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quinta-feira, 22 de abril de 2021

EXPLOSÃO DE PURPURINA: A CULTURA E A ESTÉTICA DO GLAM

 Por: Juliana Vannucchi

Na transição dos anos 60 para os anos 70, a Inglaterra, capital mundial do rock and roll, foi o palco do surgimento de uma nova tendência estética que ficou conhecida como “glam” e que consistiu num dos mais célebres movimentos de vanguarda de toda a história do rock. Um dos embriões dessa  corrente foi o provocativo David Bowie, cujo visual nesse período parecia ter sido inspirado em contos e filmes de ficção científica e abusava do uso de purpurina, lantejoulas, cores e brilhos, que se faziam presentes em sua maquiagem, roupas e calçados, vestimentas sempre excêntricas e que, na maior parte das vezes, eram peças tipicamente femininas. Essa característica ousada o levou a assumir uma aparência andrógina extremamente polêmica já que, através desse visual, afastou-se das normas de gênero de sua época, desafiando todo o tradicionalismo e conservadorismo vigentes e deixando muitos críticos musicais estarrecidos. Marc Bolan também é recorrentemente apontado como pioneiro do movimento, pois em 1971, já se apresentava publicamente com seu visual andrógeno.

David Bowie: o lendário andrógeno do Rock

O impacto que esse comportamento inaugurado por Bowie causou foi imenso e, embora o Camaleão tenha sido precursor do glam, muitos foram os representantes que deram vida e popularizaram a vertente mais glamourosa do rock,  como é o caso de Lou Reed, das bandas Mott The Hoople, The Sweet, The New York Dolls, Mud, Roxy Music, Slade e tantas outras. De maneira geral, todos esses grupos foram tão primorosos em suas produções e tão fundamentais para a história do rock que, seguramente, podemos acreditar que o glam foi o estimulante ideal e preciso do qual necessitavam para eclodirem e conquistarem seus respectivos terrenos, se consolidando como bandas lendárias. Além desses grupos citados, vale dizer que com o passar do tempo, certos subgêneros do rock apresentaram influência direta do glam, tal como foi o caso de bandas de hard rock e heavy metal - especialmente dos anos oitenta - dentre as quais podemos mencionar nomes como Def Leppard, Hanoi Rocks, Poison, Mötley Crüe e várias outros.

Mas não foram apenas bandas e músicos que foram afetados pelo glam. Esse movimento ultrapassou a barreira musical e foi socialmente relevante - na verdade, convenhamos, o rock nunca se esgota na música em si mesma. O conceituado escritor e crítico musical Simon Reynolds lembra que o experimentalismo sexual que marcou o glam estava, no fundo, atrelado a um determinado contexto histórico de sua época, no qual o ativismo homossexual crescia e uma “educação infantil mais liberal mudava o conceito de masculinidade”. Assim sendo, podemos dizer que essa corrente questionadora do status vigente não foi apenas estética, mas simbolizou também uma verdadeira mudança cultural que foi percebida em duas esferas: refletiu-se em aspectos sociais, como já citamos acima, e também políticos, já que serviu como motor para lutas de grupos sociais de seu tempo, além de afetar também as gerações seguintes, ao influenciar a construção da identidade de muitas pessoas. Esse conjunto de fatores, é claro, transformou e alterou para sempre os rumos do rock. Certa vez, a respeito do legado do glam, o icônico Marc Bolan comentou durante entrevista concedida à BBC: “Acho que [meu uso de purpurina] causou uma mudança... especialmente com cosméticos (...) Os caras podiam subir no palco... não sendo afeminados, mas não necessariamente precisando de loção pós-barba Brut - você sabe, sendo tipo super-masculino. Você poderia usar maquiagem e outras coisas para iluminar o ato”. Essa declaração de Bolan evidencia a possibilidade de desconstrução normativa que fazia parte do glam e a proposta de liberdade sexual que compunha o movimento.

 

Em relação especificamente aos aspectos musicais, Reynolds esclarece que o Glam era estruturalmente reativo, isto é, percebia traços de decadência na música de seu tempo e se propunha a alterar esse cenário, característica esta que também lhe assegura um caráter de contracultura: “O que define o glam musicalmente é uma reação contra o rock ácido e a volta às estruturas mais simples dos anos 50... esse tipo de vigor e foco”. O escritor complementa sua reflexão: “Mas, por outro lado, o glam também detém todos os avanços da gravação do final dos anos 1960, quando os discos de rock 'n' roll soam muito maiores, mais fortes, mais altos e mais grossos do que nos anos cinquenta”. 

Por meio do glam, o rock estava, portanto, demolindo paradigmas, sendo libertador e fazendo aquilo que sempre fez ao longo de sua história: se reinventando para se perpetuar. Justamente por isso, podemos entender que o glam foi simultaneamente uma revolução e uma evolução, uma vez que ao mesmo tempo em que causou rupturas também proporcionou diversos progressos construtivos cujos ecos perduram até os dias de hoje. O glam, enfim, literalmente nos mostrou que todos podem brilhar...

Referências:

https://www.theguardian.com/fashion/2020/jun/22/glitter-and-curls-marc-bolan-and-the-birth-of-glam-rock-style

https://en.m.wikipedia.org/wiki/Glam_rock

https://www.google.com.br/amp/s/www.udiscovermusic.com/in-depth-features/how-glam-rock-changed-world/amp/

https://www.google.com.br/amp/s/amp.theguardian.com/music/2010/sep/23/sweet-strange-history

https://www.google.com.br/amp/s/amp.theguardian.com/books/2016/oct/07/shock-awe-glam-rock-legacy-simon-reynolds-review

http://fordhamenglish.com/news1/2016/10/25/simon-reynolds-speaks-on-glam-rock



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