Por Juliana Vannucchi
Paul Talbot, residente de Piedade, uma singela e fria cidade localizada no interior paulista, é um talentoso desenhista e quadrinista que ao longo dos últimos anos, viu suas produções artísticas lhe renderam cada vez mais destaque e reconhecimento. Em sua vasta bagagem, acumula participações em diversos eventos culturais, como o Ilustra Comic Fest, ocorrido em 2023, o Gibi SP, que também aconteceu no ano passado, além de ter marcado presença no Palco Livre, em sua cidade natal, no Sesc Sorocaba, e na XXVII Feira do Beco do Inferno, que também ocorreu em Sorocaba, em 2024. E aliás, foi justamente nesse último evento citado que eu conheci o trabalho de Paul Talbot. Na referida Feira, que reuniu uma quantidade volumosa de diferentes e habilidosos artistas da região, o universo visual criado por Paul e sua forma de expressão artística, atraiu particularmente a minha atenção. Foi justamente essa experiência que deu vida ao presente texto. Lembro-me claramente que no instante em que me deparei com as criações de Talbot, percebi de imediato que seus desenhos pareciam captar a atmosfera sombria das histórias de Edgar Allan Poe e misturá-las com os elementos fantásticos de Lovecraft. Como resultado, suas ilustrações me pareceram verdadeiros portais que se abrem para um mundo paralelo, no qual encontramos criaturas mágicas e ambientes despóticos. Conversando com o artista, fui capaz de compreender melhor suas perspectivas sobre a arte e as propostas que pairam por trás da originalidade de suas ilustrações, que nos transportam tão facilmente para além dos limites habituais do espaço e do tempo.
Paul Talbot entende que um dos principais significados da arte é o espírito de revolta que ela desperte no ser humano. |
A arte entrou na vida de Paul por meio da escola e através de programas televisivos. A partir disso, desde a tenta idade, ele passava horas imerso em seu processo criativo e sempre se empenhava em aprimorar suas técnicas. Os anos se passaram e Talbot nunca parou desenhar, nutrindo sempre uma imensa paixão por essa atividade. O quadrinista entende que a arte, sua eterna companheira, deve ter espaço na vida de todas as pessoas, pois assim como ela sempre foi relevante para ele, pode ser também prazerosa e transformadora para qualquer um: “Penso que a importância da arte para o ser humano e para a sociedade em si, é algo imensurável. Até mesmo boa parte daquilo que é consiste na arte mainstream, muitas vezes teve em sua origem numa fonte que demandou criatividade, ou seja, exigiu um modo novo de produzir. Por mais, é claro. que seja um saco ver o corporativo "capitalizar" em cima dessas coisas, é de suma importância existir essa autenticidade... Essa postura de não se curvar diante da indústria mainstream, de não perder sua identidade mediante as cobranças que ela faz, evitando contaminar-se por ela. O artista seguiu sua reflexão sobre o tema: “Eu mesmo não vejo problema algum no fato de eu não viver da minha própria arte e tê-la apenas como hobby, como uma paixão, contanto que ela permaneça autêntica ao invés de se tornar um “produto” que visa seguir tendências específicas. Acho que foi o David Lynch que certa vez disse que “viver a vida artística é uma vida de trabalho".
Paul ostenta um brilhantismo estético especial em suas produções que são, na maior parte das vezes, permeadas por elementos fantásticos, pelo horror e por referências a símbolos e criaturas mística. |
A partir das considerações e diálogos acima, perguntei a Talbot se ele acredita, levando em conta o atual contexto da realidade brasileira, ser possível viver apenas de arte. A esse respeito, o ilustrador respondeu, de maneira meditativa: “Bem... Dar aula de arte é viver de arte, por mais que não consiste numa venda direta da obra artística em si? Ou, então, viver de arte seria viver da arte sem "comprometer" a visão artística? Ou poderíamos aceitar nesse sentido alguns desenhos feitos sob encomenda? Isso sem contar a necessidade de correr atrás de projetos culturais e eventos para participação e venda da arte, além de divulgação e etc. Então, em suma, acredito que seja possível... Mas não há uma "fórmula" específica para isso; há caminhos, meios. No campo artístico é preciso dar “os pulos” (risos) e mesmo assim, não há segurança ou garantia”.
Paul ostenta um brilhantismo estético especial em suas produções que são, na maior parte das vezes, permeadas por elementos fantásticos, pelo horror e por referências a símbolos e criaturas místicas. Tudo isso se expressa através de detalhes impressionantes e de uma enorme variedade de cores. Nesse sentido, o ilustrador nos contou que, embora trabalhe com fan-art, também dá vida aos seus próprios personagens: “Crio tanto obras originais, quanto fan-art. Fan-art, no caso envolve esboçar um determinado personagem que já existe, contudo, eu faço isso sempre dentro do meu próprio estilo de desenho, valorizando os meus traços. A ideia dos personagens, cenários e etc. sempre está alinhada com algo que quero contar. Muitas vezes ocorre, portanto, uma espécie de simbiose para fazer a narrativa funcionar. Às vezes, basta eu pensar numa "imagem" ou "fala" para começar a construir uma história ao redor disso”. O artista revelou ao Fanzine Brasil que por meio dessas abordagens, pretende surpreender e também articula-se para gerar um certo desconforto naqueles que contemplam seus desenhos: “Tento fazer algo que cause uma espécie de "impacto visual" capaz de misturar o belo e o grotesco. Uma repulsa atraente, eu diria”.
"Sempre tive interesse em desenhar os arcanos maiores porque adoro a estética de tais cartas" (Talbot) |
Um dos legados mais autênticos do jovem ilustrador e que chama a atenção pela engenhosidade, é seu baralho de tarot. A esse respeito, nos contou: “Foi meu projeto do Inktober de 2022. Sempre tive interesse em desenhar os arcanos maiores porque adoro a estética de tais cartas. A ideia de fazer a temática horror industrial/mecânico veio do filme "Tetsuo: O Homem de Ferro". Porém, eu busquei transmitir a ideia do ser humano sendo usado como matéria prima para uma indústria comandada por uma inteligência artificial. Até mesmo os números e nomes das cartas, além da forma habitual, também são descritos com código binário e código baudot, respectivamente. Que é pra dar mais ainda essa impressão de ser a "máquina" no comando de tudo. O código baudot foi uma homenagem ao conto "I have no mouth, and I must scream" do Harlan Ellison.
Para encerrar nossa produtiva conversa, Paul Talbot também discorreu sobre o significado arte e sobre a importância do espírito de revolta que ela envolve, podendo, a partir de tal estado, libertar o ser humano das tantas amarras que o cercam: “Arte não é comodidade. É preciso acreditar na visão, no processo. Deve haver revolta… e que essa revolta sirva como fonte de inspiração”. Artistas como Paul impressionam pelo modo através do qual brincam com suas imaginações e, dessa forma, conduzem os espectadores para caminhos inusitados, diferentes do convencional. Por isso, podemos seguramente afirmar que o dom de arte corre nas veias de Talbot, que possui maestria em sua habilidade, além de carregar em si um notável e inesgotável ímpeto de criatividade.
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