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quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

EU BEBERIA COM ESSA GURIA #01: CYNTHIA ROSS

 Por Juliana Vannucchi

A inauguração desta nova coluna do nosso site, ocorrida em 2023, teve como protagonista o especialíssimo baixista Thiago Halleck. Mas quem ocupa o espaço dessa vez é a baixista canadense Cynthia Ross, que cravou seu nome na história do punk rock norte-americano e canadense através do legado que deixou com a banda The 'B' Girls.

Eu certamente tomaria muitas doses de café com a Cynthia porque, além de eu amar café, essa bebida maravilhosa, que geralmente gera boas e longas prosas, me lembra da série Twin Peaks, que eu a Cynthia adoramos! Isso porque, conforme os fãs do seriado sabem, o agente Cooper é doido por cafeína! Claro que, partindo desse ponto, eu e a Cynthia iríamos conversar bastante sobre os mistérios, excentricidades e demais aspectos desse maluco e surreal universo criado por Lynch. A trilha sonora de Twin Peaks é por si só uma verdadeiro obra de arte, conduzida e criada por Angelo Badalamenti (que, caso os leitores não saibam, cabe dizer a título de curiosidade, trabalhou com Siouxsie Sioux). David Lynch chegou a comentar que essa série consiste num modo de acessar aspectos misteriosos da existência... aí está outro assunto sobre o qual iríamos discorrer: MISTÉRIOS... até porque, falando nisso, a banda The 'B' Girls possui uma música muito especial - que é a minha favorita - chamada "Mystery", escrita justamente pela Cynthia (no ano passado, entre outubro e dezembro, eu a escutei 66 vezes no Spotify, pasmem). Vou disponibilizar a letra abaixo. É interessante observar que trata-se praticamente de um hino à solidão porque, no final das contas, conforme a letra sugere, ainda que estejamos rodeados por outras pessoas e que nos encontremos no meio de grandes multidões, no final das contas estamos sempre sozinhos e um tanto deslocados. E a solidão, como condição existencial, cabe observar, é uma instância especial e necessária da própria vida. Conforme certa vez escreveu Arthur Schopenhauer: "A solidão é a sorte dos espíritos excepecionais". Nietzsche também era adepto da solidão e entendia que o ato de filosofar presuponha tal estado. Ademais, entendia que o ser humano deveria saber conviver com a própria companhia e, nesse âmbito, em "Assim Falou Zaratustra", escreveu: "Não há solução para quem sofre de si mesmo". Sêneca foi outro pensador que, não apenas contemplou a solidão, mas numa carta endereçada a Lucílio, destacou os perigos que a multidão oferece ao tornar vícios cativantes e induzir as pessoas a pensar sempre de uma mesma maneira (isto é, a multidão surge aqui como um verdadeiro convite para a alienação).

MYSTERY

Yeah baby it’s a mystery

The things you do to yourself

Night time it’s a mystery

You’re all by yourself


You cry tears

You call out

Words sound ...

Get paid, your future’s made

But your life it goes on and on


Downtown’s got no bright light shining

Lonely on the street

Downtown’s got no nightlife living

No, not on the street


I watch as you slip away

A little every day

That man downtown keeps calling you

And you decide to stay


I know you’re no ones miracle

I’ve seen how much you pay

Living daily misery

What can I do to make it be okay?


Downtown’s got no bright lights shining

Lonely on the street

Downtown’s got no night life living

No, not on the street. Hey


So alone among the crowd

Still looking for more

So alone among the crowd

Still looking for

Still trying to find

More ... More ... More

more ... more ... more


(C) 1977 Cynthia Ross
For The ‘B’ Girls

Também, com certeza, bateríamos um papo sobre Audrey Hepburn, atriz que nós duas admiramos bastante! E eu sei que a Cynthia flerta com literatura, até porque, ela é uma poetisa notavelmente talentosa, que escreve poemas tocantes, profundos e imensamente poderosos, capazes de entorpecer qualquer alma e emocionar qualquer coração. A experiência de ler suas palavras gera uma espécie de elevação metafísica e êxtase mágico que todos deveriam provar - para conhecer as poesias da Cynthia, basta segui-la no Instagram. Iria querer saber quais são os poetas que mais a influenciaram - mais sei que ela flerta com os grandes nomes da contracultura. E sei que a Cynthia Ross tem algum apreço por Isaac Asimov, um autor que eu, particularmente, admiro bastante. Li dois livros dele recentemente: "O Cair da Noite" & "O Homem Bicentenário". Ambos abordam temas profundos ligados aos limites e perigos das relações existentes entre o ser humano e a tecnologia. A narrativa do primeiro livro mencionado se desenvolve a partir do seguinte problema: teríamos condições de manter nossa sanidade se não existisse mais luz? Raramente nos damos conta do quanto a luminosidade é de fato relevante para a manutenção de uma vida saudável e produtiva. Quais seriam os efeitos colaterais da escuridão total? Essas questões que você, leitor, está lendo agora, seriam também, é claro direcionadas à Cynthia. E eu recomendaria os dois livros acima mencionados a ela.

Eu também teria numerosas perguntas para fazer a respeito de tudo que ela viviu durante a eclosão do punk rock norte-americano e gostaria muito de passar horas a fio escutando suas histórias, reflexões e aventuras relacionadas ao universo punk. Apresentaria a ela algumas bandas e artistas brasileiros começando, aliás, pelo próprioThiago Halleck e a banda "Gangue Morcego". Citaria a Fabi Bellentani como uma grande e exemplar baixista e também falaria para ela adicionar "The Edwoods", She Is Dead", "Mickey Gang", "We Are Pirates", "Rita Lee" e "Harry & The Addicts" na playlist dela. Ou, talvez, eu até criasse uma playlist própria para servir como trilha sonora para o nosso café! Começaríamos escutando "Lycanthopia", da última banda citada aqui. Depois "Silent Telephone" (you will die aloneee) & seguiríamos: "She Is Dead" ("She Is Dead") / "Sobrenatural" ("Gangue Morcego") / "Canyon" ("WAP") / "Running" (WAP) / "I Was Born In The 90's ("Mickey Gangue") / "Perv In The Park" & "Plan 9" ("The Edwoods"), Rita Lee (váriaaas). Eu acho que "Perv In The Park" faria ela se retirar da mesa porque o The Edwoods é muito assustador. Aliás, ifalando em The Edwoods, isso traz a tona um outro ponto interessante que poderia ser abordado: conversaríamos sobre filmes trash, que estão entre os meus favoritos. Acho que ela, no mínimo, gosta de clássicos como "Ben, o Rato Assassino" e "Palhaços Assassinos do Espaço Sideral". Eu amo ambos. Duas produções fabulosas do gênero! Quem não gosta? Se, por acaso, ela dissesse que não aprecia filmes assim, eu simplesmente falaria que fui mal influenciada pelo Andy e pelo Eron. E talvez eu me empolgasse e inventasse um roteiro maluco de filme trash chamado "O Tapete Maldito", cuja trilha sonora teria sido criada pelo The Edwoods.

Posteriormente e para encerrar, eu iria falar mal do Bolsonaro. Muito mal. Esse tópico é fundamental em qualquer conversa, não é mesmo? E para encerrar, antes do último gole da décima xícara, eu faria uma alusão ao agente Cooper. Olharia para o meu recipiente e diria: "Damn fine coffee".

 

Eu beberia com a Cynthia Ross!

 


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