Fanzine Brasil

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Grandes homens, assim como grandes tempos são um material explosivo interior do qual uma força imensa é acumulada (....)

“DISCO DA BANANA”- A OBRA PRIMA IGNORADA

Eu sabia que a música que fazíamos não podia ser ignorada

SEX PISTOLS - UM FENÔMENO SOCIAL

Os Sex Pistols foram uma das bandas de Rock mais influentes da história.

ATÉ O FIM DO MUNDO

Com custos acima de mais dez milhões de dólares, é um filme encantador, artístico, típico das obras de Wim Wenders, realmente, é uma obra fascinante, mais uma certo do diretor alemão.

AFINAL, COMO SURGIU O CINEMA?

Um breve questionamento e historio sobre o assunto.

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WOLF CITY - AMON DUUL II

Wolf City é um dos maiores clássicos do Rock Progressivo. É um álbum que celebra magicamente este gênero musical, e que é foi gravado por artistas imensamente talentosos

sábado, 11 de maio de 2024

"ARTE NÃO É COMODIDADE": PAUL TALBOT REFLETE SOBRE SEUS DESENHOS E SOBRE O UNIVERSO ARTÍSTICO

 Por Juliana Vannucchi

Paul Talbot, residente de Piedade, uma singela e fria cidade localizada no interior paulista, é um talentoso desenhista e quadrinista que ao longo dos últimos anos, viu suas produções artísticas lhe renderam cada vez mais destaque e reconhecimento. Em sua vasta bagagem, acumula participações em diversos eventos culturais, como o Ilustra Comic Fest, ocorrido em 2023, o Gibi SP, que também aconteceu no ano passado, além de ter marcado presença no Palco Livre, em sua cidade natal, no Sesc Sorocaba, e na XXVII Feira do Beco do Inferno, que também ocorreu em Sorocaba, em 2024. E aliás, foi justamente nesse último evento citado que eu conheci o trabalho de Paul Talbot. Na referida Feira, que reuniu uma quantidade volumosa de diferentes e habilidosos artistas da região, o universo visual criado por Paul e sua forma de expressão artística, atraiu particularmente a minha atenção. Foi justamente essa experiência que deu vida ao presente texto. Lembro-me claramente que no instante em que me deparei com as criações de Talbot, percebi de imediato que seus desenhos pareciam captar a atmosfera sombria das histórias de Edgar Allan Poe e misturá-las com os elementos fantásticos de Lovecraft. Como resultado, suas ilustrações me pareceram verdadeiros portais que se abrem para um mundo paralelo, no qual encontramos criaturas mágicas e ambientes despóticos. Conversando com o artista, fui capaz de compreender melhor suas perspectivas sobre a arte e as propostas que pairam por trás da  originalidade de suas ilustrações, que nos transportam tão facilmente para além dos limites habituais do espaço e do tempo. 

 

Paul Talbot entende que um dos principais significados da arte é o espírito de revolta que ela desperte no ser humano.

A arte entrou na vida de Paul por meio da escola e através de programas televisivos. A partir disso, desde a tenta idade, ele passava horas imerso em seu processo criativo e sempre se empenhava em aprimorar suas técnicas. Os anos se passaram e Talbot nunca parou desenhar, nutrindo sempre uma imensa paixão por essa atividade. O quadrinista entende que a arte, sua eterna companheira, deve ter espaço na vida de todas as pessoas, pois assim como ela sempre foi relevante para ele, pode ser também prazerosa e transformadora para qualquer um: “Penso que a importância da arte para o ser humano e para a sociedade em si, é algo imensurável. Até mesmo boa parte daquilo que é consiste na arte mainstream, muitas vezes teve em sua origem numa fonte que demandou criatividade, ou seja, exigiu um modo novo de produzir. Por mais, é claro. que seja um saco ver o corporativo "capitalizar" em cima dessas coisas, é de suma importância existir essa autenticidade... Essa postura de não se curvar diante da indústria mainstream, de não perder sua identidade mediante as cobranças que ela faz, evitando contaminar-se por ela. O artista seguiu sua reflexão sobre o tema: “Eu mesmo não vejo problema algum no fato de eu não viver da minha própria arte e tê-la apenas como hobby, como uma paixão, contanto que ela permaneça autêntica ao invés de se tornar um “produto” que visa seguir tendências específicas. Acho que foi o David Lynch que certa vez disse que “viver a vida artística é uma vida de trabalho".

 

Paul ostenta um brilhantismo estético especial em suas produções que são, na maior parte das vezes,  permeadas por elementos fantásticos, pelo horror e por referências a símbolos e criaturas mística.
 

A partir das considerações e diálogos acima, perguntei a Talbot se ele acredita, levando em conta o atual contexto da realidade brasileira, ser possível viver apenas de arte. A esse respeito, o ilustrador respondeu, de maneira meditativa: “Bem... Dar aula de arte é viver de arte, por mais que não consiste numa venda direta da obra artística em si? Ou, então, viver de arte seria viver da arte sem "comprometer" a visão artística? Ou poderíamos aceitar nesse sentido alguns desenhos feitos sob encomenda? Isso sem contar a necessidade de correr atrás de projetos culturais e eventos para participação e venda da arte, além de divulgação e etc. Então, em suma, acredito que seja possível... Mas não há uma "fórmula" específica para isso; há caminhos, meios. No campo artístico é preciso dar “os pulos” (risos) e mesmo assim, não há segurança ou garantia”.

Paul ostenta um brilhantismo estético especial em suas produções que são, na maior parte das vezes,  permeadas por elementos fantásticos, pelo horror e por referências a símbolos e criaturas místicas. Tudo isso se expressa através de detalhes impressionantes e de uma enorme variedade de cores. Nesse sentido, o ilustrador nos contou que, embora trabalhe com fan-art, também dá vida aos seus próprios personagens: “Crio tanto obras originais, quanto fan-art. Fan-art, no caso envolve esboçar um determinado personagem que já existe, contudo, eu faço isso sempre dentro do meu próprio estilo de desenho, valorizando os meus traços. A ideia dos personagens, cenários e etc. sempre está alinhada com algo que quero contar. Muitas vezes ocorre, portanto, uma espécie de simbiose para fazer a narrativa funcionar. Às vezes, basta eu pensar numa "imagem" ou "fala" para começar a construir uma história ao redor disso”. O artista revelou ao Fanzine Brasil que por meio dessas abordagens, pretende surpreender e também articula-se para gerar um certo desconforto naqueles que contemplam seus desenhos: “Tento fazer algo que cause uma espécie de "impacto visual" capaz de misturar o belo e o grotesco. Uma repulsa atraente, eu diria”. 

 

"Sempre tive interesse em desenhar os arcanos maiores porque adoro a estética de tais cartas" (Talbot)
 

Um dos legados mais autênticos do jovem ilustrador e que chama a atenção pela engenhosidade, é seu baralho de tarot. A esse respeito, nos contou: “Foi meu projeto do Inktober de 2022. Sempre tive interesse em desenhar os arcanos maiores porque adoro a estética de tais cartas. A ideia de fazer a temática horror industrial/mecânico veio do filme "Tetsuo: O Homem de Ferro". Porém, eu busquei transmitir a ideia do ser humano sendo usado como matéria prima para uma indústria comandada por uma inteligência artificial. Até mesmo os números e nomes das cartas, além da forma habitual, também são descritos com código binário e código baudot, respectivamente. Que é pra dar mais ainda essa impressão de ser a "máquina" no comando de tudo. O código baudot foi uma homenagem ao conto "I have no mouth, and I must scream" do Harlan Ellison. 

Para encerrar nossa produtiva conversa, Paul Talbot também discorreu sobre o significado arte e sobre a importância do espírito de revolta que ela envolve, podendo, a partir de tal estado, libertar o ser humano das tantas amarras que o cercam: “Arte não é comodidade. É preciso acreditar na visão, no processo. Deve haver revolta… e que essa revolta sirva como fonte de inspiração”. Artistas como Paul impressionam pelo modo através do qual brincam com suas imaginações e, dessa forma, conduzem os espectadores para caminhos inusitados, diferentes do convencional. Por isso, podemos seguramente afirmar que o dom de arte corre nas veias de Talbot, que possui maestria em sua habilidade, além de carregar em si um notável e inesgotável ímpeto de criatividade.

quarta-feira, 1 de maio de 2024

FEMINISMO, ARTE E SONIC YOUTH: A VIDA REVOLUCIONÁRIA DE KIM GORDON

Por Juliana Vannucchi

Acho que é possível dizer que o Sonic Youth sempre tentou desafiar as expectativas das pessoas”. (p. 151, 2015).

Após um casamento de quase 30 anos, em 2011, Kim Gordon e Thurston Moore anunciaram o divórcio e decretaram com isso o fim do Sonic Youth. Alguns anos mais tarde, a baixista da banda alternativa mais importante dos anos oitenta publicou um livro biográfico que em português foi intitulado “A Garota da Banda”, no qual Gordon compartilha com os leitores alguns dos momentos mais marcantes e decisivos de sua vida. Ela aborda em detalhes o fim trágico de seu casamento, marcado por uma traumática traição do marido, além de tecer comentários sobre bastidores de álbuns, músicas e videoclipes da banda norte-americana.

Sabemos que ao longo de sua trajetória, Kim destacou-se especialmente como baixista do Sonic Youth, e geralmente a conhecemos somente sob tal rótulo. Contudo, acabamos por nos limitar se a considerarmos apenas por essa perspectiva, pois ela também merece ser lembrada pela sua carreira como artista visual. Aliás, cabe dizer que numa entrevista concedida em 2022, Gordon chegou a dizer que sempre se reconheceu mais como artista do que musicista. E em sua biografia, fala que se sentia limitada como cantora, sendo que justamente por isso optou por fazer uso de uma abordagem vocal falada e rítmica. Embora nunca tenha se visto como uma boa cantora ou musicista, lembra aos leitores que (...) desde o início, o rock and roll nunca teve base em formação musical ou técnica, assim como o punk rock nunca teve a ver com ser um bom músico”. (p. 137, 2015). Ainda nesse contexto, explica: “O melhor tipo de música vem quando você é intuitivo, inconsciente de seu corpo, perdendo a cabeça, de certo modo (...)”. 

"O detalhe é importante, pois ele praticamente se torna a própria obra quando se trata de arte conceitual”. - Kim Gordon

   
Desde a juventude, Gordon sempre nutriu um forte interesse pela arte e decidiu que esse era o caminho profissional que desejava trilhar. Nesse período de sua vida, o irmão de um amigo chegou a confrontá-la a respeito de sua escolha: “Artista? Como vai virar artista? E se você falhar? Você tem um plano B?”. Mas Kim estava convicta a respeito de seu destino e de seu desejo: “Nunca me ocorreu que eu poderia falhar”. Em sua biografia, ela releva que no universo das artes, seu primeiro mentor (conforme ela mesma define) foi um artista conceituado chamado John Knight. Segundo Gordon (p.83, 2015), ele a ensinou “que qualquer coisa - um carro, uma casa, um gramado - poderia ser vista e analisada em termos estéticos”. Ele também lhe mostrou que “toda arte deriva de uma ideia”.  “Discutíamos em detalhes qualquer coisa que aparecesse ou estivesse ali por acaso - que tipo de fonte uma máquina de escrever usava, por exemplo. Uma mais previsível ou mais rebuscada?”. E completa Kim: “Isso pode parecer trivial, mas mostra que o detalhe é importante, pois ele praticamente se torna a própria obra quando se trata de arte conceitual”. Vale observar que esse referido contexto artístico certamente influenciou de alguma forma a estética e a sonoridade do Sonic Youth, banda que abusou de experimentalismos melódicos, de ruídos e de dissonâncias.  

 

"As mulheres são anarquistas e revolucionárias naturais". -  Kim Gordon
  

No final dos anos setenta, Kim Gordon estudou no Otis Art Institute. Sua primeira exposição foi realizada poucos anos depois, em 1981. Cabe dizer que ela contribuiu com inúmeros campos culturais diferentes, como moda, design, cinema, pintura, etc. A título de curiosidade, vale dizer que antes de seguir sua carreira artística, trabalhou como ajudante de garçom e assistente de escritório.
    
No livro, Kim também conta o quanto a convivência com Keller, seu irmão esquizofrênico, foi dramática e deixou marcas na artista, embora ela também assuma sua consideração e carinho por ele. Keller sempre foi inteligente e apresentou autores importantes para Kim (como Nietzsche, Balzac e Sartre, por exemplo), porém, também fazia brincadeiras agressivas e um tanto perturbadoras. Uma vez, por exemplo, pulou nu na cama da irmã. Keller se formou na Universidade da Califórnia e fez mestrado em clássicos na Universidade de Berkeley , sendo que foi nessa época que teve seu primeiro surto psicótico completo. Depois desse episódio, piorou bastante e precisou ser internado numa casa de repouso. Keller faleceu no início de 2023.
    
Em uma de suas fotos mais icônicas, vemos Kim vestindo uma camiseta verde na qual está escrito em letras pretas discretas: "Girls invented punk rock, not England". De fato, o punk não nasceu na Inglaterra, ele apenas amadureceu, desenvolveu-se e teve seu auge no país. E as mulheres, em sua própria natureza, talvez tenham, de fato, inventado o punk rock. Certa vez, Kim fez a seguinte declaração: “As mulheres são anarquistas e revolucionárias naturais, porque elas sempre foram cidadãs de segunda classe e tiveram que fazer o seu próprio caminho”. Na biografia, a baixista, que sempre mostrou envolvimento com o feminismo, comenta que em geral as mulheres não têm realmente permissão para “mandar ver”, para agir como gostariam e ser o que desejam. A esse respeito, escreve: “(...) Culturalmente nós não permitimos que as mulheres sejam tão livres quanto elas gostariam e isso é assustador. Nós ou rejeitamos essas mulheres ou as consideramos loucas (...) No final do dia é esperado que as mulheres sustentem o mundo, não que o aniquilem”. (p. 137, 2015). Kim também alfinetou Lana Del Rey, ao expressar sua indignação com a banalização do feminismo e das lutas das mulheres: “Hoje temos pessoas como Lana Del Rey que nem sabem o que é feminismo, que acreditam que as mulheres podem fazer tudo o que quiserem, o que, em seu mundo, é flertar com a autodestruição, seja dormindo com homens mais velhos nojentos ou sendo estuprada por um grupo de motociclistas". A crítica se refere a um polêmico videoclipe em que Del Rey aparece sendo violentada sexualmente e também serve, sobretudo, como resposta a uma entrevista concedida certa vez pela cantora pop, na qual disse: “Não estou interessada em feminismo. Minha ideia de uma verdadeira feminista é uma mulher que se sinta livre o bastante para fazer o que quiser”. Kim ainda indagou nesse trecho do livro: “Se ela realmente acredita que é bonito quando os músicos desaparecem numa espiral de drogas e depressão, por que ela não se mata?”. No mesmo ano, Gordon disse também que Lana Del Rey “não sabe nada sobre feminismo” e que é popular porque faz música fácil, convencional e que “apela para bases genéricas”, razões pelas quais a cantora conseguiu tornar-se popular. O eixo das críticas de Kim consiste na ideia de que há uma indústria machista por trás de imagens e lutas banais do feminismo e, portanto, é preciso que haja cautela e atenção para que ações aparentemente de cunho feminista no universo musical não estejam, na verdade, alimentando fantasias masculinas e discursos machistas. Ela está certíssima em relação a isso. Às vezes, afinal, conceitos ilusórios de liberdade e de luta apenas nos escravizam ainda mais e alimentam os detentores do poder.
    
Kim Gordon é muito mais que uma baixista. Ela é um verdadeiro ícone cultural e provavelmente é a artista mais intelectual surgida do universo punk. É fundamental que a vejamos sob essa perspectiva que não se limita aos palcos. Precisamos de músicos militantes, pensantes, ousados e criativos como Kim. As tais bases genéricas que fomentam a indústrias musical saturam e são fracas. Nossas mentes prezam por um alimento mais profundo, por um estímulo sonoro mais desafiador, capaz de dialogar com a nossa alma e fazer nosso corpo responder automaticamente a isso. Precisamos muito do Sonic Youth! 

Referências:

GORDON, Kim. A garota da banda. Rio de Janeiro: Fábrica231, 2015.

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