Por Juliana Vannucchi
A palavra “krautrock” - ou “repolho azedo” - foi uma invenção bastante desdenhosa cravada pelo famoso DJ britânico John Peel para se referir a um gênero musical de cunho experimental surgido na Alemanha, no final dos anos 60 e início da década de 70, período este em que essa categoria eclodiu mundialmente.
O talentoso Florian Fricke |
O krautrock, contudo, não consiste somente num “estilo sonoro”, mas sim num verdadeiro movimento revolucionário de contracultura, uma vez que existia uma ideologia de motivações políticas e sociais por trás de sua origem. Não à toa, certa vez o escritor e jornalista David Stubss declarou que o krautrock se desenvolveu num “espírito de combatividade e resistência”, pois os músicos que fizeram parte desse movimento buscavam justamente arriscar e inovar em suas produções, já que estavam insatisfeitos com as músicas tocadas na Alemanha durante aquela época. Tudo isso era feito enquanto os alemães buscavam construir uma identidade própria e terminavam de colher os cacos das atrocidades ocorridas durante a Segunda Guerra Mundial. Berlim estava dividida em dois blocos, e isso simbolizava uma divisão dos próprios alemães e da nação. Para se ter uma ideia, o Amon Düül, por exemplo, foi composto por artistas e ativistas políticos. De maneira geral, insegurança, incerteza e insatisfação permeavam o país. Foi justamente esse desgosto inquietante que levou os músicos desse movimento a entender que era necessário dar um passo adiante e criar uma proposta musical nova e distinta do que era vigente, sendo que para isso não havia limites. Esses artistas simplesmente pretendiam expandir suas criações e ver o quão longe podiam ir e, nesse contexto, surgiram improvisos melódicos, ruídos dissonantes, combinações atípicas e uma atmosfera que mesclava o psicodelismo com dosagens de música eletrônica. Nesse âmbito, os sintetizadores foram os grandes maestros que guiavam o experimentalismo musical e as engenhosidades sonoras, enquanto as guitarras, instrumento indispensável ao rock tradicional, normalmente eram evitadas ao máximo e, em suma, ficaram basicamente ausentes do krautrock. Além desses aspectos, vale citar que alguns grupos se inspiraram em percussão africana, flautas, uso de sons da natureza (como o barulho da água, por exemplo), instrumentos exóticos e em elementos provindos do jazz clássico e do blues. Por vezes, vocais eram dispensados ou ficavam em segundo plano, como ocorreu no caso do Tangerine Dream. Uma atmosfera parcialmente sombria, mística, climas apocalípticos e fantásticos também marcam o krautrock. Dessa forma, a partir das últimas considerações que foram aqui tecidas, é importante reparar que a palavra “rock” empregada junto ao “kraut” talvez seja bem equivocada - ou, no mínimo, questionável. Conceitualmente falando, os temas variam e há referências ao cosmos, ao homem moderno e seus desafios mundanos, ao futurismo, à espiritualidade, ao caos, além de outras abordagens. Isso varia bastante de uma banda para outra. Os álbuns do Faust, por exemplo, aludem ao absurdo existencial, ao surrealismo e às distorções expressionistas. Já as produções sonoras do Popol Vuh, por sua vez, são fundamentalmente solidificadas no universo da spiritual music e em suas produções sonoras, encontramos climas diversos, por vezes, sombrios, por vezes, tribais. O Kraftwerk, a mais famosa de todas as bandas da cena, nutria enorme interesse pela sociedade industrial movida pela grandiosa presença da velocidade, das máquinas e da crescente tecnologia.
O magnífico Klaus Schulze |
Não à toa, na Alemanha, esse tipo de música foi categorizado como “kosmische musik”, que significa “música cósmica”, uma alusão pertinente ao estilo sonoro espacial e incomum que era produzido. Neste ponto, também é válido citar que com o passar do tempo o krautrock também passou a ser chamado de krautwave ou simplesmente kraut.
As bandas que compuseram esse movimento realizaram uma verdadeira reciclagem musical que se desdobrou num resultado notavelmente singular. Por essa razão, o krautrock foi uma verdadeira vanguarda no cenário da música, durante a qual eclodiram os principais representantes do universo underground alemão. Suas produções eram autênticas, ousadas, desafiadoras, incomuns e, sobretudo, moldadas numa linguagem absolutamente original. Desde o seu surgimento, inúmeras bandas e músicos importantes ao redor do mundo foram fortemente influenciados por esse icônico movimento, tal como é o caso do Camaleão do Rock, do conceituado grupo inglês Roxy Music e também do Radiohead.
Guia musical:
Abaixo, a fim de guiar o leitor para um conhecimento mais aprofundando do assunto, selecionamos as principais bandas do krautrock. Aumente o volume e deixe esses monstros do rock alemão o inspirarem!
Ash Ra Tempel
Amon Düül II
Can
Cluster
Guru Guru
Eloy*
*Banda controversa no sentido de que, para muitos, não faz parte do Krautrock, uma vez que seus elementos sonoros, por vezes, flertam com o hard rock e se aproximaram do rock progressivo tradicional.
Embryo
Faust
Kraftwerk
Kraan
Jane
Neu!
Novalis
Tangerine Dream
The Cosmic Jokers
Triumvirat
Popol Vuh
Referências:
https://www.google.com.br/amp/s/amp.theguardian.com/music/musicblog/2010/mar/30/elektronische-musik-krautrock
https://www.collinsdictionary.com/pt/dictionary/english/krautrock
https://www.lexico.com/en/definition/krautrock
https://www.google.com.br/amp/s/amp.theguardian.com/books/2014/aug/17/future-days-krautrock-review-david-stubbs-kraftwerk-can
https://www.telegraph.co.uk/culture/music/rockandpopfeatures/9837423/Kraftwerk-the-most-influential-group-in-pop-history.html
https://www.google.com.br/amp/s/amp.dw.com/pt-br/krautrock-a-contribui%25C3%25A7%25C3%25A3o-alem%25C3%25A3-%25C3%25A0-vanguarda-pop-dos-anos-1960/a-4087165
https://www.scaruffi.com/history/cpt26.html
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