Fanzine Brasil

quinta-feira, 9 de abril de 2020

ANÁLISE DA DISCOGRAFIA DO THE CREATURES



Por: Juliana Vannucchi

O The Creatures foi um projeto musical feito por Siouxsie e Budgie em 1981, mesmo ano em que os Banshees lançaram o álbum Juju. Não há dúvida de que ao lado de seu marido e companheiro de banda, Sioux encontrou maior liberdade para se expressar. Não à toa, muitos consideram que o The Creatures sempre foi o auge de sua carreira.

ÁLBUNS:

Feast (1983):


O álbum de estreia do The Creatures foi gravado no Havaí. E sabe como eles escolherem esse lugar? Bem, eles simplesmente puseram de maneira aleatória uma agulha num mapa-múndi. Onde ela apontasse, eles tocariam. Para a sorte do casal, foram parar num local paradisíaco! E é preciso admitir que as paisagens e cultura do Havaí influenciaram a composição do Feast.

O Feast é simplesmente genial. A faixa de abertura é mística, estranha e parcialmente sombria. Sua letra é tão misteriosa quanto a própria melodia. “Morning Dawning” porta um encanto singular que só o The Creatures possui.

Até a quarta música, ainda há um clima levemente “dark”. Depois, no entanto, encontramos “Gecko”, que rompe com essa atmosfera e oferece ao álbum um tom mais dançante e caloroso.
A música que obteve maior destaque foi “Miss The Girl”, baseada no livro “Crash”, de J. G. Ballard (uma das muitas composições de Sioux provindas do universo literário). Desde seu lançamento, o álbum foi aclamado pela crítica e “Miss The Girl” foi uma música muito tocada nas rádios do Reino Unido.

Siouxsie e Budgie.

Boomerang (1989):

Muitos concordam que esse álbum representa o auge do brilhantismo de Siouxsie Sioux e Budgie. Desde a primeira vez que o escutei, percebi que essa exótica obra-prima é um verdadeiro sopro divino que nos envolve magicamente do início ao fim.

O Boomerang foi gravado na Espanha. Budgie uma vez me revelou que o processo de criação do álbum foi muito marcante. Sabemos, por intermédio de inúmeras entrevistas, que ele e a Sioux se divertiram muito por lá e essa doce experiência é refletida nas músicas. O apreço pelo país teve apenas uma ressalva revelada pela Sioux: "Gosto tanto das pessoas e do país, mas acho as touradas totalmente nojentas. Eles veem o ritual, mas não veem a matança glorificada que realmente é. O toureiro é a coisa suprema - não lhes ocorre que devam levar em consideração os sentimentos dos touros, eles não veem a crueldade e a falta de sentido e a falta de sentido disso e como está provando machismo em tudo. Isso me deixou muito irritada". Durante o período das gravações, ficaram em castelos e conventos e a atmosfera de tais ambientes, os impactou bastante. Conforme Siouxsie certa vez contou numa entrevista concedida à Melody Maker: "Um dos conventos em que ficamos tinha um certo quarto. Assim que você entrava, você imediatamente tinha a sensação de que alguém havia confrontado todos os seus demônios ali, todos eles. Era completamente silencioso. Do lado de fora havia uma cerejeira com flor que estava toda caída e as janelas pareciam janelas de castelo, bem fundas na parede (...) Definitivamente, ainda estava assombrado pela coisa muito forte que deve ter acontecido ali". No geral, em suas composições, notamos que o Boomerang conta com a participação de vários instrumentos, e é possível considerar que ele possui um refinamento instrumental maior do que o “Feast”, que no geral é mais cru e experimental se comparado a este álbum. Outra característica que o diferencia de seu antecessor é que Boomerang dialoga com gêneros musicais bem variados, tais como o jazz, o blues e a música flamenca, tradicional da Espanha (que se faz evidentemente presente na faixa “Standing
 There”).

No período em que gravaram esse álbum, Sioux e Budgie certamente já haviam exorcizado seus terríveis fantasmas do passado. Não havia interesse em explorar seus lados mais sombrios, e a agressividade do punk rock já não fazia sentido. Era um momento de ataraxia (tranquilidade interior), que oferecia ao duo a chance de navegar por mares desconhecidos. Os dois também se sentiam mais livres em suas produções, já que dependiam apenas da harmonia que havia entre eles e não se preocupavam com possíveis reprovações de terceiros que, eventualmente, pudessem “travar” seus processos criativos. Como resultado dessa nova fase musical e existencial, parece-me que o “Boomerang” é um convite para que aproveitemos a poesia que se esconde mediante a tragédia da vida, pois mesmo diante da tormenta, ainda resta luz, e o álbum é justamente uma elegante celebração dessa luminosidade.

No Boomerang, Siouxsie parece assumir o papel de uma sibila que, em seu transe, pronuncia palavras celestiais. É uma verdadeira obra de arte, muito inventiva e caprichosamente original. Simplesmente não há banda que soe como o The Creatures e nada nunca se aproximou da admirável singularidade que permeia a essência do álbum.

Siouxsie e Budgie formaram o The Creatures (nome sugerido por Severin) em 1981.

A Bestiary Of (1997):

Essa coletânea do The Creatures fez tanto sucesso entre os fãs quanto os próprios álbuns de estúdio. Na capa vemos uma das clássicas fotos de Siouxsie e Budgie no chuveiro. É uma compilação poderosa e hipnótica, que possui um enorme efeito catártico. É um álbum no qual encontramos músicas com batidas tribais ao melhor “estilo The Creatures” e em que encontramos um resgate de uma fase mais experimental da banda. Simplesmente magnífico.

Anima Animus (1999):

Esse álbum, cujo título é inspirado num conceito de Carl Jung, é um tanto diferente em relação aos outros trabalhos do The Creatures, na medida em que apresenta sonoridades mais eletrônicas e dançantes e não enfatiza tanto a percussão (embora o som dos tambores soe de uma maneira poderosa - com Budgie no comando, isso não podia ser diferente). Destaque para “2nd Floor”, que até hoje é uma das mais aclamadas faixas do The Creatures, “Say”, que é uma tocante homenagem a Billy Mackenzie, falecido amigo de Siouxsie Sioux e “Prettiest Thing”, a música mais peculiar do álbum que fala sobre experiência fora do corpo.

Um fato interessante é que uma parte do álbum foi gravada na casa de Siouxsie e Budgie, na França, onde residiam desde o início dos anos noventa, e devido a essa circunstância, de certa forma, o Anima Animus teve uma produção mais independente, até porque também foi o próprio casal que financiou as gravações.

A recepção da crítica em relação ao disco foi muito boa. O Times chegou a dizer que a voz de Siouxsie estava “melhor do que nunca”. Aliás, praticamente todas as avaliações do público e da crítica sobre o The Creatures sempre foram favoráveis. Particularmente, creio que no geral eles sempre foram mais estáveis do que os Banshees, que na totalidade de sua discografia, definitivamente, teve seus escorregões.

Siouxsie chegou a dizer que o The Glove (banda formada por Robert Smith e Severin) foi uma resposta ao The Creatures.

Hybrids (1999):

Esse é um álbum de remix das gravações feitas pelo duo no final dos anos noventa. Oferece uma releitura interessante de algumas das melhores músicas, remixadas por outros artistas (como Howie B, Chamber, etc.), e também foi bem elogiado na época de seu lançamento. Embora não carregue novidades, as versões alternativas que o compõem são ótimas.

Hái (2003):

Último lançamento oficial da banda. Este é um álbum sofisticado, gravado no Japão, e que possui uma enorme influência da música tradicional do país. Seu hit mais cativante e famoso é “Godzilla”, uma música simples, mas graciosa e aprazível.

No Hái, Budgie tocou vários instrumentos, como bateria, marimba, percussão, piano e até mesmo yueqin. Ainda no que diz respeito ao aspecto instrumental, a "cereja do bolo" ficou por parte de Leonard Eto, um artista japonês de grande genialidade, que participou ativamente da criação do Hái. Budgie havia conhecido o músico quando esteve com os Banshees no Japão, em 2002, e desde então tinha a ideia de um dia fazer uma parceria com ele. Devido a isso, o álbum possui uma percussão acentuada, tal qual a presente nas primeiras gravações do The Creatures. O mais curioso é que a base de grande parte das batidas foi gravada de maneira espontânea, numa única vez, pela dupla Budgie e Eto.
Essa foi uma louvável despedida de duas estranhas criaturas muito talentosas. A jornada do The Creatures terminou da mesma maneira como começou: com originalidade e brilhantismo. Eles sempre foram únicos e não há paralelos. 

EPs:

Wild Things (1981):


Esse foi o primeiro lançamento oficial feito pelo duo. Era um prelúdio de um projeto grandioso que estava ganhando vida. Há duas faixas desse EP que acho primorosas: “So Unreal” e “Mad Eye Scremer”. As duas são especialmente marcadas pela bateria tribal de Budgie e se tornaram icônicas na trajetória do The Creatures. Há também uma ótima versão de “Wild Thing”, música originalmente escrita por Chip Taylor. Um fato interessante é que durante a gravação desse EP de estreia - que durou apenas três dias -, Siouxsie fez aniversário e houve uma celebração em pleno estúdio. Vale dizer que Budgie certa vez contou que “But Not Them” soou estranha quando ele a escutou pela primeira vez, pronta e com os vocais e bateria adicionados.

Eraser Cut (1998):

Esse EP foi gravado nos anos noventa, após a última turnê dos Banshees. É uma produção musical bem alternativa cujas faixas definitivamente não emplacaram como as melhores da banda. No geral, faltou um pouco de inspiração para essa produção, que talvez seja a menos popular do The Creatures.

0 comentários:

Postar um comentário

TwitterFacebookRSS FeedEmail