Por: Camilo Alves Nascimento
O “inexplicável” do título desse artigo não é de forma alguma uma alegoria dramática. The Jesus and Mary Chain é um daqueles casos da história da música, e principalmente do Rock, em que estavam presentes todas as combinações possíveis para que a banda não desse certo. JAMC é uma banda difícil de se acreditar que existe, as histórias que a cercam, as brigas, a inconstância e o tamanho da influência e respeito que eles conseguiram parecem ser imaginários.
Brigas entre os membros, brigas com os fãs, drogas, álcool, instabilidades emocionais, “banda fundadora do shoegaze”, “a mais influente banda de garagem”, uma banda que ganhou um verbete próprio na Enciclopédia Britânica (considerada até hoje uma das maiores compilações do conhecimento humano), a verdadeira banda indie, “pais do Noise Rock"... o que dizer do Jesus and Mary Chain?
A banda é originária da Escócia, da cidade de East Kilbride, e surgiu de uma parceria entre os irmãos Jim e William Reid. A ideia de montar uma banda acompanhava os irmãos desde 1977, influenciados pela cena punk inglesa de meados da década de 70, mas somente em 1983 eles formaram o que seria o embrião do JAMC.
A banda em seus primórdios |
Após gravarem algumas demos ainda em 1983, em 1984 eles recrutaram o baixista Douglas Hart e o baterista Murray Dalglish, completando o que seria a primeira formação do JAMC. Segundo William: "Era o momento perfeito para montar uma banda, porque não havia nenhuma banda com guitarra. Todo mundo estava fazendo música pop eletrônica”, claramente uma provocação às bandas New Wave e Pós-Punk do começo da década de 80. A cena punk pegou o mundo de surpresa na década de 70, porém no começo dos anos 80 o estilo tinha perdido um pouco da força, muito em virtude das próprias bandas que queriam experimentar novas sonoridades, da saturação do mercado pelas gravadoras e do surgimento de novos efeitos e recursos de estúdio.
A entrada de Hart e do Dalgish acaoua trazendo a influência de bandas como The Velvet Underground, The Stooges, The Shangri-Las e, claro, Ramones (uma referência para todos eles), que, segundo William, foi o motivo pelo qual começaram a usar efeitos e distorções em suas músicas: “Nós queríamos gravar álbuns que soassem diferentes”.
Essas influências, que abrangem desde o som calmo e ensolarado dos Beach Boys às melodias dos Beatles, passando pelo experimentalismo do jazz psicodélico do Velvet Underground e a energia do punk rock, fizeram com que o JAMC criasse uma sonoridade única, não se limitando apenas a reproduzir o que escutavam, mas criando algo novo, inserindo elementos nas músicas que deixavam claro que eles tinham personalidade e malícia suficientes para serem únicos. A banda nasceu com identidade própria, se apropriando dos melhores elementos das suas referências para imediatamente juntá-los a uma receita original de distorções, efeitos, letras e densidade, que são sua marca registrada até hoje.
É importante ressaltar que o JAMC sempre foi uma banda à frente do seu tempo |
Em 1984 eles conseguiram seu primeiro contrato com a Creation Records, lançando o single “"Upside Down", em novembro. A banda ganhou certa visibilidade, muito pela fama dos seus shows, que na maioria das vezes acabava em pancadaria entre os membros da banda e seu público, com histórias de shows durando apenas 10 minutos, brigas motivadas pelos excessos de álcool dos irmãos Reid e suas insatisfações com o próprio som e com a reação do público. No mesmo mês, novembro, o baterista Dalgish saiu da banda infeliz com a distribuição dos pagamentos que recebia. Enquanto isso, o single "Upside Down" liderava as vendas no Reino Unido, em fevereiro e março de 1985, permanecendo na liderança por 76 semanas e vendendo cerca de 35.000 cópias, sendo um dos singles independentes mais vendidos da década de 1980.
Esse sucesso permitiu que eles gravassem, ainda em 1985, o álbum que mudaria todo o cenário do rock: “Psychocandy”. O lançamento foi recebido com várias críticas positivas, embaladas pela curiosidade que as notícias dos seus shows geravam e pela descrição de um som que unia melodias suaves de guitarra, com uma parede de som extremamente alta e efeitos de distorção e microfonia. Pra mim, até hoje esse é o álbum mais importante da banda e também o melhor de sua discografia. Está presente em todas as listas de melhores da história, álbuns mais influentes, álbuns importantes, álbuns favoritos de vários músicos do rock etc.
A mistura quase esquizofrênica de Psychocandy é pioneira. As melodias das guitarras, aliadas à força melancólica de distorções poéticas, em sintonia com a voz de Jim Reid, que traduz em suas letras a agonia, a fúria da juventude, a insatisfação, o caos do cotidiano e a melancolia inerente da vida, criam um caldeirão musical estranho e confuso no primeiro momento, mas que em pouco tempo hipnotiza, por conseguir transcrever essas sensações e sentimentos pouco explorados, mas que são partes da existência.
Depois desse sucesso inicial, a banda passou por várias formações, problemas com a fama, brigas entre os irmãos, mudança de sonoridade e muitos álbuns considerados inconstantes. Os problemas se intensificaram ao ponto da vida do JAMC se tornar insustentável, especialmente devido às brigas entre Jim e William Reid, que haviam se agravado nos últimos anos, até que, em 1999, eles anunciaram o fim da banda.
Em 2007, novamente se reuniram, desta vez para para um show no festival Coachella, e desde então vêm trabalhando em alguns álbuns esporádicos e turnês, porém, com a diferença que estão sóbrios e se declaram felizes com a banda e com o que construíram.
JAMC é uma banda que não se explica, que não cabe em rótulos |
Mas é importante ressaltar que o JAMC, apesar dos problemas, sempre foi uma banda à frente do seu tempo, experimentando novos estilos, novas formas de compor, novas sonoridades e tendo álbuns excelentes, que vão desde um “folk escocês” em “Stoned & Dethroned”, quinto álbum de 1992, até álbuns que atualizam a sua sonoridade clássica, como o “Automatic”, de 1989. A banda também faz parte da cultura pop, estando presente em várias trilhas sonoras de filmes.
Talvez o grande trunfo da banda tenha sido conseguir retratar a melancolia como ela é, não calma e contemplativa, mas barulhenta, dolorosa e, por vezes, angustiante.
JAMC é uma banda que não se explica, que não cabe em rótulos, sua música é literalmente uma mistura de efeitos, sentimentos e sons que nos remetem a tudo e ao nada ao mesmo tempo. Uma banda que não é e nem tem intenção de ser comercial, uma banda que mostrou ser possível algo novo, que brigava com seu público e entre si, uma banda que teve tudo para terminar em tragédia e passar despercebida pelo resto da vida.
O JAMC é inexplicável... e talvez por isso todas as bandas que vieram depois apenas concordam e respeitam. É uma daquelas bandas de que você pode não gostar, mas da qual nunca poderá falar mal.
A discografia oficial conta com 13 álbuns, sendo o último de 2017, "The Damage and Joy", que foi muito bem recebido pela crítica, levando a banda a tocar em grandes festivais pelo mundo, muitas vezes como headline.
JAMC é mitologia. É um caso de família.
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