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quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

ISTO NÃO É UM CONCEITO, É UM ENIGMA: EXPLORANDO O UNKNOWN PLEAURES

Por: Juliana Vannucchi
 
Se você é um amante do Rock And Roll (seja lá qual for sua vertente preferida), deve estar ciente de que o Unknown Pleasures é um dos álbuns mais icônicos de todos os tempos. Há várias razões para isso: o talento musical dos integrantes da banda, as singularidades instrumentais e líricas que fazem parte dessa produção, o comportamento sinistro de Ian Curtis, o conceito do álbum, e enfim, uma série de outros elementos que fazem com que o Unknown Pleasures seja verdadeiramente lendário.
 
Vamos tentar aprofundar um pouco a análise desses tantos aspectos. Para tentarmos entender e explorar um pouco mais desse grande álbum, comecemos a destrinchá-lo por sua ilustre e simbólica capa, que creio eu, traduz sua condição musical tão inquietante e intensa. A imagem, na qual vemos ondas brancas pairando sob um fundo negro, foi feita por Peter Saville. Trata-se do gráfico de um sinal de rádio captado por um radiotelescópio do pulsar PSR B1919+21, a primeira estrela de nêutrons descoberta. Em outras palavras, a figura consiste numa visualização monocromática das ondas eletromagnéticas emitidas por uma estrela enquanto ela morria. Além desse interessante detalhe sobre a capa do disco, outro fato deveras curioso e certamente bastante peculiar, é que o nome de nenhuma música consta no encarte e na versão original em vinil, não há informação alguma de qual é o lado A e qual é o lado B. Contudo, na contracapa encontra-se uma única frase: "Isto não é um conceito, é um enigma". É uma inscrição instigante que pode ser interpretada de maneiras bem variadas, mas vou arriscar uma reflexão: é possível que o álbum não precise - ou possa - ser interpretado ou desvendado de alguma forma. Ele deve somente ser sentido, ter seus poderosos efeitos absorvidos, atuar no ouvinte. Lembremos que, afinal, vivemos numa existência mais rodeada de mistérios do que permeada por explicações. Há, definitivamente, ao longo de nossas trajetórias nesse mundo, mais enigmas do que respostas concretas e também podemos dizer com certa segurança que, de modo geral, as dúvidas e as perguntas imperam. Em última instância, a vida toda pode ser considerada mais um enigma do que um conceito... Talvez o álbum seja tão atemporal e encantador porque, de alguma forma, nos revela essas fatos.
 
O Joy Division deu seus primeiros passos na cidade de Manchester, depois que Peter Hook, Bernard Summer e Terry Mason assistiram a um show do Sex Pistols e, inspirados pela ocasião, decidiram formar uma banda própria (fato esse que, convenhamos, já faz valer a carreira inteira dos Pistols). Posteriormente, o talentoso vocalista e compositor Ian Curtis juntou-se ao grupo e deu ao JD uma assinatura artística fúnebre e absolutamente diferenciada. O grande salto de sucesso da banda ocorreu quando entrarem para a Factory Records, uma gravadora independente que foi muito importante em suas produções e promoções. O Unknown Pleasures foi lançado em 1979 e aos poucos, a banda obtendo sucesso por parte do público e reconhecimento por parte da mídia e dos críticos. Contudo, enquanto a fama aumentava exponencialmente, Ian Curtis sofria de epilepsia e suas crises se tornavam cada vez mais graves. Ademais, nesse mesmo período, as desavenças entre ele e sua esposa estavam se tornando muito frequentes. Infelizmente, o jovem vocalista suicidou-se em maio de 1980, fato que gerou o fim da meteórica, eterna e arrebatadora trajetória do grupo de Manchester. É válido citar que, no geral, há bastante controvérsia a respeito dos fatos que realmente o levaram a tirar a própria vida. 


Ingresso do show dos Pistols, pertencente a Peter Hook. Foi esse show que o inspirou para criar o Joy Division 
 
 
Para entender melhor a importância e a unicidade desse álbum tão espetacular, conversamos com Ricardo Santos, músico de destaque no cenário Pós-punk nacional (com projetos autorais notáveis como The Downward Path, Stella Tacita, In Auroram, dentre outras bandas), que refletiu a respeito de sua experiência e conhecimento em relação ao Unknown Pleasures: "A princípio, o disco me soou estranho, embora viciante. O baixo de Peter Hook mais alto que a guitarra, a bateria de Stephen Morris comprimida e filtrada para parecer uma máquina, a guitarra de Bernard Sumner mantendo o minimalismo e frieza e juntos preparando o ouvinte para o vocal grave e as letras perturbadoras de Ian Curtis... o disco é um divisor de águas, inaugurando um estilo copiado à exaustão por muitos que vieram depois. O UP derrubou barreiras estéticas e estilísticas fundindo o Punk ao Krautrock, David Bowie e Suicide, Jean-Paul Sartre e Franz Kafka numa poesia única e profundamente pessoal que externava seus medos, paranoias e toda sorte de sentimentos que poderiam afligir um jovem inglês na década de 70 e ensinar as gerações futuras ao redor do mundo como se expressar a respeito de suas próprias mazelas". 
 
De fato, conforme precisamente observou Ricardo Santos, o Unknown Pleasures, no geral, possui uma aura sombria e pessimista, permeando por uma enorme onda de sensibilidade e emoção, e foi construído em cima da instigante vastidão obscura do intelecto e dos sentimentos de Ian Curtis. É um álbum atemporal, um presente musical catártico cujo significado sempre será imenso e cuja essência, independentemente do tempo e do espaço, será eternamente atual e capaz de fazer sentido para qualquer um que o escute. Sua estética foi inovadora e até os dias de hoje as faixas que o compõe são fontes de inspiração para inúmeros artistas ao redor do mundo. Minhas músicas favoritas são “Insight” e “Shadowplay”, ambas profundas e maravilhosamente perturbadoras. Ian Curtis foi um verdadeiro poeta que conseguiu expor em suas letras o estado de alma de indivíduos niilistas, caóticos e deslocados. Aliás, certa vez, a respeito de suas composições, Curtis declarou: “Escrevo sobre as diferentes formas que diferentes pessoas lidam com certos problemas, e como essas pessoas podem se adaptar e conviver com eles". O Unknown Pleasures é sempre bem-vindo, sempre cativante em qualquer ocasião e sempre capaz de gerar em nossas almas uma série de prazeres desconhecidos. 

Para finalizar esse breve texto, deixo abaixo uma reflexão que escrevi para o meu site, o Acervo Filosófico. Mas, lembre-se que ainda há muito o que se desvendar...

“(...) Certamente sua retração e sensibilidade emocional fizeram de Curtis um artística enigmático e um tanto complexo de ser compreendido. Sua dança no palco era feita com singularidade, repleta de movimentos espalhafatosos e um tanto quanto desengonçados. Era uma forma de ironizar seu pior inimigo: o ataque epilético. Isso é bem nietzschiano (...) Na contracapa do álbum, consta a seguinte sentença: “Isto não é um conceito, é um enigma“. É uma frase que possibilita nossa mente a viajar por inúmeras possibilidades. Talvez seja uma alusão à nossa própria jornada de pensamento. Será que é possível conceituar o mundo ou a tentativa de formular respostas sempre nos levará, inevitavelmente a problematizar algo novo, nos prendendo a dúvidas circulares? É filosófico e bastante intrigante. Para o filósofo Hegel, o mundo poderia ser sistematizado racionalmente. Schopenhauer o criticou colocando em destaque um aspecto que não pode ficar de fora de quaisquer afirmativas quanto ao mundo: a emoção. Portanto, para este último pensador, não podemos simplesmente tentar enquadrar a natureza em um sistema lógico deixando de lado as nossas próprias sensações particulares e experiências sensíveis.Ou talvez, Ian não tenha tentativo dizer absolutamente nada do que foi mencionado acima. Pode ser sido apenas uma frase… algo relacionado com o cosmos ou com a morte de uma estrela.” (Fonte: http://www.acervofilosofico.com/ian-curtis-e-seus-prazeres-desconhecidos/)
 

Certamente sua retração e sensibilidade emocional fizeram de Curtis mais um artística enigmático e um tanto complexo de ser compreendido.

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