Fanzine Brasil

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

TUDO SOBRE O PANDEMIA ZINE

 Por Juliana Vannucchi

No final do ano mais estranho e apocalíptico de nossas vidas, os estudantes do curso de Pós-graduação do curso de Comunicação e Cultura da Universidade Positivo, Diego Bagatin, Lucas Pelegrini e Carlos González, lançaram a edição inaugural do “Pandemia Zine”, uma revista independente com conteúdos que navegam pelas melhores zonas da vasta cena underground brasileira. O conceito do fanzine possui inspiração no psicodelismo dos anos 60 e também, é claro, no universo ideológico e estético do Punk Rock. Além de conter ótimas matérias, a primorosa edição de estreia oferece também críticas políticas e sociais que se manifestam em diversas ilustrações espalhadas pela página da revista. Como resultado de tudo isso, o leitor encontra no Pandemia Zine, um enriquecedor material cultural que valoriza ao máximo diversas produções independentes do nosso país. Conversamos com Diego Bagatin, um dos responsáveis pela revista autoral e trouxemos esse papo em primeira mão para o nosso site. Confira essa super entrevista, curta e compartilhe o link.

1. Diego, primeiramente gostaríamos de entender melhor a relação conceitual entre o Pandemia Zine a psicodelia dos anos sessenta. Esse é um ponto muito interessante...

Durante a década de 60, as comunidades que surgiram no meio da contracultura foram importantíssimas para criar uma identidade visual que falasse por eles e que compartilhasse as mesmas ideias daquele tempo. Disso surgiram, muito antes do período punk dos anos 70, os fanzines, que dialogavam por meio da arte com essas comunidades. Claro que hoje aquela visão que nós temos da juventude dos anos 60 é totalmente moldada de acordo com o que o mercado quis mostrar, jogando até mesmo certo tipo de “moda” hippie, entre outras coisas, num cenário mais comercial. Mesmo assim, criamos o Pandemia Zine com o intuito de resgatar mais da essência dos anos 70 a 90 do que os anos 60, principalmente pelo punk, mas acredito eu que a verdadeira essência de um fanzine como o nosso veio de uma antítese do Rock ‘n’ Roll “paz e amor”, como eram mostradas em bandas tipo Velvet Underground que possuíam uma atitude mais punk e underground do que o flower power.

2. Poderia nos contar um pouco sobre como surgiram os fanzines?

Desde o começo, nos anos 40, os fanzines se apresentavam como uma mídia alternativa para vários admiradores de uma cultura que por vezes não possuía um espaço na mídia convencional. Fãs de ficção científica, música, cultura em geral, todos consumiam esse tipo de trabalho alternativo como uma forma de valorizar o trabalho feito de fãs para fãs, que muitas vezes não visavam lucro, e quando visavam, era um lucro pequeno apenas para que os autores dos zines conseguissem continuar com a produção de novas edições. A partir disso, vieram muitos outros tipos de comunidades artísticas durante as décadas posteriores, e os fanzines sempre estiveram no meio como uma forma de divulgar cenas locais ou bandas que estavam no começo, mas que não possuíam nenhum tipo de espaço em uma mídia tradicional. 

 

A banda autoral She Is Dead foi um dos destaques da edição piloto

3. Gostaria que você falasse especificamente sobre a relação entre os fanzines e o Punk Rock.

Os fanzines surgiram no meio do Punk Rock principalmente a partir da fase denominada proto punk, lá no começo dos anos 70, em que bandas como Stooges, MC5, Blondie, Talking Heads e Television dominavam a cena nova iorquina e influenciaria todas as bandas punks que vieram depois na Inglaterra. Ou seja, o punk não começou na Inglaterra, e sim nessa cena underground de NY. A partir desse contexto, nós podemos dizer que os fanzines e o punk possuem características totalmente idênticas, sejam em abordagens políticas ou até no “faça você mesmo”, que é uma regra em bandas dessa época. O punk possui uma liberdade que muitos outros estilos não possuem, como o fato das bandas serem independentes e fazerem o que der na telha, e os fanzines são totalmente iguais nesse sentido, mostrando suas posições políticas e valorizando artistas de um meio que não vem do mainstream.

4. Como foi o processo de criação do Pandemia Zine?

Nós não queríamos deixar nosso fanzine totalmente idêntico aos fanzines antigos, mas fomos procurar referências para termos uma base de começo. Visitamos a Gibiteca de Curitiba, onde possui um acervo enorme de fanzines de São Paulo e Rio de Janeiro, principalmente do começo dos anos 90. A garotada naquela época estava a todo vapor divulgando o som alternativo, e ver todo o processo de criação desses fanzines brasileiros antigos foi um pontapé para que fizéssemos o nosso do nosso jeito. Nós fizemos o Pandemia Zine com uma estética que faz referência ao antigo e novo, com um design que não fosse gourmetizado, mas que também trouxesse algo de atual para a criação do nosso produto. Utilizando mídias atuais, conseguimos criar um e-book e versões para download em PDF no site do zine, com uma estética um pouco diferente, sobre tema escuro, o que é algo comum em aplicativos de celular como Instagram. Mas, fora essa questão virtual, nossa ideia é espalhar o fanzine no underground curitibano assim que pudermos todos sair de casa com segurança.

5. Qual é a importância social, cultural e artística dos fanzines? 

Os fanzines possuem uma importância enorme dentro da sociedade. A partir do momento que fãs de arte em geral veem uma necessidade de expor ideias e posicionamentos contra qualquer tipo de onda conservadorista, entre outras, eles possuem essa arma artística no melhor e mais antigo formato de mídia: a mídia física. Quando vemos posicionamentos em redes sociais, elas são reais e são feitas para que as pessoas tenham a noção do quanto é importante estar de um lado que vai contra a maré atual de governos, grupos e instituições que propagam ódio e retrocesso. Mas, do mesmo modo, há tanta informação aleatória em mídias sociais que, às vezes, fazem com que essas vozes sumam. No caso da mídia física, isso fica pra sempre, e isso que é o mais interessante em fanzines: reunir grupos que têm a cabeça aberta, colecionar os zines, trocar edições com as pessoas, dar voz e palco para bandas e artistas que não têm tanto espaço no mainstream. Isso tudo é a magia do fanzine.  


"Ao lado da música, a abordagem política é um ponto importantíssimo em zines".

6. Qual foi a maior dificuldade que vocês encontram para dar elaborar essa edição?

Na edição piloto não houve tantas dificuldades em questões de ideias e confecção. Nós do grupo começamos esse projeto antes mesmo da pandemia se alastrar, mas acreditamos que a maior dificuldade foi não podermos distribuir os zines físicos em bares e lugares onde o underground curitibano é forte, e então, mantivemos o site com a versão em e-book para que as pessoas pudessem ter esse conteúdo na íntegra.

7. Notei que há um viés político no material. Os fanzines geralmente possuem esse tipo de abordagem? 

Totalmente. Ao lado da música, a abordagem política é um ponto importantíssimo em zines. Possuir ideias e apoiar movimentos contra qualquer tipo de extremismo são o que fazem os fanzines serem materiais alternativos entre tanto tipo de material tendencioso.

 

"Valorize artistas e movimentos do underground para dar voz a essas pessoas".
 

8. Que dicas você dá para quem quer começar a criar um fanzine? Qual seria o primeiro passo?

Valorize artistas e movimentos do underground para dar voz a essas pessoas. Há tantos grupos que pensam em começar algo mas acabam desistindo porque não há retorno, seja musicalmente ou qualquer outro tipo de movimento artístico. Estude o local, seja na cidade onde o fanzine será confeccionado ou em lugares próximos, mas procure esses artistas, pois há muita coisa que fica de fora da grande mídia. Kurt Cobain, quando veio ao Brasil, deu uma entrevista para um fanzine local ao invés da grande mídia. Esse é o começo, valorizar esse trabalho.

9. O projeto continuará ativo? Os leitores podem esperar por novas edições? Por favor, passe os links para que possamos acessar a edição número da “Pandemia Zine”.

A ideia é continuar fazendo outras edições assim que possível, num mundo pós vacina onde as pessoas poderão frequentar shows e conhecer novos sons. Por enquanto, tivemos um retorno muito bom, de bandas e todos que leram e acharam o material nostálgico e adoraram o modo de como os temas foram abordados, e ter um projeto de TCC sendo visto por muitas pessoas que dão valor a arte é uma alegria imensa.  

A edição piloto do Pandemia Zine está disponível aqui neste link: https://zinepandemia.wixsite.com/zine/download


 


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