Fanzine Brasil

SIOUXSIE SIOUX - SOPROS DE VIDA

Grandes homens, assim como grandes tempos são um material explosivo interior do qual uma força imensa é acumulada (....)

“DISCO DA BANANA”- A OBRA PRIMA IGNORADA

Eu sabia que a música que fazíamos não podia ser ignorada

SEX PISTOLS - UM FENÔMENO SOCIAL

Os Sex Pistols foram uma das bandas de Rock mais influentes da história.

ATÉ O FIM DO MUNDO

Com custos acima de mais dez milhões de dólares, é um filme encantador, artístico, típico das obras de Wim Wenders, realmente, é uma obra fascinante, mais uma certo do diretor alemão.

AFINAL, COMO SURGIU O CINEMA?

Um breve questionamento e historio sobre o assunto.

ATÉ O FIM DO MUNDO

Com custos acima de mais dez milhões de dólares, é um filme encantador, artístico, típico das obras de Wim Wenders, realmente, é uma obra fascinante, mais uma certo do diretor alemão.

WOLF CITY - AMON DUUL II

Wolf City é um dos maiores clássicos do Rock Progressivo. É um álbum que celebra magicamente este gênero musical, e que é foi gravado por artistas imensamente talentosos

terça-feira, 19 de maio de 2015

ALEJANDRO JODOROWSKY: UM MITO DO CINEMA ESOTÉRICO


*NOTA: o seguinte texto não é original deste Blog.
Escrito por Jules Siegel (Originalmente publicado na revista Show, dezembro de 1973, pp. 20-29. Traduzido do inglês por Luiz Carlos Oliveira Jr.)


Num dia escuro e nublado no início de 1972, o néon reluzente de um redemoinho de cor, som e movimento circulou através e ao redor do distrito comercial perto do centro da Cidade do México. Alejandro Jodorowsky estava rodando uma das cenas de abertura de A Montanha Sagrada, um filme baseado em A Subida do Monte Carmelo, de São João da Cruz, e O Monte Análogo, de René Daumal. Trata-se de um filme sobre a busca do homem pela iluminação.

Os filmes mexicanos raramente tinham sido famosos pela excelência artística ou comercial, mas este estava sendo seguido com um grande interesse por parte da comunidade cinematográfica internacional. Allen Klein, empresário dos Rolling Stones e de três dos Beatles, tinha posto $750.000 como financiamento inicial. O orçamento projetado era de $1.500.000, não muito se comparado ao parâmetro de Hollywood, mas a maior produção na história da indústria cinematográfica mexicana. Alejandro Jodorowsky, nascido no Chile, tinha trabalhado com Marcel Marceau em Paris, escrevendo duas das peças mais conhecidas do mímico, The Mask Maker e The Cage. Mais tarde, no México, ele dirigiu mais de cem peças, muitas delas para a televisão nacional, e se tornou uma grande celebridade no mundo da língua espanhola por suas radicalmente abrasivas performances teatrais. Seu primeiro filme, Fando e Lis, foi denunciado no Festival de Cinema de Acapulco em 1968 como “corrosivo e corruptor”. Ele foi exibido apenas durante um breve período nos Estados Unidos e nunca foi distribuído comercialmente no México.

Seu segundo filme, El Topo, começou sendo exibido em sessões à meia-noite em Nova York no Ano Novo de 1971, no Elgin, uma sala não muito em voga consagrada à língua espanhola no bairro de Chelsea. Havia quase nenhuma propaganda, mas logo longas filas começaram a se formar. Muitos dos espectadores voltavam repetidas vezes. Algumas poucas críticas e entrevistas fortemente favoráveis apareceram na imprensa underground. Rapidamente o establishment começou a tomar nota. Não era algo com que pudessem lidar confortavelmente. El Topo era indescritivelmente estranho, diferente de tudo que qualquer um tinha visto antes.

Resumir sua história é meio como tentar fazer a sinopse de The Faerie Queen ou Pilgrims Progress, dois clássicos trabalhos numa tradição similar de complexidade alegórica. Essencialmente, El Topo é a história de um heróico cowboy progredindo ao longo de uma paisagem de confrontações com outros heróis, que são todos derrotados por ele. Depois ele vai até um mestre Zen com um puçá de apanhar borboleta e acaba derrotado.

O macho cowboy vestido de preto renasce como um simples dançarino doido que vive numa caverna com corcundas, aleijados, anões e outros rejeitados pela sociedade. Ele se apaixona por uma mulher minúscula. Eles saem da caverna e exibem danças cômicas numa cidade próxima. Há uma outra confrontação heróica e o dançarino doido mata todos seus inimigos e depois se queima vivo em uma cena chocantemente realista que lembra aqueles monges vietnamitas. (O efeito foi criado enxertando um esqueleto com carne de boi e tacando gasolina nele.) Em 1971, o New York Times publicou, em separado, três críticas de El Topo que eram mutuamente contraditórias. Vincent Canby achou que o filme era trabalho de um presidiário. Peter Scheidahl chamou-o de “uma alegoria vastamente complexa e profundamente cômica”. Roger Greenspun não pretendeu entender o filme mas supôs que ele provavelmente era muito menos pretensioso do que seus amigos estavam lhe dizendo. A coisa mais importante sobre El Topo foi que ele custou menos de $400.000 para ser produzido. Sua bilheteria ao redor do mundo é dada como próxima de $10 milhões. Grandes lucros sempre transcendem a crítica. Uma nota de pé de página no roteiro explica que El Topo significa topeira em espanhol, uma criatura que cava túneis na terra buscando pelo sol, atinge a superfície e fica cega. Steve Fuller, que chamou El Topo de “obra-prima” em Changes, comentou: “No fim das contas, El Topo é um homem que é cegado pelas descobertas... experimenta a luz branca e não mais precisa de seu corpo e, portanto, progride para um plano espiritual mais elevado”.

A Montanha Sagrada é a continuação desse tema. A sinopse oficial descreve o filme desta forma: nove dos mais poderosos industriais e políticos dos planetas desejam obter a imortalidade. Um Alquimista lhes fala da Montanha Sagrada da Ilha de Lótus, onde moram nove imortais, que agora têm mais de 30.000 anos. “Alguns homens juntam forças para assaltar bancos e roubar dinheiro”, o Alquimista conta. “Devemos unir nossas forças para assaltar a Montanha Sagrada e roubar desses homens sábios o segredo da imortalidade. Mas para conquistar o segredo dos imortais, nós também devemos nos tornar homens sábios.” O Alquimista os leva em uma peregrinação, praticando várias formas de exercícios espirituais e visitando vários mestres até que eles encontrem a iluminação. No desfecho, eles acham os imortais e o segredo lhes é finalmente revelado.

Alejandro, é claro, interpreta o Alquimista. Essas primeiras cenas no México não o incluem, mas se focam num personagem não mencionado na sinopse, o Ladrão, que vaga por uma série de episódios emblemáticos das doenças da sociedade moderna, acompanhado por um pequeno homem sem braço e sem perna.

Nossa Senhora de Montserrat era uma locação marcantemente poética, sua abóbada rachada como um crânio de pedra fraturado com cavidades vazias que algum dia contiveram olhos de vitrais brilhantes. O lugar não é mencionado em nenhum dos manuais ingleses populares, mas um documento nos arquivos da seção Monumentos Coloniais do Departamento de História e Antropologia do governo mexicano revela que ele data de 1884 e foi começado com fundos doados aos monges beneditinos por colonos catalães que tinham se livrado de uma praga milagrosamente, após rezar pela Virgem de Montserrat.



Para a filmagem de A Montanha Sagrada, o pátio da igreja estava coberto com lona branca e uma banda mariachi tocava enquanto os pedreiros pacientemente martelavam blocos de pedra para a restauração. Uma multidão de pessoas bisbilhotava da rua, onde dois grandes trailers soltavam tentáculos negros de fios de energia elétrica. Eles estavam assistindo a 50 jovens soldados de uniforme cinza com máscara de gás e capacetes e rifles dançando solenemente, cada um nos braços de um parceiro masculino vestido com roupas comuns de trabalho. Dentro da igreja, fora da visão dos homens dançando, um soldado e um trabalhador estavam encostados à parede se abraçando apaixonadamente. No final do santuário abaulado havia um altar de pedra arrumado com uma mesa de comunhão dourada e uma antiga Bíblia em cujas páginas abertas rastejavam vermes gordos rosados. Uma rede empoeirada de teias de aranha pendia de todo o cenário como se estivesse acumulada por séculos de tempo imemorial.

Na outra extremidade, uma cama de bronze jazia parcialmente enterrada no chão de terra, com uma coruja viva repousando na sua cabeceira. Um jovem ator semi-nu, Horacio Salinas, “Lacho”, rastejou pelo chão arrastando um Jesus de gesso em tamanho real que ele colocou em cima do altar. A imagem tinha seu rosto e seu corpo. Ele rastejou de volta à cama, lentamente tirou a coberta, revelando um velho homem grisalho em trajes pretos de bispo dormindo nos braços de um outro Jesus de gesso em tamanho real.

O bispo acordou irado, gritando em espanhol, “Este não é seu Cristo! É meu Cristo!”. Ele levantou respirando com dificuldade, puxou o Jesus do altar e o substituiu com o seu. De repente, um homem de terno marrom apareceu no centro do recinto, reclamando furiosamente em espanhol. Ele parecia um militar em roupas civis. “Pare!”, ele gritou. “Você está fazendo uma missa negra! Isso é trabalho do Diabo, blasfêmia e imundice! Não deixarei vocês hippies e homossexuais profanarem este lugar sagrado mais um minuto sequer! Parem ou matarei vocês!”. Esse era o Presidente da Sociedade dos Charros, um grupo de senhores tradicionalmente ricos que eram donos da igreja. Eles tinham sem querer cedido Nossa Senhora de Montserrat à Producciones Zohar, para um dia de filmagem de A Montanha Sagrada. Entre Jodorowsky e o charro houve uma grande discussão em espanhol rápido, eloqüente e ofensivo. O diretor explodiu. O charro entrou em colapso. Empresários e amigos ofereciam palavras apaziguadoras. O capitão da polícia intercedeu pela produção, elegantemente polido como um policial na capa de um romance espanhol, fumou um cigarro sem nenhuma expressão particular e cochichou para o charro, que então saiu irritado.

Durante esse encontro, Lacho, o ator nu, pacientemente se apoiou alternadamente em seus pés descalços. Ele tinha interpretado a cena no mínimo por uns 20 minutos. Estava escurecendo lá fora e seus pés estavam dormentes por conta do chão frio e úmido. Ele estava entrando num estado de agonia física controlada, como Cristo aproximando-se da Cruz. Mais uma vez as luzes se acendem. Mais uma vez a cena com o bispo foi repetida. Em seguida o set foi mudado. Dessa vez o bispo empurrou Lacho até a porta, e depois atirou o Jesus de gesso na direção dele.

Enquanto o crepúsculo adensava e condensava em noite líquida, Lacho abraçou a imagem e começou a comer seu rosto, lenta e amorosamente, mastigando pedaços grandes e macios e então engolindo agradavelmente. “Corta”, gritou Alejandro. As luzes se apagaram. Mais um dia de filmagem de A Montanha Sagrada tinha terminado. “Até agora nesse filme, eu estive em três locações e fui expulso de todas”, Alejandro disse alegremente. “Isso é o México”, disse Valerie, sua namorada há dez anos, mãe de seus três filhos. “Odiamos o México. Cagamos pro México.” “Ela diz isso porque ela é mexicana”, Alejandro comentou. “Você não pode dizer que odeia o México. Não é o México. É o planeta. Não existem países. Isso é uma idéia. Não há culturas. Isso é uma idéia. Toda cultura é a continuação de outra. Há tantos conceitos que devemos mudar. Quando aquele Marco disse pra mim: ‘Eu vou te matar”, eu disse ‘Ok, me mate, mas eu vou matar você’. E ele ficou com medo, porque eu realmente quero matá-lo, quebrar todos seus ossos, milímetro por milímetro – não os ossos do corpo, os ossos da mente. Precisamos matar algum espaço mental. Precisamos matar para sobreviver, destruir mentes. Quando eu digo ‘destruir’, digo abrir. Devemos abrir espaço para uma nova vida. Sempre estou tendo cenas de morte e sempre estou colocando nova vida em lugares mortos e coisas mortas. Não sei por quê. Talvez eu seja um profeta. Eu realmente espero que um dia venham Confúcio, Mohammed, Buda e o Cristo para me ver. E então sentaremos a uma mesa, tomando chá e comendo alguns brownies, que tal? E terei um dia bom. Você está com fome, Lacho?”, Alejandro perguntou carinhosamente. “Venha comer conosco”. “Não estou com fome”, disse Lacho. “Eu comi o Jesus. O que era eu não sei. Era doce como pão, mas não era pão. Nunca tinha provado nada assim”. Sua voz era repleta de uma satisfação latente que era verdadeiramente religiosa em sentimento. “O que era isso que comi, Alejandro?”. “Não sei. Taicher é quem fez. É um milagre, não?”. O rosto do Jesus era feito de pasta de amêndoa, mas Lacho nunca descobriu isso e a incrivelmente doce e saborosa experiência sem dúvida permanece simplesmente um milagre para ele. Pode ser que fuçando atrás do cenário você descubra que todos os milagres são feitos de pasta de amêndoa e fome. Não importam os ingredientes, a habilidade de produzir milagres é um talento miraculoso. Esse era o papel que Alejandro tinha escrito pra si mesmo. A questão de A Montanha Sagrada não era tanto a produção de um filme, mas a produção de mudanças na consciência das pessoas que o estavam fazendo.

“Esse filme é minha própria busca por iluminação”, Alejandro disse. “Eu quero ser um Mestre. Eu penso em como é ser um Mestre. Eu leio sobre como é ser um Mestre. Eu me visto como um Mestre. Eu ajo como um Mestre. Eu me torno um Mestre”.

O trabalho de Alejandro não agrada a todos os gostos. El Topo encontrou grande acolhida entre jovens intelectuais hippies (como talvez A Montanha Sagrada vá encontrar) porque era genuinamente diferente e obscuro, o perfeito veículo para um novo cult. Como The Wasteland, o pastiche simbolista de T. S. Eliot, ou o Ulysses de Joyce, ele era repleto de ingredientes para análise e interpretação, como se criado especialmente para teses acadêmicas, ensaios e conversas inteligentes. Era algo de que se falar. Ao mesmo tempo havia uma grotesca sátira por baixo disso tudo que era sempre hilária.

Alejandro confrontou suas platéias com tudo que elas não queriam ver, não apenas desvios sexuais e violentos, mas o grotesco, o feio e o esquálido – todo o mundo que não aparece nos filmes convencionais, não aparece em Fellini, não o mundo das borboletas, mas das traças. Para algumas pessoas, ver El Topo foi um ato de purificação, purgando normas estéticas que pareciam racionais mas eram na verdade preconceito artístico.

Uma tarde durante a filmagem de A Montanha Sagrada, Alejandro parou para uma entrevista. A locação era em Nacaulpan, uma zona industrial que buscava combinar todas as brutalidades da linha de montagem com as imundices não reconstituídas da Idade das Trevas. Assim que o gravador foi ligado, o barulho de uma ventoinha começou bem atrás dele. Alejandro se recusou a ir para um lugar mais calmo. “Por que esse lugar feio, o barulho, a sujeira, as moscas?”, perguntaram-lhe. “Não temos lugar feio”, Alejandro respondeu. “Não temos barulho. Não temos moscas. Um significado muito estranho, essas moscas. Nas jóias egípcias eles usam moscas. Era um animal sagrado. Acho que se você matar todas as moscas, o mundo vai acabar. Por que ela está aqui, eu não sei, mas eu acho que ela tem um significado sagrado para a ecologia. Toda mosca é uma abelha, porque está fazendo seu próprio tipo de mel. Talvez seja cocô. Não sei. Mas para ela isso é mel.”

“Você não deve odiar as moscas. Você não deve odiar o lugar feio. Você não deve odiar o barulho. Qual a diferença entre barulho e música? A musica só é diferente porque tem pequenos momentos de silêncio. Se você tem o silêncio contigo, você não tem barulho, porque você põe todo o barulho no seu silêncio e faz música. Quando há luz dentro de você, toda feiúra se torna uma obra-prima”.

Pode ser que esse pequeno sermão pareça apenas charmoso e fácil, um exercício de Pollyanna, mas quando você ouve a fita algo muito curioso e convincente acontece. O ruído da ventoinha persiste. Ainda assim, por um momento, há uma espécie de pausa profunda, uma breve calma, uma estranha harmonia.

O trabalho de Alejandro e seu sucesso podem talvez se explicar como manifestações da revolução psicodélica. Durante a década passada o mundo parece ter sido dividido em dois grupos mutuamente opostos – aqueles que tomaram LSD e aqueles que não. A principal platéia de Jodorowsky é encontrada em meio àqueles que tomaram ácido, não uma única vez, mas repetidamente. Há um tipo de sincronia satisfatória na relação entre esse fato e a percepção de que a revolução psicodélica começou no México quando Timothy Leary  comeu os cogumelos mágicos à beira daquela piscina em Cuernevaca. Tem havido um grande retorno à arte, às idéias e à cultura da América que existia antes da Conquista, a América dos deuses de milho e do cogumelo alucinógeno e do Índio nativo. O México é um dos grandes centros daquela cultura e os filmes de Alejandro Jodorowsky são eminentemente mexicanos. Somente nesse contexto você pode realmente começar a entender sua violência. Há uma apaixonante obsessão com a dor e a morte no México.

Quando El Topo foi montado pra ser mostrado no México nenhuma das cenas violentas foi retirada, mas uma meia-hora de insinuação política e sexual foi censurada. De acordo com Sam Askenazy, o editor de entretenimento do The Matrix City Nova, um jornal em língua inglesa, Alejandro, que financiava seus filmes com recursos próprios, tinha permissão para agir por conta do investimento estrangeiro que ele levou ao país. “Eles admiram sua coragem”, ele disse. “É uma coisa meio macho. Nenhum dos outros produtores tem colhões”.

Na comunidade intelectual americana, há uma certa impressão de que muito da loucura de Alejandro não deve ser levado a sério, seu simbolismo é apenas superficial, sem profundidade, uma artimanha qualquer. Isso não é bem a verdade. Virtualmente, cada frame em A Montanha Sagrada é o produto de uma elaborada pesquisa. Cada um dos nove personagens principais representa um planeta, e tem todas as qualidades mitológicas e astrológicas a ele associadas. É verdade, contudo, que se não houvesse nenhum simbolismo particular por trás de seus efeitos, Alejandro poderia prover alguns.

Uma bela tarde no final de Junho de 1973, a imagem em Technicolor de uma das montanhas do México cobertas de neve persistiu longamente na tela de uma pequena sala particular não muito longe do Times Square, e então começou a se fundir no branco que ficava cada vez mais brilhante, até que não havia mais quadro algum, apenas a luz brilhante. “O que há para dizer?”, Alejandro anunciou alegremente quando as luzes se acenderam. “É fantástico! Parece uma produção de $10 milhões”. Era fantástico e de fato parecia uma produção de $10 milhões. Um pouco depois, Alejandro vagou pela Sétima Avenida de mãos dadas com uma garota alta e de cabelos castanhos. No dia seguinte ele ia a Bahamas visitar Valerie. Eles estavam então casados. Em cerca de uma semana, talvez ele fosse a Denver ficar num chalé nas montanhas. Ele pensava em fazer seu próximo filme The Story of O. Não havia pressa em decidir. Estava completamente livre. A Montanha Sagrada estava terminado. Alejandro Jodorowsky flutuou pela cidade.

De volta à sala de projeção, a cópia de A Montanha Sagrada já estava guardada na lata esperando que o correio aéreo a levasse de volta a Hollywood, onde ajustes finais no som, nos cortes e nos créditos seriam feitos. Então o processo de fazer cópias adicionais começaria. Em dezembro, A Montanha Sagrada seria distribuído. Não havia forma de prever o que os críticos falariam do filme. No cair da noite, A Montanha Sagrada estava voando, em piloto automático. Toda a mágica tinha sido feita. Agora o processo mecânico de visão começava. Como uma semente no estômago de um pássaro, a cópia final de A Montanha Sagrada rumou para seu destinado espaço de germinação. Em alguns dias, folhas de luz balançariam na árvore da consciência. Mas, naquele momento, as nuvens de fumaça fabricadas pelo avião somavam mais um resíduo de poluição à antes transparente estratosfera.




Alejandro Jodorowsky é um revolucionário místico cuidador. Nasceu no Chile, em 1929, onde começou a atuar como ator em peças experimentais. Com 23 anos deixa o Chile e parte para o México e depois para Paris onde monta, em 1962, o "Movimento Pânico", junto com Fernando Arrabal e Roland Topor. Já na década de 1970 começa com sua produção cinematográfica, no México: "Fando e Lis” (1970) e "El Topo"(1971) e depois "The Holy Montain (1973). Mas Jodorowsky é muito mais, é escritor; roteirista e escritor de estórias em quadrinhos, como: Bórgia, Incal e Antes do Incal; é um estudioso e grande conhecedor do Tarot de Marselha; desenvolveu a psicogenealogia e a psicomagia. Atualmente permanece produzindo efervescentemente, com um filme para estrear: "King Shot", produzido por David Lynch; lendo Tarot semanalmente em um café em Paris e criando e recriando seu espaço terapêutico: o "Cabaré Místico".

Confira o Trailer de "A Montanha Sagrada"





segunda-feira, 4 de maio de 2015

UMA BREVE ANÁLISE DO CINEMA DE WIM WENDERS


Por: Juliana Vannucchi
 
Wim Wenders é um dos mais importantes cineastas atuais da Alemanha e, também do cinema europeu. Wenders destacou-se durante o período do Novo Cinema Alemão, e, a partir de tal ocasião, seus trabalhos tornaram-se conhecidos no mundo todo.  Dirigiu mais de quarenta filmes ao longo da carreira, desde sua juventude vivida na Alemanha pós-guerra.

Wenders, entretanto, não faz parte do chamado “cinema comercial”. Seus trabalhos, pelo menos a maioria, estão à margem da indústria popular de filmes, sendo que, desta forma, o diretor não faz tanto sucesso em meio à massa, e suas produções não costumam agradar ao espectador comum.

Um característica que consiste na principal marca do diretor são os “road movies”, ou seja, filmes que se desenvolvem tendo como principal ambiente estradas. Em diversos trabalhos de Wenders, a narrativa é composta por alguma situação de um personagem que viaja, seja de trem, carro, ou a pé. A estrada é um elemento constante nos filmes de Wim Wenders. “Cineasta adepto dos planos pictóricos e requintados, Wim Wenders vê no vídeo um contraponto ao cinema tradicional, sem se desfazer de suas características. Ele utiliza esse conflito entre naturezas de imagens diferentes como um recurso para trabalhar grandes possibilidades expressivas nos personagens, que “parecem estar sempre deslocados, em trânsito, despatriados, sem relações estáveis e duradouras” (CARVALHO, A MATSUZAWAR, p3).

E há componentes que complementam a tão conhecida marca do diretor que é a “estrada”. Alguns dos mais frequentes componentes são: a solidão, o deslocamento, as grandes paisagens, e a música. Todos estes ingredientes são misturados em grande parte dos filmes de Wenders, e junto a uma fascinante fotografia e excelente roteiro, temos como resultado obras magníficas, dotadas de poesia, de sutileza, e de encanto. Wenders mescla esses componentes todos em suas obras e oferece aos espectadores uma verdadeira produção artística.

Para compreender melhor o cinema de Wim Wenders a seguir há uma análise de alguns aspectos de suas produções com declarações do próprio cineasta.


FOTOGRAFIA

“O ato de filmar é um ato heroico (não sempre, nem sequer frequentemente, mas por vezes). A progressiva distribuição da percepção exterior e do mundo é por um instante suspensa. A câmera é uma arma contra miséria das coisas, nomeadamente contra o seu desaparecimento. Por que filmar? Não saberá de outra pergunta menos idiota?”. (Do livro: A Lógica das Imagens, de Wim Wenders. Texto original publicado no jornal Libération, caderno especial de abril de 1987).

A fotografia de Wim Wenders é bela e envolvente, é constantemente elogiada pelos críticos. Wenders trabalha bem com a câmera, com os ângulos de filmagem. Wenders já foi pintor, e, talvez por isso, tenha essa percepção notável e artística quanto a beleza do que sua câmera capta. A imagem do diretor atrai os olhos do espectador. “Fui pintor. Interessava-me única e exclusivamente o espaço: paisagens e cidades (...). Quando comecei a filmar ficava, em vista disto, como pintor do espaço a procura do tempo”. (A Lógica das Imagens, de Wim Wenders, cit pg 73).

MÚSICAS

Uma vez ele declarou numa entrevista: “... um filme sem música, para mim, seria inútil, eu jamais o faria. As imagens ficariam nuas, desprotegidas, doentes, e provavelmente logo morreriam".

Em seus trabalhos, ele faz justiça à sua própria declaração, utilizando o recurso musical como uma das grandes forças de suas produções. Coloca a música certa, no momento ideal. Já trabalhou e utilizou-se de músicas de diversos cantores e bandas bastante conhecidas, como “Talking Heads”, ou “U2”. Wenders faz uso perfeito do recurso sonoro tornando as cenas de seus filmes ainda mais envolventes.

ESTRADAS

Conhecido pelos “road movies”, Wenders talvez use esse elemento clássico como uma metáfora. A estrada pode representar a liberdade, a busca por algo novo, a fronteira a ser atravessada, o deslocamento.  Em alguns filmes do diretor, parece que estes significados mencionados realmente compõe o estado de espírito dos personagens. Fato é, que Wenders faz da estrada algo cativante, e, que tornou uma assinatura dos filmes do diretor. Embora nem todas as suas obras se passem em estradas, muitas se passam, e esse fator certamente tem um propósito.

“Tem a ver com liberdade, claro. De certas maneiras, de formas diferentes, com a liberdade. Todos nós, que gostamos de viajar, sabemos como é interessante para a mente alguma viagem (...). Sabemos que a viagem não é chegar a algum qualquer lugar, mas é estar no trem, estar fazendo a viagem (...) é a experiência de estar na estrada”. (Imagens que Obedecem, Caixa Cultura, 2011).


Win Wenders é ainda muito além do que aqui foi mencionado. Mas a melhor forma de compreender o trabalho desse diretor, é assistir a um de seus filmes, e, dessa forma, lançar-se nestas viagens inesquecíveis em busca de entender e sentir os artísticos feitos de Wenders em suas produções.

segunda-feira, 27 de abril de 2015

DAVID LYNCH

Por: Vannucchi

Nascido em 20 de janeiro de 1946 na cidade de Missoula (estado de Montana), Lynch é filho de um pesquisador do departamento de agricultura dos EUA (Donald Walton Lynch) e de uma professora de inglês (Edwina "Sunny" Lynch). Seus avós maternos imigraram da Finlândia para os EUA no século 19, Lynch nasceu e foi criado dentro dos preceitos da religião prebisteriana. Teve uma infância itinerante no interior dos Estados Unidos. Mesmo assim, conseguiu concluir os estudos. Tendo o sonho de ser pintor, especializou-se sobre o tema numa academia de arte. Largou o curso mais tarde e partiu para uma viagem à Europa em busca de inspiração para seu trabalho. De volta ao país de origem, Lynch viu-se na obrigação de trabalhar em ramos que não lhe agradavam. Ao mesmo tempo resolveu retornar aos estudos, entrando na Academia de Belas Artes da Pensilvânia. Em 1967 casou-se com uma colega e teve sua única filha (teria mais dois homens), Jennifer Chambers Lynch, que se tornaria diretora e também tomaria gosto pelo bizarro. Foi ela quem dirigiu o "clássico trash" Encaixotando Helena (1993) (Boxing Helena). Lynch estava totalmente envolvido com artes plásticas, e isso se refletiu na linguagem de seus primeiros trabalhos, que também eram bastante provocadores. Nessa época realizou os seguintes curta-metragens: Six Men Getting Sick (1966), The Alphabet (1968), The Grandmother (1970) e The Amputee (1974).

Em 1971 começou a trabalhar na produção da sua primeira longa-metragem, Eraserhead (1977). E não foi tarefa fácil, tomando cinco anos de sua vida para a sua conclusão, além do final de seu casamento. Eraserhead foi considerado difícil. Na época de seu lançamento poucas pessoas assistiram o filme que já misturava o tão famoso mundo bizarro de Lynch e arte em stop-motion.Anos depois, dirigiu seu primeiro grande filme, O Homem Elefante (1980) (The Elephant Man). Produzido por Mel Brooks (que gostou do que viu em Eraserhead), o longa foi muito bem recebida pela crítica e recebeu oito indicações ao Oscar, incluindo melhor diretor. Em 1984 Lynch dirigiria a ficção científica Duna, uma superprodução sob a tutela de Dino De Laurentiis. O resultado foi um retumbante fracasso, fazendo com que o cineasta nunca mais se envolvesse em projetos grandiosos. A sua volta por cima seria dada em 1986 com O Veludo Azul (Blue Velvet), thriller com toques de fantasia que deu a Lynch nova indicação ao Oscar da categoria. Além de uma parceria que viria a ser constante com o compositor Angelo Badalamenti. Em 1990 ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cannes com o estonteante Coração Selvagem (Wild at Heart), protagonizado por Laura Dern e Nicolas Cage.
 
Em 1971 começou a trabalhar na produção da sua primeira longa-metragem, Eraserhead (1977).

Ainda no mesmo ano Lynch faria sua estréia na televisão como criador de uma série que marcou época, Twin Peaks. Tendo como astro o mesmo ator principal de Duna e Veludo Azul, Kyle MacLachlan, a trama gira sobre a morte de uma jovem moradora da cidade que dá título à série. Lynch dirigiu apenas o piloto e cinco dos 29 episódios. Com o sucesso, em 1992 uma versão para o cinema foi lançada, onde mostrava mais detalhes sobre a intrincada trama. Para desespero do diretor, o filme foi um fracasso, arrecadando míseros quatro milhões de dólares. O mistério de Laura Palmer foi o único sucesso na TV de Lynch, mesmo tendo participado da criação de outros seriados. Um desses fracassos seria Mulholland Drive (2001, planejado como série televisiva mas adaptado para o cinema quando os produtores não gostaram do material apresentado. Em 1997, A Estrada Perdida (Lost Highway) chegou aos cinemas. É outro thriller com toques de fantástico e considerado pelos fãs do cineasta como o seu trabalho mais insano. Talvez por causa disso, realiza A História Real (1999) (The Straight Story) logo depois. O filme é diferente de tudo que ele já havia feito, sem quase nenhum elemento bizarro, a não ser pelo fato do protagonista atravessar o país a bordo de um pequeno trator para visitar o irmão - Lynch em "versão calma". Já em Mulholand Drive" voltaria a sua característica principal, com um filme recheado de personagens (muitos deslocados por terem sido desenvolvidos especialmente para a cancelada série de TV) e situações bizarríssimas. Foi o filme que revelou a atriz Naomi Watts e deu a Lynch o prêmio de melhor diretor do Festival de Cannes. Inland Eempire (no Brasil, Império dos Sonhos), seu último longa, é um filme plástico. O filme é como se fosse uma interseção dele com outros filmes e um programa televisivo (Rabbits), este último, o ápice: onde tudo se espelha, e provavelmente tende a chegar, igual a um paraíso desorientado, o qual Susan/Grace (personagens centrais) conquista e contempla - a vencedora, guiada como o filme bruto foi guiado, pela intuição ou magia, numa linda explosão de vingança e libertação.
 
David Lynch sempre está envolvido em projetos. Nunca parou de produzir curtas e quase sempre cria filmes em animação. A internet também foi um caminho que adotou para divulgar o que cria tendo em seu site pessoal um grande acervo de trabalhos.

TwitterFacebookRSS FeedEmail