Fanzine Brasil

segunda-feira, 14 de março de 2022

UMA CONVERSA COM SIMON RAYMONDE, BAIXISTA DA BANDA COCTEAU TWINS


 Por Juliana Vannucchi

Apoio: Erica Iassuda

O Fanzine Brasil bateu um papo com Simon Raymonde, experiente compositor, lendário baixista da banda Cocteau Twins e músico colaborador do This Mortal Coil. Conversamos sobre a atual indústria musical, sobre sua gravadora independente, a Bella Union, sobre música brasileira e diversos outros assuntos. Confira, comente e compartilhe a entrevista! 

1. Simon, o mundo inteiro está passando por um momento sombrio e tenso. Como você está sobrevivendo e enfrentando essa realidade tão turbulenta?

É preciso encarar tudo isso. Enterrar a cabeça na areia não vai funcionar! Seja lá o que seja colocado diante de mim, eu procuro encarar e sair disso ainda mais forte. Acho que, como músico, você desenvolve naturalmente uma pele mais grossa para viver e agora estou mais velho e creio que isso facilita a minha sobrevivência diante de tudo isso. O que estamos vendo na Ucrânia é um povo incrível, com espírito de independência, de luta pelo futuro de seus filhos e que também simplesmente luta por sua própria liberdade. Isso é algo precioso e que merece valor. Sobreviveremos a essa fase, mas será necessário estarmos juntos.

2. Já esteve no Brasil alguma vez? Você conhece ou gosta de música brasileira? Há muitas bandas independentes boas aqui como "She Is Dead", "Gangue Morcego", "Dennis & o Cão da Meia-noite", "Madreperola", “Quântico Romance”. Essas são excelentes e há muitas outras que eu recomendo!

Sim, eu estive aí nos anos 90 com o Cocteau Twins para fazer dois shows e, na ocasião, conheci pessoas incríveis com as quais tenho amizade até hoje! De vez em quando, as pessoas me enviam nomes de algumas bandas e músicas, mas essas suas sugestões são excelentes e estou ansioso para conhecê-las!

3. Em que momento da sua vida você se reconheceu como artista? Você planejou seguir esse caminho?

Eu não ando por aí pensando “eu sou um artista” e acho que nunca fiz isso – ao menos espero que não tenha feito :), embora a música fosse a única coisa que eu sempre quis fazer, além de ter desejado jogar pelos Spurs! Desde o final dos anos 70, depois de ver The Clash e os Pistols, eu sabia que queria ser baixista e penso que, quando as coisas começam inevitavelmente a desmoronar, você pode ficar sem rumo, mas ter a alegria de poder tocar, escrever e especificamente colaborar com os outros, agora me fez ver o quanto sou sortudo.

4 – Tem algum álbum da discografia do CocteAu Twins que seja o seu favorito? E por acaso há algum do qual você não goste?

Quanto mais o tempo passa, mais as melhores memórias permanecem. Eu sei que nós sempre pensávamos que o Treasure era... bem... um trabalho que talvez pudéssemos ter feito melhor (haha), mas ouvindo o álbum de novo, quase 40 anos depois, percebo que ele tem um som bem estranho e acho que não existem muitas coisas que soem como ele. Esse sempre foi o sonho, não é? Ter seu próprio som! 

Eu amo todos os álbuns agora porque parece que cada um é como um pequeno "diário" de nossas vidas, pelo menos é assim para mim. Sonoramente, com certeza o Heaven Or Las Vegas e o Blue Bell Knoll foram um grande salto para nós em termos do que aprendemos como "produtores", mas todos os outros têm um charme!

5. Na época em que o Cocteau Twins estava gravando Treasure, você imaginava que o álbum seria tão aclamado? O que você sentiu durante a produção deste álbum? E por que algumas músicas são nomeadas com divindades mitológicas/religiosas?

Não, haha, não tínhamos ideia do que as pessoas pensariam e também nunca tivemos interesse nisso. :)Bom, na verdade, se alguém dissesse que não havia gostado, acho que não teríamos esquecido. Na época, nós nos sentimos bastante apressados no final da gravação e, como era nossa primeira vez produzindo um álbum juntos como um trio, havia, é claro, muitas incógnitas. Naquele período, sempre dizíamos à gravadora que tínhamos o álbum pronto para gravar, mas na verdade nós literalmente não tínhamos músicas escritas, demos, nenhum material, embora tivéssemos uma certa confiança juvenil (ou arrogância) que costumávamos usar a nosso favor. E todas as nossas gravações desse álbum foram espontâneas e na maior parte totalmente improvisadas, portanto, se tivéssemos tido um tempo de preparação, isso destruiria todo o sentido, de qualquer maneira.

Mas, claro, ouvindo o álbum agora, posso perceber muita incerteza e, conforme eu disse anteriormente, aquele era um relacionamento totalmente novo para nós, então acho que, de modo geral, fizemos um bom trabalho!

"Entre as pessoas, percebemos divisões não apenas físicas, no sentido de distanciamento, mas também politicamente, mentalmente e filosoficamente falando".


6. Como você descreve a lendária Elizabeth Fraser?

Bem, descrevo com todos os possíveis superlativos que você possa imaginar! A Elizabeth nunca gostou de elogios, mas não hesito em dizer que para mim ela é a melhor. Claro que existem outras artistas incríveis na história da música. E se estamos falando de vocalistas femininas, há várias, como Nina Simone, Mahalia Jackson, Aretha Franklin, Dusty Springfield, Kate Bush, PJ Harvey, Patti Smith e a lista continua, porém, eu não consigo pensar em uma vocalista que possa alterar minhas emoções de maneira tão profunda quanto ela consegue. Conhecendo a Elizabeth e sua história, e sabendo aonde ela vai quando canta, talvez não seja tão difícil de entender o que quero dizer. Mas sim, ela é absolutamente maravilhosa, um tipo verdadeiramente único.

7. Qual foi o show mais memorável que você já fez com o Cocteau Twins? E qual é a sua melhor lembrança do período em que tocou com a banda?

O show mais memorável talvez tenha sido um que fizemos na Suécia, provavelmente em 1984, num clube lotado na cidade de Orebro. Estávamos tocando quando, de repente, a Elizabeth simplesmente se virou, saiu do palco no meio da primeira música e nunca mais voltou!

As melhores lembranças são sempre de quando eu estava gravando os vocais da Elizabeth em LPs como o Milk and Kisses, e, enquanto agia de forma completamente tranquila e destemida em tais momentos, sentia-me perpetuamente abençoado, como se tivesse acabado de conversar com um ser supremo! Haha.

8. Como você descreve o álbum "Milk & Kisses" e como era a atmosfera da banda na época em que o gravou?

Surpreendentemente, a atmosfera era ótima. No geral, foi uma boa experiência e provavelmente um bom momento para me aposentar, mas talvez ouvindo agora, eu possa perceber que definitivamente há falhas. Em termos de mixagem, não acho que a produção é a melhor, porém, certamente não é um disco ruim! Fazendo uma retrospectiva, se você olhar muito para trás, pode começar a reescrever a história, então não costumo pensar muito no passado, a não ser quando faço entrevistas como esta! Porém, talvez, olhando para trás agora e pensando no propósito disso, eu diria que deve ser muito estranho para um casal que ficou junto por um longo período e depois se separou continuar trabalhando junto. Mas isso apenas mostra o quanto a música era importante para todos nós, não apenas por sermos um grupo, mas individualmente também e, talvez, tenha sido muito difícil nos afastar disso, pois era algo que todos nós amávamos profundamente.

 

"Nunca foi tão fácil como é agora, em 2022, ser criativo e livre para fazer suas próprias coisas, sem a necessidade de vínculos com corporações ou obrigações contratuais".


9. Quando o Cocteau Twins decidiu se separar, você tinha uma ideia clara do que queria fazer e de como iria seguir?

Não, absolutamente não. Porém, eu sou uma pessoa positiva e, por isso, não gosto de me debruçar sobre aspectos negativos por muito tempo. Então, levando em conta que naquela época tínhamos acabado de começar a gravadora Bella Union, eu me joguei de vez nessa empreitada e... bem, ainda estou fazendo isso vinte e cinco anos depois, portanto acho que deve ter sido uma ideia relativamente boa!

10. Como foi a experiência de participar do This Mortal Coil? Essa também é uma banda muito peculiar e única, da qual músicos muito talentosos – como você- participaram. 

De modo geral, foi uma boa experiência, embora bastante estranha. Se você olhar para as notas dos encartes e se atentar aos nomes dos músicos participantes do projeto, pode imaginar que se tratava de um monte de amigos reunidos dentro de um estúdio de gravação, só que infelizmente não era nada disso. Eu, que estive muito envolvido nos dois primeiros álbuns, estava frequentemente no estúdio, só que normalmente ficava lá apenas com o Ivo e com o Jon Fryer, embora nessas ocasiões eu tenha escrito alguns trechos musicais legais porque o Ivo, na verdade, não era um músico propriamente dito, então eu acho que ele estava apenas utilizando sua amizade com todos nós para que pudesse trazer ao mundo as canções que tinha em mente. Foi um projeto interessante e me sinto muito feliz por ter feito parte dele.

11. Vivemos um momento peculiar e esquisito em que nos encontramos em meio a  uma pandemia, crises econômicas e sociais etc. Como você acha que esse conjunto de situações afetará futuras produções e movimentos culturais? Como produtor musical, como você encara esse momento?

Já pudemos ver o impacto de tudo isso nos últimos dois anos. Entre as pessoas, percebemos divisões não apenas físicas, no sentido de distanciamento, mas também politicamente, mentalmente e filosoficamente falando. Essas divisões parecem estar mais amplas do que nunca e, logicamente, isso cria focos de oportunidades para os artistas criarem algo muito especial. Contudo, sinto que estamos muito longe de onde precisávamos estar como indústria e como nação aqui no Reino Unido e, claro, globalmente também. Parece que o desastre iminente está apenas a um simples piscar de olhos. 

Às vezes, sentimos que algo catastrófico precisa acontecer antes que uma verdadeira mudança revolucionária ocorra, porque eu tenho esperado por uma revolução profissional, cultural e política há muito tempo, e ela simplesmente nunca chega. Continuamos repetindo a história várias vezes e cometendo os mesmos erros também várias vezes. Felizmente, a música é a maior de todas as drogas e podemos nos perder nela e usá-la como um veículo de mudança. Esse é o meu mundo e eu acredito no seu poder.

12. Você acredita que é possível um artista ser livre e criativo mesmo fazendo parte da indústria da música?

Com certeza. Nunca foi tão fácil como é agora, em 2022, ser criativo e livre para fazer suas próprias coisas, sem a necessidade de vínculos com corporações ou obrigações contratuais. Atualmente, você, literalmente, pode fazer o que quiser e, se tiver paixão por isso e, claro, pouca ou muita sorte ao longo do caminho, poderá fazer exatamente o que quiser e, além disso, também ter sucesso!

13. Há alguma banda que você está ouvindo atualmente que todo mundo deveria estar ouvindo também?

Bandas novas? Eu amo Mango, Genn, Golden Dregs, Penelope Isles, Pom Poko, Sophie Jamieson, Rachel Aggs, Pillow Spiders, Blue Luminaire, Warmduscher, C Duncan, Laura Groves e várias outras...

 



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