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sábado, 7 de novembro de 2020

O REI LAGARTO E A CELEBRAÇÃO DA LIBERDADE

 Por: Juliana Vannucchi (colaboração de Antonio Alves)

A figura de Jim Morrison se eternizou ao longo do tempo. Pelas mais variadas razões, o vocalista do The Doors continua fascinando pessoas em todo o mundo. Há muitas faces do legado para serem investigadas e apreciadas. Uma delas, que serve de parâmetro para esse texto, é a conexão entre a sociedade e a liberdade. 

Jim Morrison considerava que desde o nascimento o indivíduo assume no mundo o papel de um ator que se encontra acorrentado das mais diversas formas. Isso faz com que o sujeito perca sua identidade natural, deixando de viver a existência de uma maneira íntegra. Nesse cenário, as instituições arquitetam amarras e há uma forte tendência de que qualquer pessoa caia nelas como uma presa cai numa teia de aranha. É por isso que Morrison dizia que a sociedade de seu tempo estava enferma e que ela, de maneira alguma, prezava pela liberdade do sujeito. Ao contrário: pretendia fazer uma lavagem cerebral em cada cidadão. Apesar dessas circunstâncias, há uma escapatória, é possível se afastar e se libertar das amarras que tanto nos perseguem. Mas em que sentido essa ruptura poderia ser conquistada? E em que consiste a liberdade? De acordo com Jim Morrison:

“Existem diversos tipos de liberdade, como também milhares de abordagens sobre o assunto… A espécie mais importante de liberdade é aquela que lhe assegura o direito de ser o que realmente é. Seu desempenho na realidade sempre se efetua por meio de um papel a ser representado. Você descarta sua capacidade de sentir e, na verdade, coloca uma máscara. Não se pode efetuar uma revolução em larga escala se não houver primeiramente uma pessoal, individual. A revolução tem de eclodir primeiramente dentro (...) O aprisionamento inicia-se com o nascimento. A sociedade e os pais coíbem a liberdade que nasceu com você. Você observa pessoas que destruíram sua verdadeira natureza. Você imita o que vê”. (p. 76-77). Entrevista concedida à Lizze James (1967).

(...) Suas apresentações catárticas e teatrais certamente possuíam uma aura espiritual, selvagem, misteriosa.
 

Ainda segundo o vocalista do The Doors, a liberdade não pode ser concebida pelos outros, pois isso significaria dependência e, talvez, de alguma maneira, até mesmo condicionamento. Nesse sentido, é válido citar um trecho certa vez escrito por Nietzsche: “Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás passar para atravessar o rio da vida - ninguém, exceto tu, só tu. Existem, por certo, atalhos sem números, e pontes, e semideuses que se oferecerão para levar-te além do rio; mas isso te custaria a tua própria pessoa; tu te hipotecarias e te perderias. Existe no mundo um único caminho por onde só tu podes passar.Onde leva? Não perguntes, segue-o!

Contudo, é possível que haja um médium capaz de cooperar para que alguém possa se libertar de sua prisão: “Torna-te quem tu és”, escreveu Nietzsche. Compreenda-se: assuma-se em sua plenitude. Justamente por isso, assemelhando-se ao combativo filósofo alemão, Morrison, na mesma entrevista acima mencionada, declarou: “(...) apenas podemos abrir portas - não podemos arrastar as pessoas por elas adentro”. (p.79). Jim propunha, assim, uma ruptura que possibilitasse a um determinado sujeito a construção efetiva de sua própria autonomia. O frontman do The Doors não pretendia doutrinar, não queria ser modelo para ninguém. Sua intenção era apenas que o sujeito se reconstruisse por si mesmo. Seus esforços eram direcionados para mostrar isso, ou seja, ele convidava os ouvintes a romper suas correntes, mas sem forçá-los a nada e muito menos sem fazer isso pelas pessoas. Ele próprio chegou a declarar que não era um salvador, mas apenas um canal.

Mircea Eliade, em seu livro “Mito e Realidade”, escreve que nas antigas civilizações gregas e hindus havia uma tradição segundo a qual o Criador colocava um mestre no caminho do ser humano, para que este pudesse, com o apoio de seu guia, livrar-se da ignorância mundana. Seria esse o papel de Jim Morrison? Suas apresentações catárticas e teatrais certamente possuíam uma aura espiritual, selvagem, misteriosa... ou... dionisíaca. Talvez por trás de toda essa construção estética houvesse uma tentativa de revelação do caminho, de descortinamento da ilusão.

Morrison era um provocador. Um símbolo de delírio e um músico que, de uma maneira ou de outra, buscava tirar as pessoas de sua zona de conforto, um desses espíritos que não veio ao mundo para brincadeira e que, inclusive, confunde-se com sua obra. Morrison foi inteiramente irreverência e coragem para contestar o seu tempo, uma certa potência escolhendo a todo momento enfrentar o mundo, talvez não necessariamente por indignação com o mundo em si, mas indignação com a sua própria existência nele. 

Para finalizar, trazemos uma curiosidade: no poema “The celebration of the lizard” ("A celebração do lagarto"), Morrison escreveu: “Eu sou o rei lagarto. Eu posso tudo” (posteriormente, transformou tais dizeres em canto). Tão famoso era seu fascínio por répteis e pelo xamanismo que foi intitulado “Lizard King”, o Rei Lagarto. No ano de 2013, uma equipe de paleontólogos encontrou uma nova espécie de lagarto fóssil que, em homenagem a Jim Morrison, recebeu o nome científico de barbaturex morrisoni.


3 comentários:

  1. Mais um texto maravilhoso de se ler, chefe vc manda.muito bem,.parabéns tb ao Antônio Alves

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  2. Já no início da leitura pensei em Nietzsche, a caverna de Platão e Jung. Informação de qualidade! Parabéns Juliana!

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  3. Texto magnifico, excelentes colocações.

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