Fanzine Brasil

sábado, 4 de setembro de 2021

ARTE, CULTURA E CRISE HUMANITÁRIA: UMA CONVERSA COM DANIELLE DE PICCIOTTO

Por: Juliana Vannucchi, Camilo Nascimento e Juan Youth

Danielle de Picciotto é uma artista interdisciplinar, nascida nos Estados Unidos, mas que há bastante tempo reside na Alemanha ao lado do marido Alexander Hacke, baixista da banda Einstürzende Neubauten. Danielle já escreveu três livros, além de colaborar esporadicamente com ensaios textuais para revistas de cultura. Em sua vasta trajetória, a artista se destacou por suas colaborações e apresentações com o grupo The Crime & City Solution. Ao lado de seu companheiro, tem um projeto musical bem-sucedido chamado hackedepicciotto, além de ter também uma carreira solo notavelmente próspera. Conversamos com Danielle a respeito de vários assuntos diferentes que permeiam nosso mundo atual. Confira!

1- Danielle, bem-vinda ao Fanzine Brasil. Primeiramente, gostaria de saber como você está, porque o mundo todo tem enfrentado um momento muito estranho. Espero que agora as coisas estejam melhores por aí!

Eu estou bem. Tive muito cuidado durante a pandemia e basicamente fiquei em meu estúdio por mais de 18 meses. Na verdade, eu gostei disso porque meu marido e eu geralmente estamos sempre em turnê, então eu pude dormir mais e trabalhar em projetos para os quais nunca tive tempo antes. Parece um momento de reflexão. Mas espero que acabe logo.

2- Você já esteve no Brasil alguma vez? Por acaso conhece músicos e/ou bandas daqui?

Infelizmente eu nunca fui ao Brasil e também não conheço nenhuma banda do país. Eu ficaria encantada em conhecer músicos interdisciplinares novos e jovens, especialmente se forem mulheres. Escrevo uma série de entrevistas para o Kaput Magazin sobre artistas mulheres interessantes e estou sempre procurando novos projetos!

3 – Em que momento da sua vida você se reconheceu como artista? Esse caminho foi planejado?

Eu comecei a tocar violino aos seis anos, piano aos sete, comecei a escrever poesia assim que aprendi a ler e sempre pintei, então acho que nasci sendo uma artista interdisciplinar. Quando terminei a escola, não sabia o que fazer e por isso acompanhei um amigo que estava se candidatando a uma escola de artes. Fui aceita e ela não. Senti que estava trilhando a direção certa. Desde então, trabalhado como música/artista multimídia.

 

(...) vivemos numa época em que as indústrias tentam manipular as pessoas o máximo possível para obter o maior lucro possível (...)"

4 - O sociólogo Zygmunt Bauman diz que vivemos em "tempos líquidos", o que, em suma, significa que nossa cultura e as nossas relações são frágeis e nós sempre queremos substituir tudo. Claro que há exceções, mas você concorda que vivemos uma época de imediatismo e “descarte cultural"?

Acho que vivemos numa época em que as indústrias tentam manipular as pessoas o máximo possível para obter o maior lucro possível. Tudo tem a ver com vender alguma coisa. É uma situação muito triste e o resultado é nossa catástrofe ambiental e colapso social. O 1% dos ricos está se tornando mais rico e os pobres ficam cada vez mais pobres. Não poderemos continuar assim por muito mais tempo, mas a responsabilidade está em nossas próprias mãos. Ninguém é inocente. Temos que mudar nossos hábitos - não comer carne, mas alimentarmo-nos de plantas, não pegar voos, mas pegar trens, não usar carros, mas sim bicicletas, não usar plástico, não apoiar grandes empresas implacáveis como a Nestlé ou Coca Cola etc., não apoiar a escravidão, o racismo ou a discriminação... Se todos se sentirem responsáveis e fizerem a sua parte, poderemos mudar essa situação muito rapidamente.

5 - Você acredita que de alguma maneira, o materialismo global pode fazer com as pessoas percam o interesse pela arte e pela cultura? Como professora de Filosofia, preciso dizer que pelo menos no Brasil, eu percebo que isso acontece. Também num mundo em que tudo é rápido, sinto que as pessoas querem coisas rápidas!

A mídia e as indústrias estão nos treinando para não nos preocuparmos com educação, cultura ou qualquer outra coisa que nos ajude a pensar e sermos independentes e individuais. Eles não querem que sejamos inteligentes. Em geral, é mais fácil manipular pessoas insalubres, confusas e viciadas. Querem que sejamos consumidores estúpidos, inquietos e sem capacidade de atenção, porque é assim que eles vendem coisas que deveriam nos deixar felizes, mas na realidade nos deixam vazios e tristes. Então compramos mais… É um jogo diabólico. Fico, porém, muito feliz em perceber que a geração mais jovem é radical e politicamente ativa e acho que o “Black Lives Matter”, o “Me- Too” e movimentos ambientais com Greta Thunberg, que esses jovens iniciaram, são um sinal de que eles entendem o atual perigo que corremos. Creio que é a nova geração mais interessante que vi desde os anos 80.

 

(...) estou desapontada com a humanidade no momento. O medo não é um bom guia (...) 
 
 

6 – Atualmente, nos encontramos no meio de uma pandemia e estamos enfrentando crises econômicas e sociais em todo o globo. Como você acha que esse cenário irá afetar as produções e movimentos culturais do futuro? Temos espaço para um novo "punk"?

No início da pandemia, pensei que o momento nos ajudaria a mudar de uma forma positiva. Todos nós ouvimos sobre como a poluição desapareceu de repente e foi incrivelmente relaxante não ter aviões rugindo sobre nossas cabeças o tempo todo. Eu pensei que as pessoas iriam parar para pensar em como podemos salvar nosso planeta e criar uma sociedade mais igualitária.

Em vez disso, parece que o egoísmo e o ódio cresceram. Multidões enlouquecidas de pessoas contra vacina se manifestam sem parar aqui em Berlim e o movimento de direita cresceu internacionalmente. Eu entendo que eles estão fazendo isso porque estão com medo. Com medo do futuro, com medo da pandemia, com medo de ficarem pobres e sem-teto. Mas devo dizer que estou desapontada com a humanidade no momento. O medo não é um bom guia. Nós podemos fazer melhor do que isso. Eu me lembro todos os dias de olhar para todas as coisas positivas que estão acontecendo para não ficar realmente deprimida. Não acho que um movimento punk seja apropriado - precisamos de novos movimentos que visem fazer as pessoas entenderem que estamos todos no mesmo barco e devemos apoiar uns aos outros para não afundar. Estamos em uma situação em que os padrões antigos não estão mais funcionando e novos devem ser encontrados.

7- Você está envolvida com a indústria musical há muito tempo. Assim sendo, poderia comentar sobre as principais mudanças envolvidas nas apresentações ao vivo de um tempo atrás e dos dias de hoje? 

Bem, shows ao vivo dificilmente são possíveis no momento. Gosto das novas ideias que de fazer algo online - é uma forma de alcançar uma multidão internacional com novas ideias, mas sinto falta de interagir com o público!


Danielle e seu companheiro Alexander Hacke

 

8 – Qual foi o show mais memorável que você já fez com o Crime & The City Solution? Foi através dessa banda que conheci você...

Gostei muito de tocar no Rivera Court, no Instituto de Artes de Detroit com o Crime & The City Solution. Um enorme mural de Diego Rivera - The Detroit Industry Murals (1932-1933) - é exibido lá. Consiste numa série de vinte e sete painéis que retratam a indústria na Ford Motor Company e em Detroit. O museu organiza concertos gratuitos para que os cidadãos pobres possam vir e ouvir todos os tipos de música, o que eu acho maravilhoso, e tocar naquele salão incrível com músicos incríveis como Simon & Bronwyn Bonney, Jim White, David Eugene Edwards e Alexander Hacke foi lindo inesquecível.


9 – Você pode nos contar um pouco sobre os seus livros? Você escreveu três, né? Qual é a abordagem deles?

Meus livros são todos autobiográficos. O primeiro foi um livro de memórias pessoal de Berlim, o segundo é sobre como e porquê o Alexander Hacke e eu nos tornamos nômades em 2010 e o terceiro livro, que acabei de lançar este ano, é sobre as muitas mudanças que aconteceram antes, durante e depois da queda do muro em Berlim (tecnologicamente, musicalmente, arte, socialmente e politicamente). Falo sobre todos os artistas e músicos que ajudaram a revolucionar a cultura, gênero, sociedade e como iniciei a Love Parade com o Dr. Motte. O título é “A Arte Alegre da Rebelião” e atualmente estou procurando uma editora inglesa para lançá-lo.

Meu primeiro livro (história em quadrinhos) sobre como e por que nos tornamos nômades acaba de ser traduzido para o espanhol https://www.universal-comics.com/products/137969-ahora-somos-nomadas.html).

10 - Se você pudesse dividir o palco com qualquer músico, quem escolheria?

O músico com quem já trabalho: Alexander Hacke, do Einstürzende Neubauten. Temos uma banda chamada Hackedepicciotto e acabamos de assinar com a MUTE Records, o que é muito empolgante.

11 – Em que você está trabalhando atualmente? Quais são os planos para o futuro?

No momento, estou trabalhando na minha primeira trilha sonora para um filme. É muito divertido e o filme é um documentário. A diretora é a Margarete Kreutzer, que fez ótimas produções no passado (uma delas foi sobre a lendária banda Tangerine Dream). Ela me perguntou se eu queria trabalhar nessa trilha porque gosta dos meus álbuns solos. Também estou trabalhando com o Alexander Hack em mais duas trilhas para filmes. Além disso, atualmente estou preparando dois novos projetos musicais e trabalhando em textos falados.

Além disso,  eu estou produzindo um vídeo para o próximo álbum do hackedepicciotto, o “The Silver Threshold”. Ele será lançado no dia 12 de novembro e estamos tentando agendar uma turnê para a próxima primavera. Vamos torcer para que seja possível.


12 – Você gostaria de fazer uma turnê no Brasil com o projeto hackedepicciotto quando a pandemia acabar?

Adoraríamos tocar no Brasil! Se houver interesse e demanda suficientes, tenho certeza de que um show pode acontecer.


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