Fanzine Brasil

sexta-feira, 25 de junho de 2021

PAM HOGG: A MODA COMO CAMINHO PARA A SUBVERSÃO DE VALORES

 Por: Juliana Vannucchi

Ilustrações: Marcelo Badari

O Fanzine Brasil teve o privilégio de conversar com Fernanda Damasceno, talentosa designer e pesquisadora de moda, com Sana Mendonça e Lauren Scheffel,  pesquisadoras e comunicadoras de moda alternativa.  Sana é criadora e autora do site “Moda de Subculturas” (http://www.modadesubculturas.com.br/), do qual Lauren é coautora. Nesse riquíssimo espaço, elaboram e disponibilizam textos diversificados sobre vários aspectos ligados à moda. Um dos materiais mais elogiáveis que o trio elaborou intitula-se “Punk e Fetichismo: Conheça a história da estilista Pam Hogg”. Com bastante segurança, podemos afirmar que esse é o material mais completo em língua portuguesa sobre a fashion designer Pam Hogg, e além de ele possuir um viés biográfico, também oferece precisas leituras sobre o trabalho e a carreira da criativa estilista. Foi através desse rico texto que eu conheci Sana, Fernanda e Lauren. Eu as convidei para uma conversa reflexiva especialmente focada nas produções da Pam, para que elas nos ajudem a conhecer e entender melhor o trabalho dessa subversiva e cultuada estilista escocesa. 

Embora a fashion designer Pam Hogg tenha raízes provindas do universo underground, ao longo do tempo ela, merecidamente, também obteve reconhecimento da grande indústria da moda. Pam sempre foi extremamente autêntica em suas criações e jamais abandonou a ideologia D.I.Y. que, até hoje, está essencialmente presente em suas produções estilísticas. A famosa designer também é autodidata e chegou a declarar que nunca estudou moda e por isso não segue regras específicas, fato que a faz trabalhar de uma maneira livre, espontânea, diferente e em contraponto com as imposições e exigências da grande indústria. Em suas peças são usados materiais bem variados, e suas inspirações são igualmente diversificadas. Todos esses aspectos fazem de Pam Hogg uma das mulheres mais inspiradoras, brilhantes e geniais de nosso tempo. 

Atualmente, além do seu trabalho na moda, ela se mostra engajada em questões políticas e sociais e, inclusive, em mais de uma ocasião, já demonstrou seu inconformismo em relação ao deplorável e medonho governo de Jair Bolsonaro. Em 2020, tive a oportunidade de fazer uma brevíssima entrevista com ela por intermédio do Zine Última Quimera. Quando perguntamos sobre o efeito que seu trabalho pode causar nas pessoas, ela respondeu: “Eu ofereço um jeito de olhar para as coisas e espero que a visão através dos meus olhos ressoe, conecte e inspire (...) Eu me esforço até que seja atingida por um momento de alegria e, assim, sinto que estou dando algo para as pessoas”. 

"Eu ofereço um jeito de olhar para as coisas e espero que a visão através dos meus olhos ressoe, conecte e inspire (...) Eu me esforço até que seja atingida por um momento de alegria e, assim, sinto que estou dando algo para as pessoas”.

SUBCULTURA, INDÚSTRIA DA MODA, ARTE E OUTRAS REFLEXÕES:

1. A primeira pergunta de nosso diálogo é direcionada para as três entrevistadas: gostaria de saber como vocês conheceram a Pam Hogg.

Sana: Não possuo lembrança de um momento específico em que tomei conhecimento da Pam Hogg, provavelmente eu a vi em alguma revista de moda mainstream e, logo depois, passei a acompanhar desfiles e matérias sobre ela pela internet, essa é a lembrança mais antiga que tenho. 

Fernanda: Conheci o trabalho da Pam Hogg em 2015 por meio da modelo e fotógrafa Alice Dellal, que é uma das modelos recorrentes nos desfiles da Hogg.

Lauren: Já faz um bom tempo, foi em alguma matéria sobre a estilista e num veículo de moda internacional, porque na mídia brasileira Pam é pouco conhecida ou comentada.  

2. Qual é o aspecto das produções estilísticas da Pam que mais chama a atenção de vocês? 

Sana: Para mim é a criatividade, o conhecimento técnico em tecidos e modelagem, porque quem costura sabe que não é nada fácil fazer a união de tecidos e a complexidade de recortes que ela apresenta nas peças.

Fernanda: Deixando a estética punk um pouco de lado, diria que a conceitualidade e a criatividade são o que mais atraem minha atenção nas produções da Hogg. Muitas vezes os seus designs extrapolam o utilitarismo, ou seja, o sentido básico do vestuário, adquirindo um lado mais alegórico e performático, cheios de discursos e questionamentos, afinal a moda não é só sobre roupas. 

Lauren: Quando vi pela primeira vez, chamou-me a atenção a estética alternativa de suas peças, inclusive a dela própria. O bom da moda alternativa é que não se tem limite na criação e as pessoas vão usar aquilo que foi apresentado. A Pam usa e abusa disso.

"Pam tem bastante afinidade com a cultura punk, pós-punk, fetichista e o club wear, embora crie coleções a partir de sua própria perspectiva criativa sobre estes grupos". (Sana)

Sana:

FZNBR: Inicialmente, gostaria que você apresentasse o site “Moda de Subculturas” aos nossos leitores. Qual é o objetivo desse espaço e como surgiu a ideia de criá-lo?

Sana: O Moda de Subculturas foi fundado em 2009, a partir de uma comunidade que eu tinha no Orkut desde 2006, chamada “Subculturas e Estilo”. Percebi que não havia um blog no Brasil que abordasse de forma aprofundada a estética usada pelas tribos e subculturas sob a perspectiva de uma bacharela em Moda. Tornou-se assim um blog pioneiro e independente sobre moda alternativa, sua relação com as subculturas, a história da moda e a moda mainstream.  

FZNBR: Sana, você poderia explicar o que significa a palavra “subcultura”?  

Sana: Existe um histórico sobre a palavra ‘subcultura’, mas como toda pesquisadora, escolhi uma linha teórica a partir de autores que considero que fazem uma boa análise da realidade, portanto uso o significado sociológico de subcultura como culturas menores presentes em culturas maiores, possuindo valores, crenças, normas, padrões de comportamento, símbolos e representações que se diferenciam da cultura maior.

FZNBR: Gostaria de saber sua opinião a respeito do último trabalho da Pam, chamado “Will There Be a Mouring/Morning”, realizado no início de 2020. A própria Hogg, aliás, já comentou que esse nome soou um tanto profético, tento a vista a pandemia que nos assolou em 2020...

Sana: Como todos os outros desfiles anteriores dela, eu apreciei muito! Pam Hogg é interessada em questões sociais e se utiliza da visibilidade de seus desfiles para comunicar seus posicionamentos. No primeiro look de “Will There Be a Mouring/Mourning”, ela já manda o recado da coleção: "Não existem direitos humanos num planeta morto". Ao longo da coleção, as características de sua marca estão lá: tule, vinil, chapéus imensos, a união de tecidos diferentes numa mesma peça, o conhecimento técnico. Podemos traçar, sim, um paralelo do desfile com a pandemia, já que esta surge a partir da exploração sem limites do homem sobre a natureza, e podemos a partir da perspectiva brasileira confirmar sua ‘premonição’, visto que os pretos, os pobres e a classe trabalhadora que não possuem o privilégio de ficar em home office têm tido seus direitos humanos negados.

FZNBR: De que maneira Pam Hogg se relaciona com o universo da subcultura? Quais são os principais pontos em comum entre a vida/carreira da estilista escocesa e esse meio?

Sana: Hogg estudou Belas Artes, na década de 1970, quando alguns clubes exigiam que seus frequentadores entrassem apenas se tivessem um visual diferenciado. Para ser aceita, ela usou sua habilidade de criar as próprias roupas e logo estaria vendendo para os amigos que faziam parte da cena alternativa, como ela. Pam tem bastante afinidade com a cultura punk, pós-punk, fetichista e o club wear, embora crie coleções a partir de sua própria perspectiva criativa sobre estes grupos.

Fernanda:

FZNBR: Poderia nos contar um pouco sobre a coleção “Courage”, de 2014, enaltecendo sua relevância social e sua motivação política?

Fernanda: Courage, além de uma coleção, é um manifesto político em apoio à libertação do grupo russo de ativistas Pussy Riot, que teve três de suas integrantes presas e condenadas em 2012, após protestarem em uma catedral de Moscou contra a candidatura do primeiro-ministro à presidência da Rússia, Vladimir Putin. Ao mesmo tempo,  Courage também é uma celebração à coragem e à individualidade, sendo uma homenagem à comunidade gay, que tanto inspira e apoia o trabalho da Hogg. A coleção é permeada de simbolismos, referências e mensagens, como "This collection is not for sale", que certamente a fazem ser uma das coleções mais emblemáticas da carreira da Pam Hogg desfiladas na London Fashion Week. 

FZNBR: Gostaria que você comentasse sobre uma passagem do texto sobre a Pam, em que vocês escreveram: “Para Pam Hogg, não há separação entre moda, música e arte”.

Fernanda: Embora saibamos que sim, há uma separação entre esses campos, para a Hogg essa separação é muito mais sutil, e creio que isso se deva ao fato de que, antes de ser uma designer de moda, cantora e cineasta, ela é uma artista, o que lhe confere mais liberdade e meios para expressar e experimentar sua arte, fazendo essas costuras entre os mais variados campos culturais.

FZNBR: Eu gostaria de saber o que significa “indústria da moda” e se esse conceito se opõe à cena underground. É possível fazer parte de ambos? Ou esse mercado, de alguma maneira, impossibilita a livre criação? A Pam já chegou a declarar que rejeita muita coisa que faz parte da indústria da moda... 

Fernanda: A indústria da moda é um termo bem amplo e complexo que envolve todos os setores e profissionais que estão ligados às atividades econômicas, sociais e de outros cunhos que tenham ligação com a moda. Quando se trabalha, principalmente para grandes empresas e conglomerados, o profissional criativo tem que seguir as demandas do mercado, como se basear em tendências e criar em grande escala de produção, e isso acaba limitando bastante a liberdade criativa de qualquer profissional de qualquer indústria, seja ele da indústria da moda, do cinema, da música ou da arte. Assim é sabido que a indústria da moda precisa urgentemente de mudanças e melhorias em toda sua cadeia de produção, e acredito que nomes de peso da moda, como o da Vivienne Westwood, Stella McCartney, Pam Hogg, entre outros estão levantando suas bandeiras em prol de uma indústria mais ética e justa.
Para quem quiser entender um pouco mais sobre o funcionamento da indústria da moda, eu indico os documentários “The True Cost”, de 2015, “Estou me guardando para quando o carnaval chegar”, de 2019, e a minissérie “Halston”, de 2021, baseada na vida do estilista Halston, que nos permitem visualizar de maneira ampla como funciona o mercado de moda.

FZNBR: Na sua opinião, qual é a principal característica, a grande assinatura das criações da Pam Hogg?

Fernanda: Eu acho que a ousadia e a irreverência em suas criações são definitivamente a sua marca registrada. Essas características que sempre norteiam suas produções vão da diversidade de modelos levada para a passarela da London Fashion Week à explosão de brilho e cor de seus designs.

(...) acredito que nomes de peso da moda, como o da Vivienne Westwood, Stella McCartney, Pam Hogg, entre outros estão levantando suas bandeiras em prol de uma indústria mais ética e justa". (Fernanda)

 

Lauren:

FZNBR:  Tem alguma coleção da Pam em particular que seja a sua favorita?

Lauren: Ui, pergunta difícil! Vou ficar com o desfile que citamos no MdS, o Outono-Inverno 2016. Tem muito preto, vinil, tachas, spikes e os maravilhosos macacões. Mas também gosto muito das peças com mensagens de protesto que vemos com frequência nas suas coleções.

FZNBR: Logo no início do texto que vocês escreveram sobre a Pam Hogg, há uma definição muito boa a respeito dela: “rockstar e rebelde”. Em que sentido, exatamente, ela pode ser considerada uma fashion designer rebelde?

Lauren: Como colocado no mesmo texto: “é uma das poucas estilistas do mundo que produz ela mesma todas as roupas”. É isso! Os estilistas são presos ao mercado. Por ela ser alternativa e criar uma moda nesse segmento, tem a liberdade e a rebeldia de ir contra as regras da indústria. Pam pode fazer a sua coleção sem precisar saber qual será a próxima moda; pelo contrário, ela é quem cria moda.

FZNBR: Você poderia explicar quais são as principais características do estilo punk/fetichista que faz parte da estética da Pam Hogg?

Lauren: O uso de tachas, spikes, telas, amarrações, correntes, vinil, PVC e peças pretas.

FZNBR: Para encerrar, gostaria que você refletisse sobre o que a Pam simboliza para o universo feminino, visto que no site oficial dela consta que um componente marcante em sua trajetória foi a criação de “roupas não convencionais para mulheres confiantes”.

Lauren: Eu diria que o que mais a Pam simboliza no universo feminino é o seu trabalho como artesã, um ofício que a deixou super independente e criativa, algo que deveríamos valorizar demais! Essa é uma forma de sobrevivência que não explora o meio ambiente e nem o ser humano, principalmente a mulher. Hoje em dia, esse tipo de atitude é mais rebelde do que a criação da peça em si, pois praticamente tudo já foi feito na moda.

"O que mais a Pam simboliza no universo feminino é o seu trabalho como artesã, um ofício que a deixou super independente e criativa, algo que deveríamos valorizar demais". (Lauren)


 Sobre as entrevistadas:

Sana Mendonça

Bacharel em Design de Moda, estilista de moda alternativa e produtora de conteúdo sobre moda e história da moda para mídias impressas e digitais. Pesquisa e escreve sobre moda alternativa, tribos e subculturas no blog, na revista e nos zines do Moda de Subculturas. É acadêmica na UFSC, tendo como objeto de estudo a relação entre história, moda e exposições.


 

Fernanda Damasceno

Formada em Design de Moda, sempre que possível dedica-se a pesquisas sobre moda, arte e história. Nos últimos anos, trabalhou com criação, curadoria e produção de moda.


Lauren Scheffel

É produtora de conteúdo para a web. Pesquisa moda e subculturas musicais. Colaboradora do blog Moda de Subculturas desde 2012. Cursou Design de Moda na UCAM e fez extensão em Jornalismo de Moda.


 

Conheça o site Moda de Subcuturas e confira suas redes sociais:

Site: http://modadesubculturas.com.br
Instagram: http://instagram.com/modadesubculturas
Facebook: https://www.facebook.com/pages/Moda-de-Subculturas

Agradecimento especial: 

Marcelo Badari

Para conhecer melhor o trabalho do ilustrador, acesse: 

 https://marcelobadari.com/


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