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quinta-feira, 29 de outubro de 2020

O FUTURO DA MÚSICA, PANDEMIA, VIAGEM AO BRASIL E COLEÇÃO DE GUITARRAS: UM PAPO INÉDITO COM JAMIE PERRETT

 Por: Vannucchi (apoio: Marinho)

O entrevistado da vez é Jamie Perrett, que desde 2017 se firmou como guitarrista do aclamado músico Peter Perrett, seu pai, que é um dos maiores mitos do Punk Rock britânico e mundial. Com passagens pelas bandas Strangefruit, Babyshambles e Love Minus Zero e tendo subido em grandes palcos da Europa, o experiente Jamie tem construído uma carreira musical sólida e elogiável, e se firma cada vez mais como um músico talentoso e promissor.

1. Jamie, você veio para o Brasil há alguns anos atrás. Quais foram suas impressões sobre o país? O que você mais gostou da sua estadia aqui?

Eu fui ao Rio em novembro de 2014. Ir ao Brasil sempre foi um sonho que eu tive e a viagem não foi decepcionante. Só fiquei triste por não ter tido mais tempo para explorar outras partes do país.

As praias são particularmente bonitas. E também gostei das casas de sucos (com deliciosas frutas exóticas) espalhadas em cada esquina. Adorei particularmente a vibrante e inebriante Lapa - é uma sobrecarga sensorial – marcada pelo som de tambores estrondosos e de pessoas dançando noite adentro, com a tranquilidade e boêmia do topo do morro de Santa Teresa, traçada por suas cores pastel e cafés hippies. Viajei sozinho e fiquei emocionado ao ver como todas as pessoas que encontrei foram amigáveis. As pessoas, para mim, são o que normalmente fazem um lugar e eu conheci algumas pessoas amáveis e divertidas aí - pessoas que tinham sede e fome de vida.

2. Infelizmente, o Brasil está atravessando um momento muito difícil atualmente, mas talvez um dia você possa vir tocar aqui. Esperamos que até lá o Bolsonaro não destrua o país...

Eu realmente espero que sim. Eu sinto que tenho uma alma mais sul-americana do que inglesa! Ouvi dizer que o público daí é incrível. Infelizmente, é muito caro ir para essa parte do mundo. E acho que eu também precisaria de vistos. Espero que um dia de certo! 

É muito triste que déspotas tirânicos e maníacos por lucro e ganância, governem a maior parte do mundo. O capitalismo (para mim) não parece estar funcionando muito bem (risos). Realmente, parece que a sociedade está no ponto de inflexão. Há muito mais frustração e raiva e a divisão entre a esquerda e a direita está crescendo rapidamente. A prevalência da mídia social e o vício em smartphones ajudam a criar um mundo de autômatos zangados, presunçosos e cheios de direitos, que estão sempre gritando um com o outro.

"Seria ótimo se nossos governos apoiassem mais as indústrias criativas considerando quanto dinheiro isso traz".

3. Por favor, nos conte um pouco sobre a sua carreira musical. Você aprendeu a tocar guitarra com o seu pai? Além dele, quais são os seus guitarristas favoritos?

Aos 11 anos, meu pai me ensinou alguns acordes, e isso foi um ótimo começo. Meu pai é mais focado em tocar ritmos e, desde que eu ouvi Hendrix, sempre quis tocar solo.

Comecei uma banda com meu irmão mais velho, Peter J, chamada “The Cunts” (porque é como nosso pai costumava nos chamar) na época em que o Pop britânico ainda estava forte. Recebemos ofertas de gravadoras quando tínhamos 12 anos, mas nossos pais nos aconselharam a não assinar nada, pois estavam preocupados porque provavelmente seríamos vistos como uma novidade. Mais tarde, em 2004, nós (Peter J e eu) nos juntamos à banda "Babyshambles", de Peter Doherty, na qual ficamos durante um curto período. Era muito difícil não se sentir ansioso por conta das viagens de 7 horas continuamente na estrada, então logo saímos da banda.

Em 2005, eu liderei minha própria banda com meu irmão chamada “Love Minus Zero”, e foi hilário e divertido, embora esse grupo não fosse durar muito tempo. Era incrivelmente disfuncional, incendiário e nós todos nos odiávamos! Lançamos um E.P chamado ‘Psychobaby’ e nos separamos logo em seguida. Em 2008 formei uma banda com Jenny Maxwell, uma cantora incrível que ouvi cantando em uma festa em casa – a banda chamava-se "Strangefruit". Lançamos um E.P intitulado “Between The Earth And Sea”, que atraiu a atenção do rádio e da imprensa, o que resultou na oferta de um contrato de publicação com o Rondor (um grupo da Universal Music). A partir de 2015, eu comecei a tocar com meu pai, tocando guitarra em seus 2 álbuns de estúdio que marcaram seu retorno à música, o “How The West Was Won” e o“Humanworld”, ambos lançados pela Domino Records, sendo que no último eu tive um crédito pela produção.

Quanto a guitarristas, eu não costumo ouvir muitos guitarristas para estudá-los. Estou sempre mais interessado em músicas, letras e melodias. Mas eu amo guitarristas que têm uma identidade que você pode ouvir apenas algumas notas de sua forma de tocar e já saber quem são. Meus favoritos seriam: Jimi Hendrix, por levar a arte de tocar guitarra a um novo nível, Peter Green por seu tom e emoção, Richard Thompson por suas improvisações modais, Neil Young e John Fogerty devido ao seu lirismo e fraseado (você pode realmente dizer que eles são cantores).

4. Então faz cinco anos que você toca profissionalmente com o Peter? E antes disso? Você sempre quis ser músico?

Eu sempre toquei eventualmente com o meu pai, mas somente em 2015 nós estivemos, de fato, juntos numa banda. Quando eu peguei um violão pela primeira vez, havia magia e fogo em minhas mãos. Eu não sabia tocar, mas me senti como um jovem bruxo segurando sua primeira varinha, fiquei hipnotizado e parecia muito que aquele era meu destino. Acho que foi a coisa mais natural para mim, na verdade.

5. Qual foi o show mais inesquecível que você já fez?


Pelas questões erradas: um dos primeiros shows que fiz foi como um dos guitarristas do "Babyshambles", de Peter Doherty. Foi em Stoke On Trent. E dez minutos depois de tocarmos, o show acabou em tumulto. As pessoas estavam enlouquecendo, destruindo o local e o público subiu no palco e roubou nosso equipamento - “fãs” corriam pelas ruas com caixa de bateria e pedais de guitarra nas mãos, como se essas coisas fossem algum tipo de troféu. Membros da comitiva pensaram que era algo  “Rock n Roll”. Eu achei muito triste que tocamos por apenas 10 minutos. E tivemos a maior parte do nosso equipamento roubados...

E pelas questões certas: meu recente show solo em León, na Espanha. Foi muito emocionante estar de volta ao palco e neste clima atual. Foi um espetáculo caracterizado pelo distanciamento social e que contou com apenas um pequeno número de pessoas. Mas acabei tocando por 1h 45mins, arrasando de cover em cover. Haha.

6. E você pensa em lançar um álbum solo? Costuma escrever letras?


Sim. É o que eu mais gosto de fazer: escrever e produzir minhas próprias canções. Eu tenho gravado algumas músicas para um álbum e, sim, escrevo. Desde a época da escola tenho esse interesse. Às vezes, com as músicas, você pode pensar em um título ou um par de versos que irá inspirar a direção e o conteúdo lírico da música como um todo ou, na maioria das vezes, tendo a escrever as melodias primeiro e pensar nas letras depois.

7. Bem, tenho certeza que alguns guitarristas lerão essa entrevista, então gostaria de perguntar que modelo de guitarra você usa atualmente. E os pedais? Você tem preferência? Você deve ter uma bela coleção na sua casa...

Eu finalmente consegui a guitarra dos meus sonhos depois de anos e anos economizando dinheiro. É uma Fender Stratocaster 1962 pré CBS, restaurada em vermelho. Foi a primeira guitarra que comprei. A outra guitarra que toco é uma Gibson 345 1970 que meu pai passou pra mim. Obrigado, pai! 

Quanto aos pedais, gosto de alguns pedais Electro-Harmonix. O Memory Boy, Ravish Sitar e Mel 9 são todos muito divertidos! Eu também gosto particularmente do Voodoo Vibe de Roger Mayer (técnico de guitarra de Jimi Hendrix). Para gravar, gosto de  ajustar as válvulas dos meus amplificadores Fender Pro Junior e Vibro King dos anos 90 para tons de overdrive. Eu também uso um Germânio Arbiter Fuzz Face dos anos 1960, um Tubescreamer Ibanez e um raro Fuzz dos anos 70, que não irei revelar. Eu também uso várias máquinas de eco de fita das décadas de 1960 e 1970.

Jamie em ação ao lado pai: dois guitarristas monstruosos!

8. Você pode dar alguns conselhos para quem está aprendendo a tocar guitarra? 

Continue tocando, tente tocar um pouquinho todos os dias e divirta-se. Não tente começar com coisas que são muito difíceis. Seja dedicado nesse tempo diário de treino e não se distraia.

9. Você tocou em León no período da pandemia, certo? Como foi a experiência de tocar ao vivo na “nova forma” normal? Como as pessoas reagiram?

Foi um show realmente comovente. Tem sido uma época estranha e maluca para todo mundo, e a falta de música ao vivo tem sido muito difícil para muitas pessoas. Acho que as pessoas que compareceram ficaram muito felizes em ver música ao vivo novamente. 

10. Você se sente satisfeito tocando assim? Acredita que essas novas experiências serão tão boas quanto eram antes da pandemia? Provavelmente melhor tocar desse jeito do que não tocar...

É muito diferente, mas gostei de tocar desse jeito. De certa forma, o público foi mais grato e receptivo. É claro que é ótimo tocar em locais lotados, mas para tais locais em particular, é difícil garantir que os shows aconteçam dessa nova maneira, enquanto eles lutam para cobrir seus custos. Acho que qualquer coisa é melhor do que nada nesta fase. Seria ótimo se nossos governos apoiassem mais as indústrias criativas considerando quanto dinheiro isso traz.

11. Qual a sua opinião sobre os shows drive-in? Acho que vai ser excelente para a elite, que sempre teve vantagem para aproveitar a arte e a cultura - pelo menos aqui no Brasil será assim. Quem não dirige, quem não pode ter carro e quem é pobre não terá acesso...

Interessante, embora a ideia de assistir a um show sentado num carro não me atraia muito. Além disso, eu não dirijo, então…

12. Recentemente, você postou no Facebook que estava mixando algumas faixas e trabalhando em muitas coisas novas. Você pode nos contar um pouco mais sobre isso?

Finalmente consegui gravar algumas das minhas próprias faixas. E eu tenho 9 músicas gravadas e mixadas. Espero lançá-las em algum momento no início do próximo ano. Infelizmente, a indústria da música está numa situação estranha atualmente e, embora seja super fácil de lançar online, a falta de uma válvula de escape criativa ao vivo é algo  perturbador. Esperançosamente, haverá alguma clareza e um otimismo renovado que virá com o início de um novo ano e haverá alguma luz no final de um horizonte sombrio. Foram alguns meses humilhantes e surreais, mas só precisamos continuar. É a única opção para seguir em frente. Caso contrário, seu cérebro e corpo desligam. Muitos músicos e pessoas criativas podem sentir que suas vozes estão abafadas e mitigadas, mas assim que sairmos dessa situação, haverá um grande apetite por novas músicas e para toda a arte, o que é algo que me ajuda a ficar otimista.





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