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segunda-feira, 20 de setembro de 2021

QUEBRANDO REGRAS E QUESTIONANDO OS PADRÕES: ENTENDA O QUE É A CONTRACULTURA

 Por: Juliana Vannucchi e Camilo Nascimento

QUEBRANDO REGRAS E QUESTIONANDO OS PADRÕES:

Surgida nos EUA em meados dos anos sessenta, a contracultura foi um conjunto de manifestações que contestou a cultura vigente, rompeu com os tradicionalismos e as convicções de seu tempo e propôs novos modos de viver, pensar e agir. Nesse sentido, portanto, podemos entender que esse movimento se expressou numa dinâmica dual, tendo uma face desconstrutiva e outra construtiva, pois, por um lado, propunha-se a demolir e questionar os modelos existentes (fossem eles ideológicos, políticos, artísticos etc.) e, por outro, buscava ressignificar a realidade.

Nesse contexto, tenha-se em mente que a contracultura surgiu como resposta espontânea de uma geração que se sentia desconectada da sociedade em que se encontrava. A forma como essa geração enxergava o mundo estava diretamente em conflito com a visão dos pais, professores e instituições sociais. É por isso que a necessidade de ressignificação surge, não apenas como rebeldia ou contestação, mas como o único caminho possível para construir essa nova identidade e, acima de tudo, conseguir liberdade das amarras sociais do período.

 

Como em todo processo de ruptura e “questionamento social”, a contracultura aparece como um percurso natural para jovens que buscam a esperança e a ressignificação do seu mundo.
 

A GERAÇÃO DA CONTRACULTURA: QUEM ERAM OS REBELDES SEM CAUSA?

Os jovens adeptos a esse movimento estavam descontentes com o mundo ao seu redor. Entendiam que o sistema dentro do qual viviam era sufocante e encarcerava o homem, tornando-o uniforme, obediente, previsível e consumista. Havia uma insatisfação diante desse “modelo de vida” normativo que dominava a sociedade da época e que era visto como algo que deveria ser descartado, pois os costumes convencionais que imperavam não eram o único modelo de vida possível. Existiam caminhos diferentes a serem seguidos, alternativas que estavam além do status quo e, por isso, a hegemonia (artística, política, ideológica e outras) e as instituições (Estado, igreja, família etc.) preponderantes deveriam ser refutadas e negadas.

Como em todo processo de ruptura e “questionamento social”, a contracultura aparece como um percurso natural para jovens que buscam a esperança e a ressignificação do seu mundo, um caminho que os leva para longe de tudo que os sufoca. No entanto, todo movimento cultural ou social que promova o debate e superação de paradigmas e dogmas sempre estará sujeito a repressão e tentativas de deslegitimação.

A contracultura acaba sendo taxada por muitos como algo marginal, hedonista e  responsável por promover a perversão de valores morais e sociais.

PAZ E AMOR: OS HIPPIES SIMBOLIZARAM O AUGE DA CONTRACULTURA

Os hippies são os primeiros expoentes da contracultura, apesar de não serem os únicos, mas seus ideais de “paz e amor”, de uma sociedade baseada na vida coletiva, no compartilhamento e anticonsumismo são a síntese da contestação de todos os valores capitalistas, familiares e religiosos dos anos sessenta nos EUA. 

Com uma ascensão rápida entre os jovens, o movimento hippie acabou sendo visto como a representação da contracultura em si, fato que ganhou mais peso ainda com a realização do lendário e histórico festival de música de Woodstock, que foi o cenário ideal para que todo o espírito do movimento se manifestasse coletivamente em consonância com músicas e bandas que seriam lembradas para sempre como representantes do rock psicodélico.

A ruptura realizada entre as gerações pelo movimento hippie é um marco, no entanto, períodos de “questionamentos” se repetem ciclicamente, sempre provocados por uma nova geração ascendente, que vê nos seus “genitores” tudo o que eles não gostariam de ser. Sendo assim, é importante levar em conta que, embora os hippies tenham se associado à contracultura, não foram os únicos que fizeram parte dessa manifestação. O punk rock, surgido nos anos setenta, por exemplo, pode ser considerado uma forma de contracultura, uma vez que também contestou a cultura dominante e ofereceu novas propostas artísticas, ideológicas, comportamentais e estéticas que reverberaram todo um contexto construído desde os mesmos anos sessenta.

 

(...) seus ideais de “paz e amor”, de uma sociedade baseada na vida coletiva, no compartilhamento e anticonsumismo são a síntese da contestação de todos os valores vigentes.

PSICODELISMO:

Os jovens adeptos ao fenômeno da contracultura estavam dispostos a encontrar novos modelos de realidade. Essa foi a principal razão pela qual componentes como o misticismo, a cultura oriental e as drogas psicodélicas integraram a contracultura, uma vez que tinham potencial para fazer com que um indivíduo rompesse com as amarras da sociedade e do racionalismo dominante.

As drogas alucinógenas foram uma das principais características da contracultura. Através dessas “válvulas de escape”, busca-se expandir a consciência, entrar em contato com outras formas de realidade e viver experiências místicas. O LSD foi o químico alucinógeno mais famoso do período. O psicodelismo foi também o fio condutor da estética da contracultura, que abusa de cores vibrantes e formas geométricas desconexas.

 

O Woodstock, que foi o cenário ideal para que todo o espírito do movimento se manifestasse coletivamente.

 

A CONTRACULTURA AINDA EXISTE?

Para encerrar nossas reflexões, nós nos apoiaremos na passagem de um texto publicado no jornal britânico The Guardian, no qual o autor defende que a contracultura ainda se faz presente em nossos tempos, especialmente através de movimentos estudantis e ambientalistas: “Então, existe uma contracultura? A polícia certamente pensa que sim: infiltrando-se em grupos ambientalistas e, sem dúvida, no movimento estudantil de protesto também. Embora os viajantes sejam provavelmente o único verdadeiro grupo contracultural que resta na Grã-Bretanha tentando viver uma vida livre de interferência e vigilância, o espírito vive nos protestos estudantis, grupos de direitos dos animais, ativistas ambientais e no movimento antiglobalização. O sistema reprime a resistência com uma mão, enquanto arranca as artes underground com a outra. Nesse aspecto, é como os anos sessenta”.

A contracultura, concordamos, pode se fazer presente de diversas maneiras em nossos tempos, e o parágrafo acima elucida isso. Entretanto, vivemos num mundo mais globalizado do que nunca, no qual a alienação e o consumo, que são substâncias fundamentais do sistema capitalista, imperam por todos os lados. Assim sendo, levando em consideração que o questionamento dos valores estabelecidos e o desapego aos padrões vigentes tangem a contracultura, podemos dizer que esse fenômeno está enfraquecido em nosso mundo atual, uma vez que, de maneira geral, a maior parte das pessoas é escrava do sistema, carecendo de senso crítico e refutando cada vez mais as informações que são despejadas nelas.

Incorporados pelo sistema capitalista, a contracultura e seus ideais acabaram perdendo a relevância e, com certeza, o seu caráter contestador. Mas verdade seja dita, a sua influência ainda reverbera por vários movimentos sociais, passando desde os ambientes digitais, com certas organizações que pregam a anarquia e a liberdade total de regras, até os cenários culturais underground, que ainda respiram e buscam novas formas de representar a realidade em que estão inseridos.

Onde ainda houver inconformismo, a contracultura estará presente, mesmo que diluída de seus ideais e força originais. Talvez toda e qualquer manifestação cultural, social e comportamental que fuja do conceito de “normalidade’ vigente seja uma manifestação contracultural.

Referências:

BEY, Hakim. TAZ. Zona Autônoma Temporária. São Paulo: Conrad, 2001.

BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. São Paulo: Brasiliense, 1990.

LARAIA, R.B. Cultura, um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge. Zahar, 2004.

PEREIRA, Carlos. O que é contracultura. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988.

https://en.wikipedia.org/wiki/Counterculture_of_the_1960s

https://www.theguardian.com/culture/2011/jan/30/underground-arts-60s-rebel-counterculture

https://www.telegraph.co.uk/travel/destinations/north-america/articles/fifty-years-woodstock-counterculture-alive-strong-catskills-festival/

https://www.bbc.com/portuguese/vert-cul-48849285

https://www.scielo.br/j/rsocp/a/tphWWXCs7NVJgfnBJ9CrFGL/?lang=pt

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