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quinta-feira, 4 de junho de 2020

DOUG HART - MUITO ALÉM DO MARY CHAIN

Por: Juliana Vannucchi (apoio de Abel Marinho):

Batemos um papo com Doug Hart, baixista da primeira formação do The Jesus And Mary Chain. Bastou um único telefonema para conversamos sobre assuntos diversos, tal como música, política, povos indígenas... e futebol. Abaixo, você conhece um pouco mais da trajetória desse lendário baixista, que apesar de ter obtido sucesso pela passagem na banda escocesa, é muito mais do que um ex-membro do Mary Chain: por trás dos cabelos bagunçados e dos tradicionais óculos escuros, há um cineasta brilhante, um homem inteligente, cheio de referências culturais, com uma mente muito aberta, e que é dono de um coração enorme.

DOUG HART ERA O CAMISA 10 DO THE JESUS AND MARY CHAIN:

O The Jesus And Mary Chain é uma das bandas alternativas mais aclamadas do mundo, tendo fãs espalhados pelos quatro cantos do planeta. Sua sonoridade suja e minimalista marcou os anos oitenta e abriu portas para que muitos músicos ousassem se aventurar nos mais variados experimentalismos sonoros.

Geralmente, os irmãos Jim e William Reid são sempre o grande destaque quando se fala no The Jesus And Mary Chain. Além deles, outro grande nome que fez parte da história do célebre grupo escocês é Bobby Gillespie, que se tornou mais conhecido quando passou a liderar a banda Primal Scream. Mas além desses artistas, houve uma figura que ajudou o TJAMC a moldar sua trajetória e a arquitetar sua estética tão diferenciada: trata-se de Douglas Hart.

Pode ter certeza que as faixas de maior sucesso dos queridinhos escoceses, provavelmente não existiriam se não fosse pela originalidade de Doug, que talvez tenha sido o baixista mais rebelde, underground e inventivo do período oitentista. Ele se tornou especialmente conhecido por tocar seu baixo com apenas duas cordas e numa entrevista, chegou a dizer que as duas já eram suficientes e que desse jeito, qualquer pessoa seria capaz de tocar aquele baixo. Esse discurso é certamente inspirador para quem pretende ter uma banda e/ou tocar um instrumento em particular, especialmente se lavarmos em conta o fato de que as composições feitas por Doug sempre foram elogiáveis e ele criou melodias memoráveis tocando com instrumento adaptado dessa forma. A esse respeito, o músico e crítico Gabriel Marinho (The Other Creatures), comenta: “Eu diria que o Doug Hart levou o minimalismo musical há outro nível quando se juntou ao Mary Chain. Como se não bastasse ambos os irmãos Reid mal saberem tocar guitarra e o baterista usar somente três peças, Doug não só incorporou o espírito Punk como também o DIY. Ele realmente provou que a frase ‘menos é mais’ é válida da forma mais inusitada possível”.

Doug dedilhava seu baixo peculiar com maestria e criatividade e assim, ajudou a dar vida a alguns dos maiores hinos gravados pela banda. Não à toa, é constantemente elogiado e citado por muitos artistas e inúmeros músicos o tem como referencial. É o caso de Ismael Braz, baixista da lendária banda “Os Maltrapilhos”, que nos contou sobre a influência que Doug teve em sua trajetória: “Pra mim, falar sobre o Doug Hart é voltar no tempo e poder ouvir mentalmente as músicas do "Jesus", especialmente as do Darklands, que talvez seja um dos discos que mais ouvi durante os anos 80, além de ser muito marcante pois faz parte da minha educação musical. Lembro que na época eu estava aprendendo a tocar contrabaixo e tínhamos uma bandinha underground que arriscava tocar alguns sons do Jesus. É lógico que não saia nada, apenas uma mescla de barulho e batidas aleatórias... era ótimo. Eu assistia os clipes da banda na MTV e ficava olhando o baixista, e ele tocava apenas com duas cordas no baixo? Putz, eu ficava me questionando: - Com duas cordas o cara tira uma sonoridade incrível do baixo e eu não consigo tocar direito nem com as quatro... (risos). O tempo passou e o Doug fez uma ótima carreira em uma das bandas mais icônicas da minha geração e só precisou de duas cordas para isso!”.

Doug Hart, conforme disse Claudio Borges, era "a corrente que os unia chama-se Douglas Hart". O camisa 10 da banda.

O jornalista Claudio Borges, que atualmente é apresentador do canal Resenhando, também comentou sobre a relevância de Hart para a história da banda escocesa: “Se, hipoteticamente falando, William é Jesus e Mary é o Jim, a corrente que os unia chama-se Douglas Hart. Tive o prazer de vê-lo em ação com o grupo há 30 anos, no extinto Canecão (RJ). Por entre toda fumaça, pouca iluminação e uma parede impenetrável de altos decibéis, era possível divisar a figura magra, de cabelos desgrenhados, estoicamente plantada entre o niilismo  de Jim e os uivos distorcidos de William. Seu baixo minimalista, completamente punk, nunca primou pela proficiência técnica, e nem era esse o propósito, mas dava o sustentáculo necessário para as composições dos irmãos”.

Doug participou dos três primeiros álbuns de estúdio lançados pela banda, sendo que na minha opinião, os dois primeiros, que são “Psychocandy” e o “Darklands” foram os mais lendários de toda a discografia do Mary Chain. São nessas obras-primas que se encontram clássicos mais famosos, tal como “Just Like Honey”, “April Skies” e “Happy When It Rains”. Dentre tais, é válido dizer que segundo álbum citado é particularmente especial para o Doug, conforme ele nos revelou.

3, 2, 1... AÇÃO!

Mas o prolifero talento artístico do músico acabou afastando-o do grupo e o levando para o universo cinematográfico, no qual atua até hoje. Mesmo quando ainda estava na banda, Doug já nutria interesse pelo cinema e começou a fazer suas primeiras filmagens em1985/1986, sendo que desde então, de fato, se encontrou e se firmou no universo da sétima arte.

Em sua carreira nesse meio, Hart já dirigiu vídeos para grandes bandas como The Stone Roses, Primal Scream, Pet Shop Boys e My Bloody Valentine. É por esses e outros feitos, que além de ter sido um grande baixista, Hart também pode ser considerado um primoroso cineasta. Gabriel Marinho também refletiu a respeito do envolvimento de Doug com o cinema: “Ele não só é um músico talentoso como também um excelente diretor. Foi o próprio que dirigiu os primeiros vídeos do My Bloody Valentine (o psicodélico "You Made Me Realise", um clássico da banda) e também está por trás das câmeras da apresentação mais conhecida do The Stone Roses, "Live Blackpool”. Além de claro ter dirigido vídeos musicais para The Libertines, Babyshambles, Primal Scream e Paul Weller”.

É válido mencionar que Douglas também fez um documentário maravilhoso sobre a vitória da seleção brasileira na copa de 1970 chamado “Brazil 70, The Sexiest Kick Off” - https://www.youtube.com/watch?v=SJWBjYZ8WeE. O músico é um grande fã e conhecedor do futebol brasileiro, além de ser apaixonado pelo esporte.



FORA, BOLSONARO!


Doug Hart também é notavelmente envolvido com assuntos políticos. Ele me revelou, inclusive, que tem interesse em livros sobre o assunto e que esse tem sido seu foco de leitura ultimamente. Além desse conhecimento teórico sobre a área, Doug também costuma expressar publicamente seus posicionamentos. Recentemente, por exemplo, usou sua conta no Instagram, para compartilhar fotos de uma manifestação ocorrida em Londres em prol de George Floyd, homem que negro que foi brutalmente assassinado por um policial nos EUA. Além disso, Hart também conhece bem e acompanha de perto o conturbado cenário político do Brasil. Quando escreveu a introdução da edição nacional da biografia do The Jesus And Mary Chain, o músico alfinetou o (infeliz) presidente Jair Bolsonaro, que considera ser uma pessoa “perigosa”. O músico também não compactua com outros líderes de direita, tal como Donald Trump e Boris Johnson, que é por ele “desprezado” por já ter causado o sofrimento de muitas pessoas.

A respeito do engajamento político de Douglas Hart, Cláudio Borges comentou: “Seu lado político também permanece ativo e chutando. Em 2019, assinou manifesto endossando a candidatura de Jeremy Corbyn (Labour - partido dos trabalhadores inglês) desejando não ter que ficar sob o jugo dos conservadores. No mesmo ano, assinou um prefácio inédito para a edição brasileira da biografia de sua ex-banda, mostrando que sabia bem do que falava: O novo presidente do seu país é tão idiota que eu espero que a leitura deste livro possa alegrar as pessoas por alguns dias. Então, pode ser que elas considerem seriamente a ideia de tirar Bolsonaro do poder na próxima eleição”.

Durante nossa conversa, perguntei ao Doug porque ele acha que líderes de extrema-direita tem sido eleitos com tanta frequência. Em partes, ele atribuiu o fato a um grande apoio dado pelos meios de comunicação, que se esforçam em culpar a esquerda pelas coisas que dão errado no mundo, e sempre, de uma maneira ou de outra, enfatizam partidos de direita. O músico deixou bem claro que acredita que as pessoas podem fazer alguma coisa para melhorar a situação, além de dizer que o envolvimento político por parte da população é essencial para possíveis mudanças. Acredito que essa mensagem de Doug, seja especialmente relevante para o Brasil...

Agradecimentos especiais:

Ismael Braz (baixista da banda Os Maltrapilhos)
Claudio Borges (apresentador do canal Resenhando)

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