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sexta-feira, 25 de setembro de 2020

A MÚSICA DO THE CULT COMO ARMA PARA UMA REVOLUÇÃO CULTURAL

Por Juliana Vannucchi



A banda The Cult durante a década de 80.

DE SOUTHERN DEATH CULT A THE CULT:

A banda Southern Death Cult, formada em 1981, é o embrião do The Cult. Ela era composta por Ian Astbury, David Burrows, Barry Jepson e Haq Qureshi. Apesar de sua qualidade, o grupo remanescente lançou somente um único álbum de estúdio. Mas apesar da jornada ter sido curta, houve um fato marcante que vale a pena ser citado a título de curiosidade: eles abriram shows para o Theatre Of Hate e também para o Bauhaus.

O SDC logo se tornou o Death Cult, banda especialmente caracterizada pela forte presença do talentoso guitarrista Billy Duff, que em seu currículo trazia uma passagem pelo Nosebleeds, projeto musical de vida curta, do qual Morrissey fez parte e que não emplacou. O primeiro show ao vivo da banda aconteceu em 1983, em Oslo, na Noruega. No ano seguinte, para se afastar de conotações góticas que começavam a sondar a imagem do grupo, eles então se transformaram no The Cult e em pouco tempo se tornaram uma das maiores lendas musicais dos anos oitenta.

Suas influências sonoras são bem diversificadas e percorrem até mesmo gêneros como o Hip-Hop e R&B. Dentre as maiores inspirações, estão nomes clássicos do Rock, como Led Zeppelin, Pink Floyd, Black Sabbath, Sex Pistols e ícones do Glam, como Bowie, Slade e Mott The Hoople. Essa interessante diversidade de influências estéticas certamente refletiu na variação sonora que caracterizou a discografia do The Cult.

CULTURA INDÍGENA E ESPIRITUALIDADE:

Ian Astbury, em muitas ocasiões, contou que era uma criança diferente das outras. Não ouvia os mesmos discos que a maior parte dos colegas ouvia e ele chegou a ser expulso da escola por ter tingido o cabelo com tinta azul. Um verdadeiro outsider. Além de ser um jovem tão fora dos padrões, desde novo Ian nutria interesse pela espiritualidade e o músico já declarou que se lembra de ser questionador desde a tenra idade, quando também tinha bastante apreço pela área da História. O interesse pela cultura indígena também era grande.

Ian nasceu no Reino Unido, mas quando novo mudou-se para o Canadá. Certa vez, a escola na qual estudava organizou uma excursão para uma reserva indígena e esse passeio marcou a vida do futuro vocalista do The Cult. Ver os índios ali, em seu estado natural, no qual se constatava uma cultura tão diferente, foi fascinante e decisivo.

Como resultado dessa experiência, de maneira geral, toda a carreira artística e a existência de Ian sempre carregaram resquícios desse universo: “Meu interesse pelos índios americanos começou quando emigrei para o Canadá aos 11 anos e conheci a cultura indígena. A partir daí, percebi que havia semelhanças entre os indígenas norte-americanos, os mongóis e os tibetanos em termos das suas filosofias religiosas e espirituais e até do seu visual, que é muito parecido. Li um livro sobre os nômades tibetanos e fiquei obcecado pela estética, e depois pela religião, e depois, pela filosofia. Mais tarde, tive conhecimento dos ensinamentos de um professor tibetano, chamado Chögyam Trungpa, que é autor do livro “Cutting Through Spiritual Materialism”, obra que me disse muito. Eu o li nos anos 80, acho que quando tinha cerca de 25 anos, e as ideias desse livro me deixaram abismado, pois tudo nele era tão diferente daquilo que tinham me ensinado, em termos de valores espirituais e filosóficos! Mas como tinha 25 anos ainda tinha aquele estilo de vida muito acelerado da banda. Às vezes era bastante autodestrutivo, mas tinha algum juízo. Só depois de muita autoexploração, muitas viagens e muita contemplação é que lá cheguei”.

Em várias ocasiões, Ian teceu comentários sobre espiritualidade e religião, que, é claro, também possuem um reflexo notável em sua música e vida. Numa ocasião, refletiu a respeito desses assuntos: “Nessa encarnação pela qual estou passando, eu acho que minha intenção absoluta é descobrir ‘Que lição é essa?’ E a mensagem é: ‘Preste atenção. Preste Atenção. Preste Atenção’, disse Ian numa entrevista concedida ao jornalista James Rotondi.

Ian costuma ser uma pessoa reflexiva. Numa entrevista concedida a Blitz, filosofou: “Se você perguntar às pessoas o que significam as suas vidas, a maioria não vai saber responder. Não falo tanto do significado filosófico do sentido da vida. Mas enquanto indivíduos, qual é o sentido da nossa vida? A maior parte das pessoas vai dizer que não sabe, ou dão-te uma resposta muito longa e filosófica”.

UM GIRO PELA DISCOGRAFIA DA BANDA - ÍNDIOS HOPI, NIETZSCHE, DOCTOR WHO E OUTRAS COISAS QUE VOCÊ NÃO SABE!!

No geral, o The Cult possui uma discografia notavelmente qualificada. Ao longo dos seus dez álbuns de estúdio, a banda buscou corajosamente se reinventar e explorar texturas variadas, sempre obtendo êxito em seus experimentos musicais, embora devamos admitir que foi especialmente durante os anos oitenta que o The Cult atingiu o ápice de sua criatividade, oferecendo uma estética bastante singular.

E foi através do “Dreamtime”, de 1984, que o The Cult deu o pontapé inicial nessa carreira musical tão sólida que se estenderia pelas décadas seguintes. Esse primeiro disco, assim como o seguinte, é agitado em termos instrumentais e carrega um pano de fundo sutilmente obscuro.

Na sequência, houve um salto de criatividade por parte da banda, que lançou o “Love”, álbum que é, certamente, a produção mais conceituada e mais vibrante de toda a discografia do The Cult. Nele se encontram as músicas mais famosas de sua história, como “She Sells Sanctuary”, cuja memorável introdução de Duff é resultado de todos os pedais de efeito da guitarra sendo ligados ao mesmo tempo; “Rain”, cuja letra foi inspirada na cultura indígena norte-americana e, precisamente, numa dança da chuva que os nativos Hopi faziam, e “Revolution”, grande hino dos anos oitenta. Junto com o trabalho seguinte, a meu ver, o Love foi o auge de originalidade da banda.

O sucessor é o “Electric”, no qual a guitarra fica mais acentuada e a banda inicia um processo de afastamento definitivo da aura parcialmente sombria que a acompanhava e do rótulo de “banda gótica” que teve durante os dois primeiros trabalhos de estúdio. Aliás, desse álbum em diante, o The Cult passa a ser diretamente associado a gêneros como hard rock e heavy metal, sendo que, de fato, ao menos com o primeiro desses gêneros, a banda certamente dialoga em algumas passagens de sua discografia. Posteriormente, o grupo lançou o célebre e genial “Sonic Temple” que porta algumas das músicas mais memoráveis da carreira do The Cult, sendo uma delas a lendária “Sweet Soul Sister”, uma verdadeira obra-prima do The Cult. O sucesso dessa faixa foi tão grande que ela passou a compor a trilha sonora da série Doctor Who, sendo tocada no episódio “Journeyt o the Centre of the TARDIS, originalmente exibido em 2013.

O “Ceremony” é um álbum místico e no geral é bem barulhento, reforçando o apreço da banda por um som ligeiramente mais “pesado”. Conceitualmente, foi inspirado na cultura dos índios nativos norte-americanos. O álbum foi bem recebido, mas seu potencial sucesso ficou parcialmente ofuscado pelo grunge, que, nesse mesmo período, se firmava como o grande gênero do rock. O grupo se dissolveu em 1995, mas dois anos mais tarde se juntou e, em 1997, foi lançado o “The Cult”, que fechou o ciclo de produções dessa década e que, com menos glamour do que o seu antecessor, no geral, passou despercebido. Depois disso, a banda só voltaria ao estúdio nos anos dois mil, lançando “Beyond The Good And Evil”, em 2001. Esse título é uma referência ao livro “Além do Bem e do Mal”, escrito pelo pensador alemão Friedrich Nietzsche. Um fato curioso é que o guitarrista Mick Jones, com passagem por grandes nomes do hard rock, como Bad Company e Van Halen, fez uma pontinha nessa produção. No entanto, em termos gerais, o disco não é tão contundente.

Em 2007, a banda lança o “Born Into This”. Pouco mais tarde, em 2012, apresenta o “Choice Of Weapon”. Esse último emplacou um pouco mais do que o seu antecessor e, por fim, o The Cult produziu o “Hidden City”, em 2016, décimo álbum de estúdio da discografia da banda e que recebeu elogios positivos, além de ter uma ótima recepção por parte da crítica especializada. De fato, é um álbum bem elogiável, através do qual a banda resgata sua inventividade. É provavelmente o trabalho de estúdio mais encantador que o The Cult produziu nos anos dois mil.

IAN ASTBURY NO THE DOORS?

Em 2002, Ian Astbury assumiu os vocais do The Doors, numa reunião histórica que a banda fez com os icônicos membros originais, Robby Krieger e Ray Manzarek. Depois de uma primeira apresentação nesse referido ano, tocaram juntos em mais de cem ocasiões.

Além dessa passagem pelo Doors, o aclamado e talentoso frontman do The Cult também já fez outras colaborações importantes em sua trajetória musical, como, por exemplo, quando subiu ao palco com o MC5 ou quando participou de uma música no primeiro álbum solo de Tony Iommi, conceituado guitarrista do Black Sabbath. Também já colaborou com Debbie Harry e outros artistas.


Ian Astbury e Billy Duffy

AD INFINITUM...

O The Cult é apaixonante. A experiência estética que suas produções oferecem ao ouvinte dificilmente podem ser traduzidas em palavras. Eles são simplesmente excepcionais e suas músicas devem ser ouvidas no volume máximo! Ian define o som da banda como uma “arma de revolução cultural”. Duff acredita que o The Cult é uma banda propriamente dita de rock. E para ele, o Rock And Roll e a necessidade desse gênero irão durar ao menos enquanto a humanidade existir. E para a posteridade, certamente o The Cult e necessidade humana de suas músicas também estarão eternizados.

Referências:

https://www.songfacts.com/blog/interviews/ian-astbury-of-the-cult

https://globalnews.ca/news/5360152/ian-astbury-interview-the-cult/

https://www.google.com.br/amp/spillmagazine.com/spill-feature-creating-moments-rock-interview-billy-duffy-cult/amp/

https://www.allmusic.com/blog/post/billy-duffy-interview

https://www.radiorock.com.br/2017/09/20/89-entrevista-ian-astbury-do-the-cult/

https://www.google.com.br/amp/www.wikimetal.com.br/ian-astbury-diz-que-o-termo-rock-classico-e-uma-abominacao/amp/

https://blitz.pt/principal/update/2016-02-13-The-Cult-o-dia-em-que-Ian-Astbury-abriu-o-livro-a-BLITZ

https://blitz.pt/principal/update/the-cult-eu-era-um-musico-de-sucesso-mas-nao-era-feliz-diz-ian-astbury-audio=f82325

https://www.google.com.br/amp/s/playadelnacho.wordpress.com/2012/04/12/the-cult-ian-astbury-revela-como-a-espiritualidade-o-ajudou-a-superar-tragedias-pessoais/amp/

https://en.m.wikipedia.org/wiki/She_Sells_Sanctuary

https://en.m.wikipedia.org/wiki/Journey_to_the_Centre_of_the_TARDIS

https://whiplash.net/materias/news_839/155569-cult.htmlrevela-como-a-espiritualidade-o-

https://www.popmatters.com/160456-choose-your-weapon-an-interview-with-the-cult-2495836198.html

http://m.digitaljournal.com/article/325505

https://www.google.com.br/amp/spillmagazine.com/spill-feature-creating-moments-rock-interview-billy-duffy-cult/amp/


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