Fanzine Brasil

domingo, 16 de dezembro de 2018

ENTREVISTA COM BRUNO MAIA, DA BANDA TUATHA DE DANANN

Por: Vannucchi

No fim de setembro, tive oportunidade de, pela primeira vez, assistir ao Thuata de Dannan, no SESC, em Sorocaba (SP). A banda tocou músicas do novo álbum e também outras faixas de seu repertório clássico. Pensava que não poderia haver erro: eu amo mitologia Celta (e outros aspectos culturais dos celtas) e gosto bastante de Heavy Metal. Minha expectativa, portanto, era bem grande e, felizmente, ela foi superada. O show foi simplesmente fantástico – um banho espiritual. Teatro lotado, público envolvido e a banda arrebentando no palco (teve até queda de energia, e daí, quem mandou bala pra ir tocando o show, foi o pessoal da plateia que começou a cantar intensamente). A experiência, do começo ao fim, foi mística e por um período de tempo (que não sei precisar quanto foi, pois durante a apresentação, eu estava completamente alheia ao espaço/tempo), pude vivenciar um êxtase e viajar para horizontes desconhecidos, nos quais apenas o delírio enunciado pelos acordes da banda importava – o resto, todo o resto estava completamente suspenso.

Antes de tocar a “Tan Pinga Ra Tan”, música que é um dos maiores (talvez, o maior) clássico da banda, o vocalista e multi-instrumentalista Bruno Maia anunciou que a letra da referida canção, tratava-se de um local em que não exista dor e em que não há tristeza, um local no qual apenas o prazer e a alegria imperam. Neste momento, meus olhos se encheram de lágrimas (nos momentos seguintes também), pois belo e inesquecível aquele coro todo cantando o refrão junto, cheio de potencia e fôlego. E todos vibravam durante essa música, especialmente quando o Bruno tocava flauta, era impossível não se empolgar. Enfim, acho que a descrição que o músico fez a respeito da letra de “Tan Pinga Ra Tan”, serve para resumir praticamente todo o trabalho da banda, uma vez que suas músicas, edificadas por artistas de notável talento e carisma, dispõe de um elemento mágico que transporta o ouvinte para um enigmático e confortável momento de suspensão do sofrimento, e de um imediato encontro com uma calorosa sensação plena de emoção, amor e deleite.

Enfim, esteticamente, o show foi espetacular. É muito interessante (e empolgante) a maneira como elementos celtas (tanto em termos de conteúdo das letras, quanto em aspectos sonoros) se encaixam harmoniosamente com dosagens de uma musicalidade influenciada e caracterizada por componentes clássicos do Heavy Metal. Além de toda essa experiência boa que eu tive com a apresentação, comprei um DVD muito legal da banda, tirei foto e conversei com alguns integrantes, pois todos eles estavam presentes após o término do show para poder interagir com o público e eu acho isso excelente pelo fato de que é uma ocasião que permite um contato mais íntimo e direto com a genialidade dos artistas e eu, como alguns leitores bem sabem, sou uma apreciadora do underground e, assim sendo, acho muito positivo romper aquela barreira chata de “ídolo” e “fã”, pois ambos podem se inspirar mutuamente ao partilharem ideias, informações e conhecimentos em geral.
Parabéns aos membros da banda e, como agradecimento pela maravilhosa experiência, deixa aqui uma nota do célebre Arthur Schopenhauer que, penso eu, descreve um pouco do que vocês são e do que penso a respeito de seus trabalhos: “A invenção da melodia, o desvelamento nela de todos os mistérios mais profundos do querer e sentir humanos, é obra do gênio (…) o compositor manifesta a essência mais íntima do mundo, expressa a sabedoria mais profunda (…)” (SCHOPENHAUER, Arthur. Metafísica do Belo). Vocês revelam-nos os sentidos mais secretos do mundo.

Abaixo, você confere um papo que tive com o Bruno Maia antes do show. Ele contou alguns fatos curiosos e marcantes sobre a trajetória da banda, comentou sobre o futuro da Thuata de Dannan (e contou outras coisas interessantes – por exemplo, o fato de que ele gosta do trabalho do David Lynch).

1. Eu li que você sabe tocar diferentes instrumentos musicais. Quais você toca e como aprendeu?

Arranho um tanto de coisa: flautas, violão, bandolim, banjo, bouzouki, teclado, guitarra e baixo; mas o que toco melhorzinho é o violão. Aprendi mais formalmente violão erudito quando novo, o resto foi na unha.

2. Como surgiu seu interesse pela cultura Celta, e quais são os aspectos dessa civilização que mais te chamam a atenção?

Surgiu de um desenho do Rei Arthur que passava no SBT diariamente nos anos 80. Eu fiquei doido com o Rei Arthur e por isso minha mãe me presenteou com um livrinho da estória que em seu prefácio mencionava a origem celta da lenda e tudo mais. A partir daí eu fui fisgado pela magia dos povos celtas; um interesse que nasceu das lendas e mitologia e passou pela História de várias nações e culturas celtas, passou pela música, literatura, questões da identidade nacional irlandesa e que se estendeu até a vida acadêmica.

Qual é a importância da mitologia celta no mundo atual? Acredita que os valores transmitidos pelos mitos podem agregar ainda podem agregar algo de positivo?

Os mitos estão presentes em nosso dia a dia muito mais que a maioria das pessoas pensa. Na verdade, encontram-se em quase tudo que nos rodeia. Pra ser mais extremo, segundo muitos linguistas, qualquer palavra já é um mito, tudo que se repete como modelo, como paradigma é mitológico, né? Vivemos revisitando e reprisando estruturas míticas.


3. Gostaria que você nos contasse um pouco sobre como surgiu e se concretizou a ideia de unir o Rock And Roll (especificamente o Heavy Metal) com elementos celtas.

Foi algo natural na verdade. Uni uma grande paixão (a cultura celta) a uma inclinação inelutável (a música). Desde muito novo já tocava violão e a música me dominou e por conta disso, fatalmente iria mexer com banda, com composições próprias e tudo mais. Quando essa hora chegou o caminho foi único coração que era a música e a paixão que era o imaginário celta em geral.

4. Você lembra qual foi a primeira música gravada pela Tuatha de Danann? Qual foi reação dos membros ao terminarem essa primeira música (ou então as primeiras). Estavam seguros com o resultado?

Nós éramos muito novos quando começamos, eu tinha 13 anos. E quando gravamos a primeira demo tape eu tinha 15. Então imagine a empolgação de todos nós que tínhamos a mesma faixa etária: foi inacreditável!

5. Você é o único membro presente desde o início da banda, correto? Por que houve tanta mudança de integrantes?

O Giovani Gomes, baixista, também está desde os primórdios, desde 1994. Ele ficou fora do meio de 95 ao meio de 98. E não acho que houve tantas trocas nesses mais de 20 anos, foram 5 vezes só.

Durante um período de tempo, um anão participava das apresentações. Aonde vocês o encontraram e como surgiu essa ideia?

Ele é um amigo nosso, aqui da nossa região e que curte metal e sempre esteve nos eventos, nas bagunças e tudo mais. Como àquela época nosso som era mais povoado por esses lances de fadas, duendes e anões, o chamamos para participar dos shows como o próprio Finganfor (que é o personagem de uma canção da banda) e era tudo muito legal. Ele tinha sua própria roupa, bebia pra caramba, anunciava a banda e todo mundo adorava.

6. Qual foi o momento em que a Tuatha de Danann passou a ter maior reconhecimento público e midiático? A que fatos você atribui esse reconhecimento?

Não sei precisar, mas sendo sincero, desde o primeiro lançamento da banda a gente chamou atenção, tanto do público quanto da mídia. Hoje pode parecer normal, pois temos TUDO a nossas mãos com a internet e tudo mais, mas nos anos 90, sem internet e coisas do tipo, uma banda de metal com flautas era algo muito diferente. Todos os lançamentos foram muito bem recebidos, mas talvez o Tingaralatingadun tenha sido um divisor de águas, pois ele vendeu muito bem e apresentou a banda em várias de suas facetas.
"Cada banda é um universo e todo universo é cheio de problemas. Tivemos e ainda temos os nossos."

7. Certa vez, vi numa entrevista (se não me engano, no Jô Soares), um comentário de algum dos integrantes dizendo que as letras que vocês produzem, às vezes, são histórias que vocês próprios criam. Poderia nos dar alguns exemplos disso?

É porque criamos alguns personagens na banda, principalmente na época do Tingaralatingadun. A própria faixa título já tinha isso: seria uma reunião dos seres encantados que estavam enfurecidos com o fato do homem não acreditar na onde não há tristeza, só alegria e amor – inclusive tem pinga no nome, o gigante Brazuzan existência deles, eles queriam se corporificar pra afirmar sua existência, mas beberam demais e deu tudo errado….Tem o anão Finganforn, a terra mágica Tan Pinga ra Tan… e por aí vai.

8. Quais são as músicas que você mais gosta de tocar ao vivo?

Vixe, gosto de muitas. Acho que “We´re Back” do último disco é uma de minhas preferidas, assim como outra mais recente, a “The Brave and the Herd”. Mas também gosto de “Dance of the Little Ones”, “Tan Pinga ra Tan” e muitas outras.

9. A Tuatha de Danann já se apresentou em outros países. Como foram essas experiências fora do Brasil?

Fizemos uma turnê na França que se encerrou com 3 shows na Alemanha. A tour na França foi muito legal, rodamos um mês por todo o território francês. Parecíamos crianças tendo um sonho realizado.Fomos convidados por nossa gravadora francesa e acabamos tocando também no Wacken Open Air na Alemanha( onde vencemos uma competição que nem sabíamos que competíamos). Na França, o último show foi em Paris e fizemos um show sold out sendo headliners. Foi a coisa mais louca ver os franceses cantando nossas músicas bem alto, sabe(?), delirando com o Tuatha. Foi até mais doido que o próprio Wacken, pois lá era só a gente e todos lá estavam pra nos ver, inesquecível.

10. Que tipo de efeito você acredita que suas músicas causem nos ouvintes?

Não sei responder isso, mas creio que seja algo positivo pois a maioria de nossas músicas tem uma aura mais pra cima que pra baixo.

11. Além da música, o que você gosta de fazer?

Ler e assistir filmes.
"... segundo muitos linguistas, qualquer palavra já é um mito, tudo que se repete como modelo, como paradigma é mitológico, né? Vivemos revisitando e reprisando estruturas míticas".

12.  Por que a banda levou 11 anos para voltar ao estúdio antes do lançamento do Dawn of the New Sun?

Cada banda é um universo e todo universo é cheio de problemas. Tivemos e ainda temos os nossos. Aquela época foi muito confusa e com problemas de ordens diferentes se contorcendo e misturando.

13. Quais são suas principais influências musicais?

Mais difícil que responder isso não há! Mas pra citar alguns muitos e extremos entre si: Beatles, Yes, Renaissance, Paradise Lost, Raibow, Helloween, Amorphis e música celta.

14. E além da música? O que mais te inspira?

James Joyce, Oscar Wilde, Alice no País das Maravilhas, Jorge Luis Borges, Nietzsche, Guimarães Rosa, David Lynch e Minas Gerais com suas histórias e montanhas.

15. Se você pudesse dividir o palco com qualquer artista, quem escolheria?

Paul Mccartney e Milton Nascimento.

16. Quais são os planos para o futuro da Tuatha de Danann?

A banda segue firme a seu tempo compondo, fazendo shows e curtindo esse existir com tempo próprio, sem se render à demandas de mercado nem nada. Esperamos lançar um disco agora em 2018 com algum tema ligado à história de nosso estado e com certeza com uma proposta musical um pouco mais torta que o último disco pra variar um pouco.

17. Que tipo de conselho você dá para alguém que está começando a aprender a tocar algum instrumento ou que está formando uma banda?

Acho que todos deviam aprender sim um instrumento desde pequeno, faz bem pra coordenação, e pra cognição em geral. E pra quem está montando banda, o cara tem de saber que é difícil, que são mais portas fechadas que abertas mas que vale a pena se essa é sua paixão.Viver disso, no Brasil, é quase impossível, mas cada vida é uma, e cada um segue seu sonho.

*Texto anteriormente publicado no site Audiograma: http://www.audiograma.com.br/2017/11/interrogatorio-bruno-maia-do-tuatha-de-danann/

0 comentários:

Postar um comentário

TwitterFacebookRSS FeedEmail