicada em nossa realidade? Ou Lennon foi apenas um sonhador utópico, já que ele mostra, afinal, que para algumas pessoas, só é possível atingir sua finalidade (no caso, a paz), através daquilo que é justamente o que a própria finalidade combate (conflito, agressão, guerra, etc.)? Ademais, todas essas colocações podem nos levar a meditar sobre o fato de que a própria paz pode ser uma utopia ou um estado que jamais será globalmente atingido e que nós, conforme Lennon sugeriu em “Imagine”, somos meros sonhadores... 

A questão fica aberta e o problema parece difícil de ser solucionado. Neste caso, atenhamo-nos ao debate, que por si só já é algo indispensável. 

Referências:

MILANI, V. P. ‘We all want to change the world’: John Lennon, Yoko Ono e a nova esquerda. Ideias, [S. l.], v. 9, n. 2, p. 189–208, 2018. DOI: 10.20396/ideias.v9i2.8655182. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/ideias/article/view/8655182. . 

https://pt.wikipedia.org/wiki/All_You_Need_Is_Love.

https://www.dw.com/pt-br/1969-lennon-e-yoko-dormem-pela-paz/a-480475.

terça-feira, 11 de julho de 2023

ROCK, FEMINISMO E SUPERÇÃO: A TRAJETÓRIA ARTÍSTICA DE FABI BELLENTANI

Por Juliana Vannucchi 

"A vida de uma pessoa tem valor quando ela atribui valor à vida das outras, seja por meio do amor, da amizade, da indignação ou da compaixão".

 Simone de Beauvoir 

Fabi Bellentani é uma musicista sorocabana de destaque na cena independente local. Atualmente, é produtora musical e baixista, sendo que no passado sua trajetória artística foi especialmente marcada pelo enorme destaque que obteve com sua banda “Flip Chicks”, cuja carreira foi curta, mas explosiva e marcada por grande sucesso e reconhecimento. 

 A história de Fabi, no entanto, começou a ser desenhada muito antes da existência da banda dar seus primeiros passos. Foi no final da infância que a sorocabana começou a se encontrar no universo musical. Nesse período, Fabi começou a tocar órgão depois de conhecer o instrumento na casa de um vizinho. Seus pais a colocaram num curso e compraram um órgão para a filha, que logo se familiarizou com ele. Porém, infelizmente, o instrumento precisou ser vendido para suprir dificuldades financeiras. No entanto, seu vínculo com a música permanecia forte. Fabi sempre gostou de cantar e se lembra: "Eu cantava bastante, em todos os cantos de casa e às vezes na escola, mas era muito tímida. Tinha vergonha de absolutamente tudo". Anos mais tarde, porém, perto dos trinta anos, sua vergonha seria superada pela paixão, pois Fabi começou a se aproximar cada vez mais da cena independente de Sorocaba, frequentando locais como o Asteroid e o Carne de Segunda, espaços alternativos que despontavam na cidade e ofereciam oportunidades para compositores e bandas autônomos: "Nesse período, influenciada pela cena que se fortalecia, voltei a estudar música. Lembro que certa vez eu simplesmente coloquei na cabeça que queria montar uma banda só de meninas. Isso aconteceu basicamente porque eu percebi que o mercado musical era essencialmente machista e eu queria mudar isso de alguma forma”. Fabi, então, passou a buscar musicistas mulheres que estivessem dispostas a embarcar nessa aventura. Conheceu a Stela Maris no Asteroid, conforme se recorda: “Estávamos dançando na pista, nunca antes havíamos conversado e eu, subitamente, propus que criássemos uma banda. Ela topou e imediatamente abraçou a ideia. Na semana seguinte, a Stela arranjou uma bateria e eu consegui um baixo". A partir de então, Bellentani aprendeu a tocar o instrumento de maneira autodidata. Izzy Fernandes se juntou ao grupo assumindo a guitarra. 

Assim surgiu a banda “Flip Chicks”. O trio teve uma ótima interação desde o início e, em 2013, o primeiro EP, que era essencialmente autoral, foi lançado. As letras das músicas compostas pelas integrantes, de modo geral, falavam sobre a luta da mulher pela liberdade, pela conquista e consolidação de seu espaço social. A banda foi elogiada e amplamente divulgada em Sorocaba e região. E as fronteiras não foram um entrave, pois o trio chegou a tocar num festival feminista, produzido por um coletivo de mulheres no Rio de Janeiro, em que todas as bandas eram lideradas por meninas. 

 Tudo fluía de uma maneira positiva e inesperada. Fabi estava cada vez mais acostumada com os palcos quando, em 2015, sofreu um grave acidente de trabalho. Como consequência dele, uma vértebra da lombar saiu do lugar e empurrou o ciático. A dor era intensa e Fabi precisou fazer uma cirurgia, no dia 11 de setembro. A baixista se recorda da ocasião: "Entrei no hospital andando e fiquei paralítica durante o processo cirúrgico. Tive uma hemorragia séria... Quando voltei da anestesia, não sentia as pernas. Os médicos e enfermeiros disseram que isso era normal e que os movimentos voltariam dentro de 48 horas, mas para surpresa deles e minha também, isso não aconteceu". A partir daí, a música, o baixo e os palcos se tornaram uma lembrança nebulosa para a artista sorocabana. A banda estava definitivamente acabada. Fabi então começou um longo e desgastante processo de fisioterapia: "Lembro que a minha perna direita até voltou a ter uma reação, mas isso, infelizmente, era insuficiente para que eu pudesse andar. A perna esquerda não voltava, parecia desconectada do meu corpo". Foram inúmeros tombos para subir na cadeira de rodas, muitas lágrimas derramadas, dificuldades e mudanças vividas na época. Os diferentes médicos que frequentou asseguraram que Fabi não voltaria a andar e sugeriam que ela se conformasse: "Mas eu dizia a mim mesma: isso não é uma opção". Com ajuda da fisioterapeuta, que Fabi descreve como "um anjo", gradualmente e com muito esforço, conseguiu finalmente recuperar os movimentos das duas pernas. Ao longo desse árduo processo, que exigia muita dedicação e fazia com que sentisse dores agudas na coluna, Fabi também precisou enfrentar a trágica perda do pai, que foi uma figura indispensável para que ela encontrasse forças para voltar a andar, pois era ele que sempre a acompanhava quando ela já estava conseguindo caminhar de muletas. Depois de seu falecimento, durante um período, Fabi abandonou o tratamento fisioterapêutico e entrou num estado emocional delicado e, embora não tenha religião, encontrou um pouco de conforto e esperança em doses de ayahuasca e rituais xamânicos, que a ajudaram a retomar seu caminho e ter forças para seguir. Ela, então, retornou à fisioterapia e voltou a caminhar. 

 

"Fabi não apenas se dedica à música, sua personalidade também está intimamente ligada ao contexto político, no qual possui bastante engajamento".
 

Em 2020, contudo, antes do início da pandemia, descobriu que tinha uma doença denominada espondilite anquilosante e, por mais que o conhecimento do diagnóstico tenha sido um choque, também, de certa forma, foi libertador, pois Fabi pôde, então, compreender porque sentia tanta dor após a cirurgia feita na coluna. Nessa época, durante o confinamento, juntou-se com multi-instrumentista Sidan Rogozinski e com o guitarrista Rafael Santos. Ela foi vocalista e responsável pela mixagem e composição do debut da banda, intitulado “Prefácio”. Foi uma experiência significativa que indicava que Fabi estava finalmente voltando a ser ativa no meio musical. No entanto, nessa época, apesar do entusiasmo com o projeto, Bellentani ainda sentia muito incômodo com as dores na coluna e optou por se afastar do projeto. Em dezembro de 2022, por meio do SUS, Fabi começou a fazer o tratamento adequado para a doença mencionada e, desde então, está finalmente sem dor: "Apesar de estar me aproximando da música há algum tempo, foi no final do ano passado que eu, de fato, voltei a estudar contrabaixo e retomar de vez a minha vida de uma maneira mais organizada". Fabi também refletiu: “A música nunca saiu da minha vida, mas a condição de saúde trouxe várias limitações e prioridades. Nos últimos anos, contudo, quando deixei as muletas, fui voltando a compor e editar faixas. Recentemente realizei cursos de produção musical, sendo um deles feito com o talentoso Paulo Anhaia. Atualmente estou aprendendo a tocar guitarra e também estou começando a me familiarizar com a bateria. Sinto que agora estou finalmente de volta”. 

Mas hoje Fabi não apenas se dedica à música, sua personalidade também está intimamente ligada ao contexto político, no qual possui bastante engajamento. Sua vida é atualmente marcada por protestos e críticas à extrema-direita, combate a ideologias fascistas e especialmente por uma luta interminável contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, cuja gestão é lembrada por uma série de mentiras e pelo genocídio pandêmico. Sua repulsa a ele, entretanto, não surgiu nos últimos anos: “Em 2016, comprei uma camiseta na qual estava escrito "Bolsonaro, seu bosta". Na época eu já era ameaçada na rua quando a usava. 

 

"Penso, sinceramente, que as meninas desde cedo deveriam saber distinguir, observar esses aspectos sociais machistas para que, então, aprendam a batalhar contra tais injustiças".
 

Atualmente, Fabi também está trabalhando na faixa cover que está sendo criada com o artista Weslley Joanes, de São Paulo, além estar se dedicando à produção uma música autoral, que está sendo elaborada numa parceria feita com o músico sorocabano Lucas Souza. Ademais, Bellentani nos revelou que está dando vida a um projeto que será realizado ao lado da artista Amanda Costa. O primeiro EP que a dupla lançará será temático, composto por um total de seis faixas, contará somente com a participação de musicistas mulheres, e as letras narrarão a história de uma mulher fictícia, vítima de machismo, que sofre uma série de violências que outras mulheres também enfrentam no dia a dia. O projeto é embrionário e ainda não há previsão de lançamento. Além disso, na realidade, de modo geral, Fabi, no momento, tem tanto uma vida quanto um processo musical intimamente ligados à política. A artista considera que o feminismo é uma luta necessária. Essa perspectiva surgiu após o estudo do livro “História do Patriarcado”, que a despertou de vez para uma visão crítica a respeito de um grave problema social. Fabi, nesse sentido, acredita que toda mulher deve lutar. A baixista refletiu: “O feminismo é um conhecimento que permite que a mulher se iguale aos homens. Sabemos que os salários entre ambos, por exemplo, são desiguais para os mesmos cargos. Por que isso ocorre? Como concordar com algo assim? Eu já senti isso na pele. Penso, sinceramente, que as meninas desde cedo deveriam saber distinguir, observar esses aspectos sociais machistas para que, então, aprendam a batalhar contra tais injustiças. O feminismo, pra mim, portanto, é uma luta necessária”. Nesse sentido, Fabi compreende que a religião é um dos tantos elementos que acorrenta as mulheres e as prende num modelo de vida limitador e opressor, que faz com que elas sejam existencialmente anuladas diante dos homens. Cabe lembrar, inclusive, que o single de maior sucesso de sua ex-banda “Flip Chicks” chama-se “No Religion”. 

Há alguns anos, Fabi, após muito empenho, finalmente terminou de criar um estúdio profissional em sua própria casa e desde então se propôs a abrir o espaço para receber artistas interessados: “A música tem que ser universalizada. A arte, em si, precisa ser compartilhada”. A intenção é gravar faixas e mesmo álbuns completos de cantores e bandas independentes. Fora do âmbito musical, Fabi se dedica a estudos e leituras diversos, tendo recentemente despertado um profundo interesse pela obra de Karl Marx e pela filosofia ocidental. Ademais, eventualmente, ocupa-se com colagens, sendo algumas delas temáticas, explorando temas específicos - como o feminismo, por exemplo, como é possível ver na imagem abaixo. 

A história de Fabi Bellentani, assim como a das próprias mulheres, é o retrato de combates, perdas e conquistas. Mas, sobretudo, é uma história inspiradora de persistência, garra, paixão pela vida e amor pela música. Sabemos que seu talento ainda irá gerar muitos frutos e legados enriquecedores para a cena underground brasileira.

sexta-feira, 16 de junho de 2023

YOUNG PUNKS WANTED: A HISTÓRIA DE LORA LOGIC POR ELA MESMA

Por Juliana Vannucchi

Lora Logic é um dos nomes mais respeitados da história do punk rock. Ela se eternizou ao lado de Poly Styrene, vocalista da banda X-Ray Spex, na qual Logic tocou saxofone. Tive a honrosa oportunidade de conversar com a Lora e conhecer um pouco melhor sobre sua história. 

O primeiro assunto que surgiu foi o seu passado. Lora lembrou carinhosamente de sua infância, de como a música entrou em sua vida, transformando-a para sempre, e do papel significativo que a mãe teve nesse processo tão marcante: “Tudo começou com a minha mãe. Ela cresceu numa fazenda na Finlândia e por isso nunca teve a oportunidade de aprender algum instrumento ou dedicar tempo à arte. Então, quando ela se mudou da Finlândia para a Inglaterra, quis que eu meu irmão aprendêssemos a tocar instrumentos, pois ela adorava música”. Foi então que por volta dos 5 anos, na escola, Lora começou a ter aulas de violão, violino e piano, mas achou essa rotina entediante e um tanto desestimulante: “Então, disse pra minha mãe que queria mudar e ela propôs clarinete, aulas de canto”. Porém, depois de conhecer as músicas de David Bowie, pelas quais se encantou, passou a se interessar pelo saxofone: “Pensei que meus pais não comprariam porque era caro, mas certo dia, para minha surpresa, voltei da escola e lá estava o mais belo saxofone esperando por mim. Eu simplesmente não acreditei. E comecei a tocar três, quatro, cinco horas por dia. Eu amava o som, tão alto e barulhento e, certamente, os vizinhos não gostavam nada dos barulhos que eu fazia. Tive algumas poucas aulas com um músico que era excelente, embora não fosse um professor tão bom. Eu aprendi mais através da prática”. Inicialmente, foi inspirada por riffs de clássicos do rock, como Chuck Berry e Bil Hayle And The Comets, pelos quais nutria uma enorme admiração. 

Mas, afinal, como Lora migrou de uma adolescente que apreciava esses nomes lendários para o caótico universo punk? Antes de entrar para a banda X-Ray Spex, Lora conta que tinha uma rotina solitária com seu instrumento: “Eu tocava saxofone sozinha no meu quarto, mas houve um momento em que isso começou a ficar meio chato pra mim. Eu queria tocar em alguma banda, embora não soubesse como ou em qual, exatamente. Bowie e T-Rex eram meus heróis na época, e eu pensava que se eles chegaram lá, eu talvez também poderia. Naquele período, se você queria entrar numa banda, mas não conhecia ninguém da área, você procurava algo nos jornais. Foi assim que, um dia, ela encontrou um anúncio intitulado “Young Punks Wanted”. Lora confessou que não sabia do que se tratava a palavra “punk”, nunca tinha ouvido falar a respeito do punk rock: “Na verdade, pensei que poderia ser alguma expressão americana, mas aquilo chamou minha atenção, me prendeu e achei muito interessante. Entrei em contato com o manager, eles disseram que não estavam necessariamente procurando um saxofonista, mas me deram a oportunidade de ir até eles”. 

 

"O público era poderoso, não tirava o olho do palco e ficava vidrado na performance dinâmica da Poly S."
 

Perguntei a Lora qual foi a sensação de se encontrar com Poly pela primeira vez. Sua voz mudou com essa questão, demonstrando afeição e alegria com as memórias resgatadas. No primeiro encontro entre as duas, Lora tinha apenas quinze anos: “Quando a vi pela primeira vez, Poly que abriu a porta para me receber e ela estava vestindo exatamente a mesma coisa que eu (risos). Isso foi realmente incrível! Ela me recebeu e deu uma risadinha. Assim que eu a vi, eu me senti totalmente confortável com ela, era como se nós já nos conhecêssemos há bastante tempo. Havia uma conexão cósmica muito forte entre nós e penso que talvez já nos tenhamos conhecido em vidas passadas. No final das contas, tanto a Poly quanto o mananger gostaram da ideia de uma saxofonista tão jovem na banda”. O resto é história. Lora refletiu sobre a dificuldade que tem para descrever a energia dos primeiros gigs do X-Ray Spex: “Foi algo eletrizante, único e revigorante, pois havia muita química na banda. O público era poderoso, não tirava o olho do palco e ficava vidrado na performance dinâmica da Poly S. Havia uma combinação de elementos que era simplesmente única”. Ela observou também que a plateia era composta por pessoas incríveis, como a Jordan Mooney e Soo Catwoman, por exemplo, e que as pessoas que frequentavam o show se caracterizavam por sua individualidade e pela excentricidade, aspectos esses que faziam com que os gigs fossem ocasiões muito especiais. 

O primeiro single da banda X-Ray Spex, "Oh Bondage Up Yours!" foi lançado em 1977, e o debut, Germ Free Adolescents, em 1978. Lora não permaneceu muito tempo com a banda e em 1979 criou o grupo “Essencial Logic”. O primeiro álbum, "Beat Rhythm News" foi lançado no mesmo ano, mas logo no começo de 1981 a banda se separou. No entanto, em 2022, após um longo período, os fãs foram surpreendidos com o lançamento do elogiável álbum “Land Of Kali”.

segunda-feira, 5 de junho de 2023

FILHO DE VICENTE CECIM TRANSFORMA OBRA DO PAI EM MÚSICA

 Por Juliana Vannucchi

Vicente Cecim, nascido em 1946, na cidade de Belém, foi um célebre poeta, escritor, cinegrafista e jornalista paraense. Com mais de dez obras publicadas e inúmeros filmes lançados ao longo de sua trajetória, que começou nos anos setenta, conquistou enorme reconhecimento por parte da crítica e do público, tornando-se um dos maiores nomes da cultura paraense. O sucesso rendeu-lhe inúmeras homenagens e prêmios, tanto nacionais quanto internacionais. Em 1988, por exemplo, Cecim recebeu duas premiações no Grande Prêmio da Crítica da APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte). Também foi homenageado mais recentemente, em 2020, na 24ª Feira Pan-Amazônica do Livro e das Multivozes, além de inúmeras outras ocasiões. O núcleo de suas produções artísticas e culturais consiste, em suma, numa abordagem metafísica da floresta amazônica. A produção literária de maior sucesso do escritor chama-se “Viagem à Andara”.

Cecim faleceu em Belém, em 14 de junho de 2021, após longa batalha contra o câncer. Desde então, seu filho Bruno Cecim, fotógrafo e cinegrafista residente na capital paraense, empenha-se em preservar cuidadosamente a memória e o legado do escritor: “Principalmente após seu falecimento, comecei a homenageá-lo de diversas maneiras. Já fiz, por exemplo, documentários e alguns outros projetos que visam enaltecer a obra de meu pai, que sempre foi um artista amazônico de grande importância local”. Neste ano, Bruno anunciou em suas redes sociais que está musicalizando poesias e trechos escritos pelo pai num projeto essencialmente D.I.Y, pautado no manejo de programas virtuais, intitulado “CecimExperiência”, que através de uma união entre música e literatura, busca fazer com que o trabalho de Vicente ressurja: “É um formato inovador, algo diferente de tudo que já fiz por meu pai. Inicialmente, eu fazia tributos a ele que estavam sempre dentro da minha própria área de atuação, usando fotos e vídeos. Posteriormente, achei que seria interessante fazer experimentos musicais”. Partindo disso, Bruno começou a gravar recitações de trechos de textos e poesias de Vicente Cecim, adicionando bases musicais e efeitos sonoros como pano de fundo. Desde então, fez vários trabalhos experimentais intuitivos, criando de maneira autoral as melodias de cada instrumento, e fazendo sozinho a edição de todo o material, até chegar num resultado que considerou apropriado, conforme explicou: “Eu recitei e cantei. Não me prendi a um estilo musical específico e não parti de nenhum pressuposto particular. Fiz vários testes com sons e melodias diversificados, como folk e música eletrônica, por exemplo”. Apesar da produção ser independente, cabe notar que Bruno ousa assertivamente em suas criações ao utilizar vozes de outras pessoas para enriquecer suas criações musicais. Para algumas faixas, ele contou, por exemplo, com a participação colaborativa de sua filha e também de um senhor residente de Belém, com o qual tem amizade.

Através do projeto CecimExperiência, Bruno compartilha suas inspirações com o mundo.

Apesar do projeto ser novidade, a música sempre esteve fortemente presente na vida de Bruno, que sempre mostrou talento e afinidade com o mundo musical. No período em que viveu em São Paulo, antes de se firmar na área da fotografia, com a qual trabalha até hoje, chegou a tocar em diversas bandas, nas quais ajudou com os vocais e contribuiu também como baterista, desenvolvendo um interesse especial por instrumentos de percussão, tendo, inclusive se aperfeiçoado com tais instrumentos através de cursos. Ademais, Bruno, ao longo de sua trajetória, também aprendeu a tocar violão, conhecimento que contribui consideravelmente para a criar bases sonoras, produzir e editar músicas. Vale observar ainda que seu talento e conhecimento são bastante ecléticos, e prova disso é que Bruno já participou de grupos musicais de gêneros diversos, como rock, forró e reggae. Nessa fase de sua vida na qual esteve diretamente ativo no meio musical, pode se familiarizar estúdios profissionais e palcos, ambientes que lhe deram parte da experiência que possui agora.

Para colocar as ideias em prática e dar à luz esse criativo universo sonoro, Bruno precisou ler os textos de seu pai de uma maneira mais profunda e atenciosa, o que o fez perceber de uma forma ainda mais acurada a importância do material. Sobre os resultados, Cecim, satisfeito, refletiu: “Espero que chegue até várias pessoas e que elas possam sentir nas melodias a essência do trabalho do meu pai. A música tem o papel tanto de entreter como, principalmente, de despertar sensações e pensamentos mais profundos. Ademais, o projeto pode servir, digamos, como um cartão de visitas, despertando interesse pelos livros dele. Meu pai merece toda essa dedicação e o reconhecimento que tem recebido ao longo dos anos”. 

O CecimExperiência é um mergulho no universo onírico de Viagem a Andara e oO livro invisível, criada pelo escritor Vicente Franz Cecim.

Bruno Cecim, entendendo que a música é uma linguagem universal, democrática, de grande alcance, que dialoga com a alma das pessoas, pretende levar o Cecim Experiência adiante e se propõe a estabelecer diálogos entre o projeto e outras artes. Nesse sentido, cogita subir em palcos, realizando performances artísticas e criando clipes musicais e até mesmo vídeo mappings. Ademais, o artista paraense, que tem obtido notável destaque e reconhecimento com suas produções musicais, relevou ao Fanzine Brasil que também quer dar vida às suas próprias composições, independente do trabalho do pai.
    
As músicas de Bruno Cecim consistem num universo mágico, ilimitado e transcendente, e convidam o ouvinte a vivenciar experiências sensoriais diferenciadas e diversificadas. Bruno é um artista de enorme potencial que certamente irá figurar entre os grandes nomes da música independente brasileira.  
    
Para conhecer o CecimExperiência, basta acessar o link abaixo:

https://brunocecim.wixsite.com/cecimexperiencia

sábado, 27 de maio de 2023

27/05: SIOUXSIE SIOUX

Por Juliana Vannucchi

Este aniversário de Siouxsie Sioux é particularmente especial, uma vez que acontece justamente no ano e no mês em que a cantora retomou as turnês, voltando aos palcos após uma década. Ao longo desse período de inatividade, Siouxsie silenciou-se, teve uma vida reservada e manteve-se distante dos holofotes. A maior parte dos fãs certamente não acreditava numa volta da cantora, mas a vida, sabemos, é repleta de imprevistos e em dezembro de 2022, suas páginas oficiais surpreenderam a todos com o anúncio das apresentações de 2023. Ela nasceu das cinzas, como uma fênix, que ressuscita subitamente e repleta de força, intensidade e energia, prepara-se para aventuras vindouras.

Siouxsie fez seu primeiro show no início de maio, em Bruxelas, capital da Bélgica. A setlist foi formada por clássicos da banda Siouxsie And The Banshees, tal como “Cities In Dust”, “Spellbound”, “Christine” e contou também com um ou outro single do “Mantaray”, único lançamento solo da carreira de Sioux. A seleção de faixas, infelizmente, deixou de lado músicas de três icônicos discos: “The Scream”, “A Kiss In The Dreamhouse” e “Join Hands”. Também não há nada do “The Rapture”, mas, convenhamos, esse álbum de, digamos, “despedida” dos Banshees não emplacou, não empolga, e não faz muita falta que não haja músicas dele no repertório. Podemos perceber, a partir dessas observações, que os gigs estão definitivamente voltados a um público mais amplo, sendo centrados em canções retiradas dos álbuns nos quais estão os maiores sucessos comerciais da carreira dos Banshees. Também vale notar que, lamentavelmente, embora não seja surpresa alguma, o repertório não envolve uma canção do The Creatures.

Fazendo dos palcos o seu templo sagrado, sua luz soberana, que nunca se apagou, brilha agora com mais intensidade.

De qualquer forma, independente da seleção musical escolhida, Siouxsie Sioux, vestida com trajes exuberantes criados pela estilista Pam Hogg, que potencializam seu poder e realçam sua nobre presença nos palcos, está arrasando em seu retorno, e suas performances tem sido amplamente elogiadas pelo público. Sioux continua cativante e graciosa em suas danças e ainda tem em si aquela velha habilidade de enfeitiçar os ouvintes com sua voz. Enfim: seus shows tem sido uma experiência transcendental, mágica e especial, tal como é, essencialmente, a própria Siouxsie Sioux, cuja trajetória sempre se caracterizou especialmente pela criatividade, ousadia e autenticidade, três heranças que ela carrega desde os primórdios do movimento punk. Nesse ponto de nosso texto, cabe refletir sobre uma coisa: a experiência sensorial da banda Siouxsie And The Banshees é possível sem Steven Severin e Budgie, por mais que eles façam falta. Por outro lado, seria uma experiência provavelmente impossível, incompleta, ou, no máximo, morna, sem a presença marcante da insubstituível Siouxsie Sioux.

Há alguns dias atrás, eu conversei com Braden Wright, um fã norte-americano da cantora que teve a rara oportunidade de estar “face to face” com ela - mas cabe dizer, que ele já esteve ao lado de grandes nomes do punk e do post-punk, como, por exemplo, Nick Cave e Iggy Pop. Em sua conta no Instagram, Wright comentou sobre o papel que a Siouxsie desempenha em nossa geração: “Sozinha, ela criou um arquétipo que ainda vemos em peso na era moderna. Sabemos que hoje em dia há inúmeros discípulos que tentam replicar a moda, a imagem e a atitude às quais ela deu vida há quase cinquenta anos atrás”. No papo com o Fanzine, ele refletiu: “O verdadeiro poder da música vem de sua capacidade de expressar coisas que as palavras não podem dizer. Eu poderia tentar expressar a magnitude que Siouxsie e seu trabalho com The Banshees e The Creatures tiveram em minha vida, mas eu realmente não teria muito êxito se tentasse. Quero dizer, o que mais há para ser dito? Ela é Siouxsie Sioux”.

Além de destacar a importância artística de Siouxsie Sioux, Wright nos contou como foi o encontro com a cantora, que hoje mantém uma vida discreta, longe das redes sociais, da mídia e mesmo dos fãs: “Conheci Siouxsie em Santa Monica alguns dias antes de sua apresentação programada no festival Cruel World em Pasadena. Eu nunca tive a chance de vê-la em turnês anteriores devido à minha idade, então acho que você imagina a minha emoção quando foi anunciado que ela faria sua primeira apresentação nos Estados Unidos em 15 anos. Como um ávido colecionador de autógrafos e fã de música, simplesmente fiz o que faço de melhor e tentei estar no local certo em que precisava estar para encontrar essa célebre heroína. Embora o encontro tenha sido curtinho, foi um momento repleto de doçura e imensamente marcante pra mim. Wright seguiu, descrevendo detalhadamente a ocasião: “Ao me apresentar, segurei sua mão e expressei a honra que era conhecê-la. Agradeci a ela por ser uma grande parte da minha própria juventude musical, ao que ela respondeu com um sorriso, complementado por essas palavras “foi um prazer”. Então, disse a Siouxsie que tinha um presente para ela. Falei que sabia que ela declarou uma vez que ver David Bowie se apresentar no Top of The Pops em 1972 mudou sua vida e a influenciou a se tornar uma artista. Ela respondeu “você tem razão". Foi algo absolutamente grandioso”. Quando lhe entreguei o presente, ela gentilmente o aceitou e agradeceu. Ela então concordou em tirar uma foto comigo e felizmente assinou alguns autógrafos para mim. Depois, agradeci pelo tempo e ela foi embora. Mais tarde, soube que era para conhecer Billy Idol. Pouco antes de ela sair, eu perguntei a ela: “Siouxsie, você acha que algum dia vai voltar? Eu adoraria ver você voltar e fazer uma turnê pela América”. Sua resposta foi simples: “Querido, temo que nem mesmo o futuro saiba.”

Atualmente, diante da espantosa crise enfrentada pela indústria musical, repleta de uma previsibilidade maçante que se expressa em padrões de voz, de melodia, ritmo, de rosto, de corpo e comportamento, e que não possui grandes originalidades, Siouxsie Sioux desponta como uma espécie de sibila ilustre cuja profecia desvela ao mundo uma vivência estética magnifica e rara. Fazendo dos palcos o seu templo sagrado, sua luz soberana, que nunca se apagou, brilha agora com mais intensidade do que antes. Ademais, Siouxsie confirma que o punk, principalmente enquanto estado de espírito, não está morto.

 

Braden Wright e Siouxsie Sioux em Santa Monica.

 

 

terça-feira, 16 de maio de 2023

LEMMY KILMISTER É ETERNO

 Por Juliana Vannucchi

1945 é um ano globalmente conhecido por marcar o fim da Segunda Guerra Mundial. E enquanto o mundo começava a respirar aliviado com o fim dos conflitos bélicos, nascia Lemmy Kilmister em Burslem, uma discreta cidade inglesa. Seus pais se divorciaram quando ele era novo. A mãe casou-se de novamente e a família mudou-se para o País de Gales. Foi lá que Lemmy teve seu primeiro contato e encanto pelo universo do rock and roll. E o ritual iniciático aconteceu com os Beatles, banda que Lemmy assistiu ao vivo quando tinha 16 anos. A partir de então, começou a tocar guitarra, embora posteriormente viesse a se destacar especialmente por seu talento como baixista. Foi também mais ou menos nessa mesma época que começou a abusar do álcool, perdendo-se nas doses intermináveis de Jack Daniels. E não demorou para Lemmy cheirar anfetamina. Aliás, cabe lembrar que nos primórdios de sua carreira o músico chegou a tocar no Hawkwind durante um tempo, mas teria sido expulso por seu consumo compulsivo de drogas, que incomodou os integrantes da banda. Falando nisso, os primeiros passos de Lemmy no cenário musical também lhe renderam o cargo de roadie do astro Jimi Hendrix, um dos maiores ícones do rock e da contracultura.

"Nós somos considerados uma banda da heavy metal apenas porque usamos cabelos compridos (...) Nós somos apenas uma banda de rock'n'roll". Lemmy Kilmister

O Motörhead foi fundado em 1975, quando Kilmister já estava com trinta anos, e lançou seu primeiro algum de estúdio em 1977, um dos anos mais mágicos da história do rock, no qual inúmeras bandas punks eclodiram tanto na Inglaterra, quanto não EUA. Embora o Motörhead seja comumente associado ao heavy metal, Lemmy preferia simplesmente fizer que powertrio tocava rock, sem que houvesse uma classificação definitiva. De fato, parece mais adequado fazer essa afirmação do que cair na armadilha de categorizações específicas, até porque o Motörhead foi um grupo notavelmente original no aspecto musical, tendo inclusive conquistado o respeito dos fãs de punk rock. Aliás, aqui vale citar aqui uma das histórias mais interessantes do rock: certa vez, Sid Vicious pediu para Lemmy dar aulas de baixo e o pedido logo foi aceito pelo líder do Motörhead. Mas os encontros entre os dois duraram somente três dias até que o próprio Lemmy disse que o aluno não tinha condição alguma de tocar o instrumento. Sid concordou com as palavras do mestre, e se despediu do instrutor. Poucos meses depois, se encontraram e Sid contou que havia se juntado aos Pistols (sim, mesmo não sabendo tocar direito e aparentemente não tendo talento algum). E lembremos que o Motörhead chegou a lançar um cover de “God Save The Queen”. Outro cover memorável e digno de menção foi “Heroes”, música originalmente gravada por Bowie que faleceu menos de um após o líder do Motörhead. É interessante observar que Lemmy tinha essa consideração por artistas que estavam fora da esfera do heavy metal e do hard rock, gêneros com os quais sempre foi tão associado. Inclusive, nesse contexto, é válido citar que o vocalista do Motörhead também já rasgou elogios a Flea, do Red Hot Chilli Pepears, e declarou que ele é um dos seus baixistas favoritos de todos os tempos.

"Na minha vida até agora, descobri que na verdade só há dois tipos de pessoas: aqueles que estão com você, e aqueles que estão contra você. Aprenda a reconhecê-los, pois eles são frequentemente e facilmente confundidos um com o outro". Lemmy Kilmister

A trajetória de Lemmy sempre foi um tanto polêmica, tal como é a da maior parte dos astros do rock. Drogas e sexo foram os principais elementos de sua vida fora do palco. Lemmy, inclusive, já declarou ter se relacionado com mais de mil mulheres, pois nunca se prendeu de fato a alguém e sempre passou muito tempo na estrada, e por isso buscou aproveitar as oportunidades que apareciam. O segredo para o sucesso, de acordo com o músico, é fazer as mulheres rirem e para isso, disse Lemmy, a beleza não é exatamente necessária. Mas a maior polêmica de Lemmy foi em relação a sua coleção de itens nazistas, que ele justificou como sendo itens de colecionador e sempre fez questão de esclarecer que colecionou várias outras peças antigas, não somente as que estavam ligadas à Hitler, pois seu interesse por história era grande:  O rockstar, apesar desses hábitos desregrados clichês que foram citados, tinha um lado inocente e ligeiramente infantil. Gostava muito de cavalos, adora assistir desenhos animados e amava jogar videogame. 

Lemmy é uma figura importantíssima para o rock e que nos deixou um legado incrível. Ao menos uma música do certamente Motörhead vai te cativar... É tipo um inexplicável de feitiço do qual a maior parte das pessoas simplesmente não escapa. Lemmy era querido por todos ao seu redor, e prova é que em sua última festa de aniversário estiveram presentes figuras icônicas como Steve Jones, Slash, Robert Trujillo e Billy Idol. O líder do Motörhead faleceu em dezembro de 2013 e nessa época sua saúde já estava bastante debilitada. Após sua morte, Mikkey Dee, baterista do powertrio disse que a banda chegava ao fim, pois “Lemmy era o Motörhead”. E ainda declarou: “(…) a banda vai continuar viva na memória de muitas pessoas (…) Lemmy vive no coração de todos".

"A lei morre onde o Motörhead estiver". Lemmy Kilmister


Referências:

https://www.google.com.br/amp/s/portalpopline.com.br/sete-anos-sem-lemmy-kilmister-sete-curiosidades-voz-motorhead/amp/

https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/amp/2015/12/lemmy-facts-curiosidades-e-fatos-que-marcaram-a-vida-do-lider-do-motorhead-4940498.html

https://whiplash.net/materias/curiosidades/041290-motorhead.html

https://www.google.com.br/amp/s/revistaquem.globo.com/amp/QUEM-News/noticia/2015/12/lemmy-kilmister-do-motorhead-aparece-abatido-em-ultimas-fotos.html

https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/amp/2015/12/lemmy-facts-curiosidades-e-fatos-que-marcaram-a-vida-do-lider-do-motorhead-4940498.html

https://revistafreak.com/lemmy-e-suas-aulas-de-baixo-para-sid-vicious/amp/
https://musica.uol.com.br/noticias/redacao/2017/08/03/bowie-e-lemmy-sempre-mitos-ouca-motorhead-fazendo-cover-da-faixa-heroes.amp.htm

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