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quarta-feira, 19 de julho de 2017

THE CURE: NEM GÓTICO, NEM PÓS-PUNK, APENAS THE CURE

                                                                    Por Juliana Vannucchi


O The Cure é uma banda inglesa surgida no final dos anos setenta, e que foi aclamada durante a década de oitenta, tendo enorme reconhecimento até os dias de hoje. Liderada por Robert Smith, único membro que permaneceu no grupo desde a sua formação até os atuais, o The Cure conta com 14 álbuns de estúdio, todos elogiados e, de forma geral, bem recebidos pela crítica. Além da forte presença de Smith na criação de todos os álbuns, a banda é sempre lembrada devido a aparência do vocalista, que manteve um visual bastante peculiar durante sua carreira, usando seu cabelo desgrenhado, e um batom vermelho borrado em seus lábios. Durante os anos 80, a banda foi considerada  “gótica”, característica constantemente repudiada pelo vocalista e líder da banda, Robert Smith.

ÁLBUNS DO THE CURE:

Three Imaginary Boys – 1979:

O primeiro álbum de estúdio do The Cure, o “Three Imaginary Boys”, de 1979 é um trabalho da banda que se assemelha com o disco seguinte “Boys Don’t Cry”, e se difere da sonoridade próximos outros álbuns que o The Cure viria a lançar postumamente em sua carreira.

Three Imaginary Boys conta com um instrumental em que a guitarra se destaca, e a bateria é tocada com velocidade. As músicas assumem um perfil mais “Punk” (bastante evidente em músicas como “So What”, “Grindin Halt”, “It’s Not You”) com os instrumentos tocados de maneira rápida e, em parte das músicas, de forma agressiva. O vocal de Smith acompanha harmoniosamente o contexto instrumental. Dessa forma, esse trabalho do The Cure, junto ao disco seguinte, possuem um perfil mais voltado ao Punk Rock.

Interessante ressaltar um conceito do álbum, que é a capa do Three Imaginary Boys. Ela não possui imagem de nenhum dos três integrantes do The Cure, e nem carrega o nome da banda, há somente três objetos, e isso aconteceu porque os membros queriam que a banda fosse reconhecida pela qualidade musical, e não por sua imagem.

Boys Don’t Cry – 1980:

No ano seguinte ao lançamento do primeiro álbum, o The Cure produziu o “Boys Don’t Cry”.   Conforme já me citado anteriormente, o esse trabalho da banda, assemelha-se ao anterior na questão instrumental e vocal, e também leva algumas faixas do Three Imaginary Boys. Porém, apesar de repetir algumas das músicas, tem novidades como a faixa “Boys Don’t Cry”, que foi responsável por lançar o The Cure na mídia e no mercado musical da época. Outra faixa que se destacou foi “Killing An Arab” (em português: “Matando Um Árabe”), escrita por Robert Smith com base na obra “O Estrangeiro”, do escritor e filósofo francês Albert Camus, e que apesar de bem aceita e elogiada, causou certa polêmica devido à letra e ao título.

Seventeen Seconds – 1980:

No mesmo ano em que lançou o “Boys Don’t Cry”, disco responsável pelo sucesso da banda na indústria musical e comercial, o The Cure lançou também o “Seventeen Seconds”.  Esse trabalho rompe musicalmente com as características que marcaram os trabalhos anteriores, e a partir desse disco, a banda começa a usar constantemnete o sintetizador e amadurecer instrumentalmente. Além disso, Seventeen Seconds é importante porque é com ele que o Cure começa a assumir sua identidade musical, ou seja, seu instrumental e vocal singulares, que tanto o diferenciaram de outras bandas oitentistas. Robert Smith declarou certa vez que o Cure não é uma banda punk, gótica, ou de pop rock, disse que é apenas o The Cure, e que tocam o “estilo The Cure”. E de fato, eles são uma banda peculiar, e é nesse álbum que essa peculiaridade começa a dar as caras. 

Apesar de tal declaração de Smith, foi devido ao Seventeen Seconds que o The Cure começou a ser considerado, no mundo todo, como uma banda gótica. E não foi a toa que esse adjetivo surgiu por parte de fãs e críticos. As faixas desse álbum, conforme já mencionado, abandonam o instrumental agitado, tornam-se parcialmente melancólicas (tanto no instrumental quanto nas letras). O álbum possui uma sonoridade e vocal levemente mais lentos, e contam com maior presença do sintetizador. A faixa de abertura do disco, “A Refletion”, já “reflete” o que está por vir nas canções seguintes, e carrega o clima de todo o trabalho.  A música de maior sucesso do Seventeen Seconds é “A Forest”, até hoje, considerada com uma das melhores músicas já feitas pela banda. Esse álbum também começou a contar com as profundas, e artísticas letras de Robert Smith. Baseadas em suas emoções, em seu interior, em sua forma de viver a vida, as palavras de Smith começam a ser belas e, por mais que fossem melancólicas, tornaram-se mais um destaque da banda e um ponto elogiável e reconhecido por muitos críticos.

Faith – 1981:

Se o The Cure já estava sendo taxado como uma banda gótica, o álbum de 1981, só fortaleceu essa imagem que a banda carregava desde o ano anterior. O álbum tem 9 canções, todas com forte presença do sintetizador e com uma notável harmonia instrumental. As músicas que compõe o Faith são mais melancólicas ainda do que as do Seventeen Seconds, especialmente nas letras, com trechos pessimistas, como por exemplo: “Mão em mão com medo das sombras, chorando na festa funerária..” (Funeral Party), ou ” Me pegue se eu cair, eu estou perdendo o suporte, eu apenas não posso continuar deste jeito” (Faith).

É uma obra admirável, lírica, bem estruturada e digna de elogio. Nas faixas que compõe o disco, o instrumental é acompanhado pela presença melancólica das letras e vocal, e mesclado com uma leve agressividade da bateria e guitarra em algumas canções como Primary e Doubt.

“Eu não me apercebi do efeito que teria na banda. Eu pensei que poderíamos juntar as músicas quando tocássemos ao vivo e as outras canções iriam criar um equilíbrio, mas acabou por afetar todos. Aquelas canções tiveram um efeito negativo em nós — quanto mais as tocávamos, mais deprimidos e desolados ficávamos”. (Robert Smith, acerca do álbum Faith, Ten Imaginary Years, 1988).

Pornography – 1982:

Em 1982 o The Cure lança o Pornography, que para alguns fãs, é o melhor disco da carreira da banda. Trata-se de um trabalho instrumentalmente mais qualificado e mais maduro do que os anteriores, embora bem parecido, ao ponto de que junto ao Seventeen Seconds e o Faith, essa é considerada e chamada de “a fase sombria do The Cure”. Pornography tem uma aura depressiva, um instrumental mórbido e um vocal abatido.

Com oito faixas, esse álbum soa semelhante ao Seventeen Seconds, e ao Faith. O disco segue com um perfil melancólico, mas possui uma característica mais sombria e deprimente, ao mesmo tempo em que as canções são explosivas e raivosas. E é nessa fase que o Cure começa a registrar uma verdadeira marca que tem até os dias atuais: a aparência de seus integrantes. Aí, surgem as roupas pretas, terços pendurados, o cabelo desgrenhado, e a maquiagem.

Até 1982, todos os discos do The Cure estavam sendo elogiados pelos críticos musicais e a banda seguia muito bem aceita no mundo conquistando cada vez mais fãs por todos os continentes. Durante a época de apresentações do Pornography, Smith chegou a chorar no palco e se recusar a tocar algumas músicas, de tão profundas e depressivas que eram para ele.
O The Cure é uma banda inglesa surgida no final dos anos setenta, e que foi aclamada durante a década de oitenta, tendo enorme reconhecimento até os dias de hoje


The Top – 1984:

Desta vez, com um intervalo de dois anos, o The Cure lançou o The Top. Apesar de ter levado mais tempo para ser produzido do que levaram os álbuns que o precederam, o The Top, é para muitos – inclusive para Robert Smith – o pior disco que o The Cure já fez.

Marcado por uma fase em que a banda, e principalmente Smith, abusavam dos entorpecentes, The Top é um álbum psicodélico e turbulento. Se antes, os discos possuíam capas minimalistas e com poucas cores, esse possui uma capa que tem uma mistura de cores psicodélicas - cores quentes e frias todas misturadas - que remetem de cara o que está por vir nas canções, e retratam a fase confusa e alucinante em que Robert Smith vivia.

Apesar de não ter sido o disco mais elogiado que o The Cure fez, há três faixas que são boas: “The Caterpillar”, “Shake Dog Shake”, e “Bananafishebones”. O resto é quase que só um monte de palavras e melodias resmungadas por Smith. As canções são um pouco de tudo: sombrias, alucinantes, misteriosas, e perdidas entre um sintetizador pop, e uma guitarra tocada de maneira desleixada e eufórica. As letras, diferentemente daquelas dos discos de antes, da fase sombria do Cure, são confusas e pouco poéticas, tratando de temas como drogas, e alucinações, puro reflexo do momento difícil que Robert Smith atravessava, marcado pelo uso exagerado de drogas e bebidas.

The Head On The Door – 1985:

Se o The Top, disco anterior ao The Head On The Door, não havia sido a melhor produção do The Cure, em contrapartida, este, para muitos, é considerado o melhor disco da banda. The Head On The Door é persuasivo, e mais delicado do que os álbuns de antes.

Neste, a fase mais sombria e a fase alucinógena são deixadas de lado. O disco não se concentra no vocal mórbido, e no instrumental soturno que prevaleceram nas fases de 80, 81 e 82. Também não carrega o devaneio do The Top. É um trabalho mais singelo, mais romântico, e bem mais pop. E nesse álbum havia duas grandes preciosidades do The Cure que viriam a se eternizar. Trata-se da faixa de abertura, e da faixa final, “In Between Days” – romântica e graciosa, responsável pelo sucesso da banda no Brasil - e “Close To Me” – com uso de trompete e muito harmoniosa, uma melodia doce e contagiante-, respectivamente. As duas músicas fizeram, e fazem até hoje enorme sucesso. Além dessas canções, outras como “Kyoto Song” – fala sobre um pesadelo onde acontece um assassinato ao lado de uma piscina, - “Push” – talvez a mais dançante e pop do álbum-  e “The Blood” – belíssima música que conta com um ritmo flamenco muito bem trabalhado pelo The Cure - , todas, foram também alvo de elogios.

Kiss me, Kiss me, Kiss me - 1987:

The Head on The Door já soava mais pop e dançante, e o álbum seguinte, gravado em 1987, no Sul da França, o  “Kiss me, Kiss me, Kiss me”, seguiu esse mesmo caminho.

Esse álbum mescla um pouco de pop, tendo canções bem dançantes e empolgantes, românticas e agitadas, com algumas faixas cujo instrumental tem um aspecto mais negro, lembrando da fase anterior do The Cure, no início da década.  O grande sucesso do álbum é “Just Like Heave”, uma das canções que rendeu grande sucesso e críticas favoráveis ao The Cure e ao disco. Destaque também para as dançantes e fervorosas “Why Can't I Be You”, “Hot Hot Hot”.

Simon Gullap, instrumentista que participou da gravação do disco, declarou sobre o mesmo: “É como uma mistura entre o Pornography e o The Head On The Door - os melhores elementos de ambos. Resulta muito bem porque num momento entras no desespero e no próximo sentes-te entusiasmado. Estou cem por cento satisfeito com a banda, e sem colocar demasiado ênfase nisto, penso que este álbum é perfeito”.

Desintegration – 1989:

Se The Head On The Door e Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me, transmitiam um clima mais ameno do que os trabalhos anteriores do The Cure que compuseram a fase mais obscura da banda, Desintegration não somente voltou com uma atmosfera soturna, mas, muito provavelmente, foi inclusive mais sombrio do que Seventeen Seconds, Faith e Pornography. Desintegration é um trabalho romântico ao estilo gótico, uma obra tipicamente byronista, ou seja: angustiante, pessimista, e melancólica.

No período de gravação do Desintegration, Robert Smith vivia um período de tristeza e angústia em sua vida particular. Robert transpôs com excelência o seu sofrimento e desespero para as faixas do álbum. Nessa trabalho surgiram verdadeiros clássicos do The Cure, como “Fascination Street”, “Lullaby”, “Pictures Of You”, e “Lovesong”. Essas canções tornaram-se rapidamente conhecidas e tocadas no mundo todo.

É uma obra fascinante, tocante, e profunda. Fascinante, porque encanta. Tocante pela sensibilidade, e profunda, pela sinceridade e entrega com que foi produzida pelos músicos do grupo. O álbum pode ser considerado como um retrato do tormento de uma alma. 

 Wish – 1992:

Wish é o primeiro de dois álbuns inéditos que o The Cure lançou durante a década de noventa. Embora tenha algumas faixas boas, com destaque para “Friday I’m In Love” e “End”, no geral, o disco soa um tanto fraco se comparado com os trabalhos feitos pela banda durante a década de 80. Aliás, os trabalhos do The Cure na década de 90, o “Wish” e a produção seguinte, de 1996, não foram realmente grandes sucessos, e, definitivamente, diferentemente da década anterior na qual se consagrou atingindo sucesso global, dessa vez manteve-se mais apagada.

De Wish, somente Friday I’m In Love realmente rendeu sucesso (e não foi pouco), e foi muito tocada nas rádios durante 1992, e também durante os anos seguintes. A aceitação de Wish não foi ruim, mas não alcançou as expectativas dos fãs da banda. Wish é carismático, mas ao mesmo tempo soa um tanto raso.

Wild Mood Swings – 1996:

Depois de quatro anos sem gravar, a banda lançou o Wild Mood Swings, o décimo álbum do The Cure, que é quase que unanimemente tido como a pior produção da história da banda.

Uma música, ou outra, até pode agradar. Porém, para uma banda como o The Cure, que até então, tinha mantido-se firme e talentosa por pelo menos uma década, o trabalho, num contexto geral, foi enfadonho, sem criatividade, e decepcionantemente fraco.

“Os fãs também o odiaram. Foi a única vez que eu fiquei tremendamente desapontado. Eu penso que foi porque a The 13th foi a primeira coisa que eles ouviram da banda em muitos anos, e penso que depois disso não lhe deram mais uma chance”. (Robert Smith, acerca da reação a Wild Mood Swings , Never Enough - The Story of The Cure, 2005).

Bloodflowers – 2000:

Bloodflowers, o disco do The Cure de 2000, foi o álbum laçando depois de maior intervalo de tempo até então na história da banda. Esse seria o primeiro de mais duas produções que o The Cure prepararia para essa década.

Depois do sucesso parcial de Wish, e do decepcionante Wild Mood Swings, Bloodflowers foi bem recebido pelos fãs, e tornou-se mais um ótimo trabalho do Cure. Com um total de 9 faixas, o clima do CD lembra os trabalhos mais obscuros. Bloodflowers não tem exatamente uma atmosfera sombria, mas o instrumental e as letras, em conjunto, transpõem uma sensação de pessimismo nas músicas. Os instrumentos alternam-se entre um som mais meigo e uma melodia pesada, sendo que letras mantém-se praticamente todas com frases obscuras. A melhor faixa é a última, com o nome do próprio disco, Bloodflowers. A canção é simplesmente maravilhosa, é linda por seu pessimismo e tocante por sua intensidade. Bloodflowers fecha o álbum com chave de ouro.

The Cure – 2004:

Em 2004 a banda lançou no mercado um CD intitulado “The Cure”. Novamente, um trabalho relevante em sua totalidade, embora talvez tenha agradado um pouco menos aos fãs do que o disco o primeiro álbum do novo milênio, o Bloodflowers e, se comparado a este, talvez tenha sua qualidade, de fato, um pouco baixa. “The Cure” não é nem de longe o melhor trabalho da banda, mas também não é o pior. É mais um acerto, mas nada memorável. Embora algumas músicas sejam boas, o álbum no geral soa um tanto repetitivo, o que o torna um pouco cansativo de ser ouvido.

A primeira faixa do CD, intitulada “Lost” talvez seja a música mais qualificada do álbum todo. Lost é uma música mórbida, negativa, e ao mesmo tempo agressiva e profunda. As outras canções têm aquela velha característica de alguns outros álbuns do The Cure, umas faixas são mais dançantes e beiram o pop, outras possuem uma sonoridade mais sombria.

4:13 Dream – 2008:

Quatro anos depois do lançamento do álbum The Cure, a banda apresentou o 4:13 Dream.  Nenhuma faixa do CD fez grande sucesso comercial e, no geral, em questão de qualidade, é praticamente igual ao CD anterior, o “The Cure”. 4:13 Dream é um CD razoável, mas nada de esplendido.

Uma guitarra mais agressiva tange o clima da maior parte das músicas. As faixas são, no geral, bem agitadas e o CD é um tanto barulhento, talvez o mais barulhento entre todos os álbuns do The Cure. O melhor aspecto do álbum é a energia da voz de Smith que canta com intensidade e envolvimento.

O The Cure fecha, assim, mais uma década de bons trabalhos, embora não tenha conseguido com esses três álbuns dos anos 2000, o mesmo sucesso ou a mesma qualidade que a banda teve na década de oitenta. Criatividade e ideais não faltam para a banda, e, em especial, para Robert Smith. Aguardemos por novos álbuns.

NOTAS:

1.       Este trabalho consiste numa análise particular dos álbuns de estúdio do The Cure. Tal análise é complementada por informações concretas de fontes seguras como alguns portais da internet referentes à banda, e mídias impressas com matérias sobre o The Cure.

2.       O The Cure, recentemente, em 2014, anunciou que lançara mais um álbum ainda neste ano.

3.       Não constam aqui análises de todos os discos oficiais lançados pela banda, que tem uma discografia ampla composta por singles, compilações e álbuns de shows ao vivo. Foram aqui analisados somente os trabalhos oficiais de estúdio.


   





 

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