Fanzine Brasil

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

THE DAMNED: QUANDO UM VAMPIRO PUNK E UM GUITARRISTA PSICODÉLICO DECIDEM FAZER MÚSICA

 Por Juliana Vannucchi

Não há como pensar na história do punk rock sem levar em conta a trajetória do The Damned, uma das bandas pioneiras do gênero e um dos maiores expoentes da cena inglesa dos anos setenta (ou, talvez, mais adequadamente falando, da OAP: Old Age Punk). Aliás, neste ponto é importante frisar que a banda foi um dos primeiros grupos punks do Reino Unido a lançar um compacto ("New Rose", lançado em outubro de 1976) e também um álbum. São feitos simplesmente históricos. Porém, o The Damned não estacionou seu estilo nos limites impostos pelo mundo punk e incorporou em sua estética um toque exótico de fantasia misturado com uma aura cinematográfica de terror e uma pincelada extra de psicodelia. A soma desses elementos fez surgir uma das bandas mais peculiares, queridas e aclamadas da cena punk e pós-punk e que despertou a paixão de muitas pessoas, incluindo ninguém mais ninguém menos do que Jimmy Page, que chegou a declarar que “sempre amou o The Damned”.

UM DUO EXCÊNTRICO:

Em termos visuais e sonoros, os membros da banda sempre foram notavelmente autênticos. O vocalista David Vanian parecia sair diretamente de um caixão antes de subir aos palcos. Ele era uma espécie de Nosferatu punk barulhento! Porém, Vanian já declarou que não havia intenção de parecer um sugador de sangue e parece não apreciar muito esse tipo de comparação: “Não se tratava de parecer um vampiro. Eu (desde os 14 anos) gostava da arquitetura vitoriana e de rituais de luto. O film noir foi uma grande influência e o rock'n'roll também. Eu adorava o Gene Vincent, gostava de Elvis, mas sempre achei que o Roy Orbison tinha a melhor voz de todas. Estranhamente, eles eram todos pálidos e com cabelos pretos. Também havia as imagens daqueles filmes mudos alemães, nos quais o homem está completamente maquiado e tem os olhos escurecidos”. Por sua vez, Captain Sensible, o icônico guitarrista (por vezes, baixista) - e maestro - da banda contrastava esse visual fúnebre e preferia trajes coloridos, muitas vezes listrados ou xadrezes, alegres e descontraídos. Era uma dupla estranha e absolutamente perfeita, que serviu como fio condutor para toda a vasta história do The Damned, fazendo com que a banda sobrevivesse desde seus primórdios até os dias de hoje. Além desse duo, ao longo do tempo houve bastante mudança na formação da banda e aqui é válido sublinhar que até Lemmy Kilmister, líder do Motörhead , chegou a colaborar com o grupo!

 

"De uma forma ou de outra, o The Damned lança em seus ouvintes uma espécie de feitiço místico que os aprisiona prazerosamente".

O CONTEÚDO LÍRICO DO THE DAMNED: UM APERTO DE MÃOS ENTRE AS SOMBRAS E O SURREALISMO:

As letras de Dave Vanian sempre foram uma das referências mais valiosas da banda. Ele escreve versos com temáticas surreais, oníricas e um tanto soturnas, sendo que este último aspecto sobressai. O vocalista já assumiu publicamente numa entrevista que seu lirismo permeia por assuntos sombrios, mas sente que isso é importante porque estamos constantemente cercados por isso: “A arte sempre é influenciada pelo que está ao seu redor”. Além disso, já confessou que a morte não o assusta, está longe de ser seu maior medo e declarou que nunca a desejou.

A fantasia, conforme já citado, também sempre esteve presente não apenas nas letras, mas também em toda inconfundível aura da banda que, de certa maneira, talvez tenha encontrado sua singularidade justamente nessa mescla do universo dark com o universo fantástico que, na discografia do The Damned, sempre dialogaram. Porém, os temas não se esgotam nesses dois âmbitos e também são inspirados em outros assuntos, como filmes, livros e política.

NEW ROSE, O SINGLE HISTÓRICO DA BANDA:

O lançamento do aclamado single “New Rose”, ocorrido em outubro de 1976, antes mesmo da eclosão do Sex Pistols, foi simplesmente revolucionário. Gravado por um valor de 50£, a música é cheia de fúria e energia e foi um verdadeiro marco para o punk rock, uma vez que foi o primeiro single do gênero a ser lançado na Inglaterra. Segundo o guitarrista Brian James, autor da letra, a faixa era um prelúdio para uma nova era e, diferente do que muitos imaginavam, não descreve nenhum tipo de relacionamento amoroso. Ele explicou: “Para ser sincero, nunca pensava nas letras que escrevia. Eu apenas as anotava. Elas certamente não eram sobre uma garota, pois eu não tinha uma na época e o amor não estava em minha mente. Suponho que as palavras se encaixam perfeitamente. Depois, percebi que as letras eram sobre essa nova era, essa nova cena punk emergente”. Certa vez, numa entrevista concedida à revista Mojo, ao comentar sobre a música ser um anúncio da revolução punk, declarou que ela falava sobre: “Esse adorável zumbido que você nunca sonhou que pudesse acontecer”.

Vanian descreveu a gravação como uma “experiência fantástica” e disse que, de certa maneira, a maneira pela qual a música foi produzia apreendeu a atmosfera da banda em suas apresentações ao vivo. Ou seja, em seu resultado, “New Rose” era crua, simples e essencialmente perfeita. O vocalista do Damned revelou também que precisou gravar os vocais num corredor, e não dentro do estúdio: “Tive que cantar lá com a porta fechada, e ainda estava muito alto porque estava tudo no volume máximo. Quase não havia espaço suficiente para a banda quando o gravamos (...)”.

Ao longo dos anos, bandas como Guns N’ Roses e Depeche Mode já gravaram covers da música.

 

“A arte sempre é influenciada pelo que está ao seu redor”.
  

ENTRE O AGITO DO PUNK E A INTROSPECÇÃO DA ONDA DARK: UM GIRO PELA DISCOGRAFIA DA BANDA:

A discografia do The Damned é composta por um total de onze álbuns de estúdio, dentre os quais, alguns são absolutamente míticos e outros, por sua vez, são pouco inspiradores.

Os três primeiros, isto é, o “Damned, Damned, Damned”, o “Music For Pleasure” e o “Machine Gun Etiquette”, essencialmente flertam com a fórmula tradicional setentista do punk rock inglês, sendo que o primeiro e o segundo foram lançados justamente em 1977, ano mais memorável da história desse gênero musical. Contudo, é válido citar que o segundo e o terceiro não carregam a mesma magia do disco de estreia, que foi imensamente aclamado. Ambos pecam ligeiramente em originalidade e soam de uma maneira um tanto repetitiva, algo que talvez tenha sido inesperado para uma banda que começou a carreira de forma tão notória. Mas também é preciso admitir que seria um grande desafio atingir a mesma qualidade do “Damned, Damned, Damned”, que foi impecável em todos os seus pormenores. A começar pela memorável capa, na qual vemos os integrantes da banda com seus rostos cobertos por bolo. De acordo com Brian James: “Acharam que seria uma alegria nos surpreenderem com alguns bolos de creme, mas não sabiam que iríamos saborear, entrar na onda e desfrutar de toda a experiência”. Para alguns críticos, esse foi o melhor álbum da história da banda.

A partir de 1980, o The Damned começa a ressignificar seu estilo musical e passa a incorporar em suas canções um clima obscuro, non-sense e psicodélico, que permeia pelos quatro álbuns lançados nessa década. A fase em questão bastou para que alguns os associassem diretamente com a cena gótica. É preciso levar em conta que no início dos anos oitenta, o pós-punk estava sendo consolidado no Reino Unido e, aos poucos, tomava para si o estrelato que anos antes pertenceu ao punk rock. A mudança de rumo do The Damned foi natural e aconteceu com outros grupos. O maior expoente dessa fase sombria é o “Phantasmagoria”, que para muitos consiste na principal obra-prima da carreira da banda. Antes dele, o “The Black Album” e o “Strawberries” sutilmente já anunciavam que o Damned alteraria a rota de sua trajetória embrionária. O “Phantasmagoria” é o álbum mais poético e valioso de todos e é nele que encontramos as mais conhecidas baladas do grupo. O protagonismo do disco se concentra especialmente na voz encantadora de Vanian. A guitarra passa e experimentar efeitos diferentes e perde a velocidade e brutalidade dos três primeiros álbuns. O saxofone é um instrumento diferente que também aparece no álbum, e o teclados são usados de uma maneira magnífica e proeminente. 

Depois dessa produção, o Damned lançou o “Anything”, que é agradável e possui uma ou outra música cativante. Foi um bom trabalho, mas nada excepcional. Após essa produção, o grupo passou nove anos sem gravar, até que em meados dos anos noventa voltaram à tona com o “Not On This Earth”, um álbum confuso e fraco que, provavelmente, é o mais desanimador de toda a discografia do The Damned. Isso não aconteceu apenas com a eclosão do grunge, e lendas como Siouxsie And The Banshees, The Cure e Echo And The Bunnymen também perderam forças e ficaram em segundo plano ao longo desse período. Posteriormente, permaneceram em silêncio durante o restante da década até que, em 2001, tentaram se reinventar com o lançamento do “Grave Disorder”. Anos mais tarde, mais precisamente em 2008, veio o “Who’s Paranoid?” e, uma década depois, o The Damned nos presenteou com o “Evils Spirits”. Esses três álbuns são definitivamente bons e muito nostálgicos, pois resgatam um pouco do brilhantismo e da criatividade do início da carreira do grupo. O último deles é empolgante e soa bem do início ao fim.

De uma forma ou de outra, o The Damned lança em seus ouvintes uma espécie de feitiço místico que os aprisiona prazerosamente para sempre. Hits como “Grimly Fiendish”, “Love Song”, “Eloise”, “Neat, Neat, Neat”, “Fan Club”, Alone Again Or” são simplesmente fascinantes. A oscilação de qualidade ao longo do tempo não significa nada perto da genialidade de faixas como essas e também como tantas outras.

Referências:

https://www.google.com.br/amp/s/amp.theguardian.com/music/2020/feb/22/damned-new-rose-brian-james-punk-oscar

https://www.google.com.br/amp/s/amp.theguardian.com/music/2018/mar/19/how-we-made-the-damned-new-rose

https://www.google.com.br/amp/s/amp.theguardian.com/music/2014/apr/25/the-damned-review-captain-sensible-60th-birthday-forum-london

https://www.google.com.br/amp/s/www.gq-magazine.co.uk/culture/article/the-damned-dave-vanian-interview%3famp

https://www.google.com.br/amp/s/www.independent.co.uk/arts-entertainment/music/features/damned-interview-dave-vanian-evil-spirits-album-stream-tour-dates-a8302596.html%3famp

https://www.songfacts.com/facts/the-damned/new-rose

https://diffuser.fm/damned-anything/

https://www.phoenixnewtimes.com/music/damned-interview-dave-vanian-captain-sensible-phoenix-may-21-9340452


0 comentários:

Postar um comentário

TwitterFacebookRSS FeedEmail