Por Juliana Vannucchi e Neder de Paula
Em meio à efervescência musical de 1977, ano no qual, tanto na Inglaterra quanto nos EUA despontavam inúmeras bandas, o Misfits surgiu em New Jersey. O compositor e vocalista Glenn Danzig foi o fundador e idealizador do grupo, cuja formação original não durou muito tempo e passou por uma reciclagem antes dos Misfits decolarem. Assim, para o lançamento do primeiro single, intitulado "Cough/Cool" estavam presentes o baixista Jerry Caiafa e o baterista Manny Martínez. Após esses primeiros passos, com uma trajetória marcada tanto pelo sucesso quanto por uma série de desavenças entre os músicos, a banda se dissolveu em 1983. No entanto, para a alegria dos fãs, em meados dos anos noventa, o Misfits estava novamente reunido numa tentativa de reconciliação que mal vingou e logo fracassou.
Desde os primórdios, a banda se distanciou notavelmente da estética que prevalecia naquela época, adotando em seu visual e em suas letras, referências provenientes do universo do horror. Danzig, fã de Allan Poe e apreciador d quadrinhos, desenhava esqueletos em suas roupas enquanto o baixista Jerry Only pintava seu rosto de forma caricata e fazia um penteado inusitado que fez com a banda fosse identificada como representante do “devilrock”. Visualmente, parecia que todos os integrantes tinham saído do universos dos quadrinhos de terror para invadirem o nosso mundo. Ou, então, parecia simplesmente que tinham se levantado de alguma cripta para assumirem instrumentos musicais enquanto faziam barulho e traziam mensagens do além. Suas letras, afinal falavam sobre Halloween, vampiros, sangue e filmes B. E instrumentalmente falando, com uma excêntrica e bem-sucedida mistura de punk e rockabilly, os Misfits se firmavam com uma sonoridade original e, assim, se tornaram um dos representantes mais interessantes e originais da vasta leva de grupos de 77. A conceituada revista Rolling Stone certa vez, de forma precisa, os descreveu como sendo essencialmente “a banda arquetípica de horror-punk do final dos anos 1970 e início dos anos 1980.”
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Mais do que uma simples banda, o Misfits se consolidou como um símbolo cultural, um ícone do inconformismo e da celebração do grotesco. |
Em 1979 o single “Horror Business” explodiu. Na capa, havia uma figura cadavérica que agradou tanto os fãs quanto os membros da banda, que adotaram a caveirinha como mascote. E essa a icônica imagem que até hoje estampa tanta camiseta em todos os cantos do mundo. O sucesso crescia exponencialmente e a banda ia se consolidando cada vez mais. Os integrantes seguiam algumas cartilhas clichês do punk rock que envolviam shows caóticos, brigas públicas, prisão dos membros da banda e até mesmo a criação de um fã clube aos moldes do DIY, no qual Danzig estampava camisetas para fãs no porão da casa de sua mãe.
Aliás, Danzig sempre foi a figura mais polêmica da banda. Politicamente, já demonstrou não compactuar com o binarismo ideológico que paira nos EUA e se justificou dizendo que adota tanto um lado mais conservador, quanto também uma visão liberal. Para decepção de muitos fãs, em 2017 saiu em defesa de algumas atitudes de Donald Trump. O vocalista ainda entende atualmente a cultura de cancelamento compromete a liberdade de expressão e pensamento, gerando polêmicas vazias. Nesse âmbito, Danzig chegou a declarar que o punk rock jamais encontraria terreno para surgiu no cenário atual. entenda que os liberais, por vezes, se tornam demasiadamente radicais e opressores em seus discursos proibitivos. Os dois lados, de acordo com Danzig, são excessivamente mentirosos e movidos por corrupção. Porém, se politicamente nenhum lado o agrada muito, por sua vez, o sempre controverso Danzig ao ser acusado de satanismo, revelou sustentar uma postura dualista e disse que abraça tanto o bem quanto o mal. Em certa ocasião,o músico chegou a declarar abertamente ter afinidade com alguns aspectos do satanismo. Assim como já afirmou categoricamente que não compactua com o Cristianismo, cuja ideologia, segundo Danzig, se propõe a escravizar as pessoas.
Ainda que envolto em tantas controvérsias e com uma carreira marcada por altos e baixos, o legado do Misfits ultrapassa os limites do horror punk e ressoa fortemente até os dias atuais. A estética da banda, seu visual grotesco e teatral, além das letras inspiradas em filmes de terror e ficção científica, foram capazes de influenciar não só a música, mas também o cinema, a moda alternativa e toda uma subcultura que se formou em torno do macabro e do absurdo. O impacto do grupo pode ser sentido em bandas como AFI, Alkaline Trio, My Chemical Romance e até no mainstream, com artistas que bebem da mesma fonte de horror visual e lírica sombria.
Mesmo com as inúmeras trocas de integrantes, disputas judiciais sobre o uso do nome da banda e a constante reinterpretação de seu catálogo por diversas formações, o Misfits continua sendo uma entidade viva dentro do rock underground. Em apresentações esporádicas, reunindo figuras históricas como Glenn Danzig, Jerry Only e Doyle Wolfgang von Frankenstein, o grupo arrasta multidões, demonstrando que sua aura cult permanece intacta, com fãs de diferentes gerações sedentos por vivenciar aquela experiência que mistura teatro de horror e punk selvagem em estado bruto. Portanto, mais do que uma simples banda, o Misfits se consolidou como um símbolo cultural, um ícone do inconformismo e da celebração do grotesco. Sua importância reside não apenas na música, mas no imaginário que ajudaram a construir — uma espécie de circo punk de horrores que segue inspirando outsiders, rebeldes e criadores independentes ao redor do mundo. É essa força estética e ideológica que garante ao Misfits um lugar eterno na cripta sagrada do rock underground.
Referências:
https://www.theguardian.com/music/2014/jun/29/misfits-review-schlock-horror-kitsch
https://www.mundometalbr.com/danzig-se-voce-nao-pensa-o-que-eles-pensam-eles-querem-te-destruir-isso-nao-e-liberal-na-verdade-e-muito-fscist-sao-todos-fscists-idiotas-diz-glenn-danzig/amp/
https://www.nme.com/news/music/danzig-misfits-trump-muslim-travel-ban-2081376
http://www.inmusicwetrust.com/articles/52h06.html
https://www.theguardian.com/music/2014/may/09/the-misfits-gelnn-danzig-logo-lawsuit-sour-grapes-tantrum-jerry-only
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