Por Juliana Vannucchi
Há três figuras icônicas que todos que vivem no Ocidente certamente conhecem: Jesus Cristo, Adolf Hitler e John Lennon. Lennon, é claro, é o melhor dos três. O músico inglês, além de ter se destacado como vocalista dos Beatles, também se tornou um dos maiores pacifistas do século, tendo envolvimento crítico e forte militância em diversas questões políticas e sociais. Não à toa, foi um dos responsáveis por pavimentar os caminhos da cultura hippie, cujas raízes possuem clara inspiração em muitas de suas atitudes e discursos.
As contribuições e lutas de Lennon pela paz foram inúmeras, e nesse sentido a música sempre foi o principal meio de protesto. Exemplos não faltam: em 1970, o músico presenteou o mundo com a famosa canção "Give Peace a Chance", através da qual se posicionou veementemente contra a Guerra do Vietnã. Pouco depois, Lennon também se manifestou politicamente, postando-se contra a participação da Grã-Bretanha na Guerra Civil Nigeriana. Vale citar ainda as clássicas e populares músicas “All You Need Is Love”, lançada em 1967, cuja letra pretendia veicular uma mensagem objetiva capaz de ser compreendida em todo o planeta, e “Revolution”, de 1968, que expressa um discurso antiviolência, mensagens humanistas e um ideal pacifista de mundo. Em tal contexto, cabe lembrar que a célebre e famosa frase “Faça amor, não faça guerra”, que se tornou lema da contracultura e ainda reverbera em nossos tempos, também é de autoria de Lennon. E não podemos deixar de citar a famosa faixa "Imagine", lançada originalmente num de 1971, e aclamada até hoje nos quatro cantos do planeta, tornando-se um hino atemporal pela paz. Curiosamente, até mesmo Fidel Castro, que vetou as canções dos Beatles durante seu governo, rendeu-se à música e ergueu uma estátua em homenagem a Lennon. Falando nisso, vale citar que o próprio músico, aliás, chegou a associar a faixa com o comunismo: "Imagine que não exista mais religião, imagine que não exista mais país algum, imagine que não exista mais política' é virtualmente um manifesto comunista, mesmo que eu não seja particularmente comunista e não pertença a nenhum movimento". Por outro lado, apesar dessa aproximação com bandeiras comunistas, entenda-se que o princípio de antiviolência defendido por Lennon estava além de qualquer bandeira e por isso chegou a incomodar e gerar atrito com uma ala da esquerda britânica que acreditava que a destruição deveria anteceder qualquer revolução, discordando, assim, do conceito pacifista de Lennon. Em suma: exemplos do engajamento do artista não faltam.
Não seria incoerente ou mesmo contraditório pensarmos que para atingirmos a paz, precisamos, necessariamente, de meios violentos? |
Neste ponto de nossa abordagem, torna-se válido examinar com mais atenção o conceito de antiviolência que foi amplamente defendido pelo ex-Beatle e ao qual nos referimos brevemente no parágrafo acima: Lennon adotava assumidamente uma postura antiguerra, o que significava que para ele a violência poderia ser evitada em qualquer circunstância, pois não seria um caminho sensato para a resolução de problemas e muito menos seria o único meio existente para a obtenção da paz. Esta, segundo o músico, poderia ser alcançada por outras vias, sem que houvesse destruição, bastando disposição e esforço dos lados envolvidos. A letra de “Revolution” aborda justamente essa questão e elucida bem a perspectiva pacifista de Lennon. Isso pode ser notado no seguinte trecho, no qual nota-se que, embora a maior parte das pessoas almeje mudanças e se disponha a lutar por elas, muitas vezes apoiam-se na violência para atingir seus objetivos tidos como pacíficos. Lennon coloca-se fora dessa rota, reprovando essa postura:
“Você diz que quer uma revolução
Bem, você sabe
Todos nós queremos mudar o mundo
Você me diz que isso é evolução
Bem, você sabe
Todos nós queremos mudar o mundo
Mas quando você fala de destruição
Você não sabe que não pode contar comigo?”
Globalmente falando, é certo que a maior parte das pessoas, de fato, conforme sugere o músico inglês, deseja mudanças e profere discursos a favor da paz. Um mundo sem guerra, com mais harmonia, justiça e igualdade parece sempre um ideal nobre pelo qual deve-se nutrir esperança e pelo qual todos devemos nos engajar. Lennon constata isso na passagem examinada acima, colocando-se como uma dessas pessoas em busca de mudanças positivas. No entanto, como vimos, ele se situa fora da multidão de indivíduos que clama e mesmo pratica a destruição para a obtenção da paz, e levanta com isso o seguinte problema: não seria incoerente ou mesmo contraditório pensarmos que para atingirmos a paz, precisamos, necessariamente, de meios violentos?
Após se unir à contestada Yoko Ono, o músico deixou a carreira com os Beatles de lado para se dedicar de vez ao seu engajamento pacifista. A dupla marcou presença em diversas campanhas humanitárias. Em 1969, após se casarem, passaram a lua de mel numa cama – a famosa bed peace - no Hotel Hilton, na capital da Holanda. Enquanto estavam lá, recebiam jornalistas todos os dias. Numa das entrevistas realizadas na ocasião, Lennon, conforme divulgado pelo portal DW, declarou: "Todos falam de paz, mas ninguém faz nada por ela. A gente pode deixar crescer os cabelos ou renunciar a uma semana de férias pela paz. O importante é que ela só pode ser atingida com métodos pacíficos. Combater um sistema com as armas é errado. Eles são milhares e ganhariam sempre. Se quiserem te apagar, te matam”.
O conceito de antiviolência é uma possibilidade plausível que pode ser efetivamente aplicada em nossa realidade? |
Teoricamente, o tipo de discurso propagado pelo músico é tocante, e não há dúvida de que seus feitos continuam inspirando ativistas do mundo inteiro e dos mais diversos movimentos sociopolíticos. Lennon, de fato, foi um militante enérgico, e certamente seu engajamento foi muito determinante para o mundo. Mas será que as lutas de Lennon continuam fazendo sentido em nossos tempos? O conceito de antiviolência é uma possibilidade plausível que pode ser efetivamente aplicada em nossa realidade? Ou Lennon foi apenas um sonhador utópico, já que ele mostra, afinal, que para algumas pessoas, só é possível atingir sua finalidade (no caso, a paz), através daquilo que é justamente o que a própria finalidade combate (conflito, agressão, guerra, etc.)? Ademais, todas essas colocações podem nos levar a meditar sobre o fato de que a própria paz pode ser uma utopia ou um estado que jamais será globalmente atingido e que nós, conforme Lennon sugeriu em “Imagine”, somos meros sonhadores...
A questão fica aberta e o problema parece difícil de ser solucionado. Neste caso, atenhamo-nos ao debate, que por si só já é algo indispensável.
Referências:
MILANI, V. P. ‘We all want to change the world’: John Lennon, Yoko Ono e a nova esquerda. Ideias, [S. l.], v. 9, n. 2, p. 189–208, 2018. DOI: 10.20396/ideias.v9i2.8655182. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/ideias/article/view/8655182. .
https://pt.wikipedia.org/wiki/All_You_Need_Is_Love.
https://www.dw.com/pt-br/1969-lennon-e-yoko-dormem-pela-paz/a-480475.
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